Professor
e... contador?
Matéria
de Silvana Sá (Publicado no Jornal da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ, Ano
XI nº 788 – 25 de fevereiro de 2013)
Agências
de fomento responsabilizam docentes das instituições de ensino superior do país
por qualquer problema na prestação de contas de projetos de pesquisa. Até
quando o erro é delas próprias
Uma
diferença (para menos) de R$ 13 mil na prestação de contas de um projeto
financiado pelo CNPq fez a professora Suzana Herculano-Houzel, do Instituto de
Ciências Biomédicas da UFRJ, botar a “boca no trombone”: “Não temos formação em Contabilidade para administrar recursos de
pesquisas que são gastos para a universidade e na universidade”. A docente,
que atua no Laboratório de Neuroanatomia Comparada do ICB, reclama que a
instituição não dá suporte aos professores na hora de realizar a parte de
secretariado e, principalmente, de prestação de contas dos projetos.
Tudo
começou com uma comunicação do CNPq [...] pedindo que Suzana revisasse uma
prestação de contas. O mesmo havia acontecido dois meses antes: “Acabou que o
erro era do programa deles, que incluía um subtotal duas vezes”, relatou. Parte
do novo problema foi solucionado, pois a professora conseguiu, na revisão,
perceber que novamente se tratava de inclusão de subtotais inexistentes. Agora,
porém, o programa da agência apresenta novo erro que não permite que a
professora envie os dados retificados. (Foto:Suzana descobriu que o CNPq lhe
cobrava explicações por conta de um erro do programa da própria agência)
A
situação ilustra o problema que afasta
cada vez mais os docentes das salas de aula e das atividades de pesquisa. O tempo que deveria ser investido no avanço
de suas teorias e no acompanhamento de estudantes acaba sendo sugado por uma
série de tarefas para as quais não há, na maioria das vezes, formação ou
treinamento. “A gente é
contratado como professor, mas é técnico, secretário, contador. Fazemos
todo o acompanhamento das despesas, do que é comprado, do que precisa ser
adquirido. Exigem-nos que comprometamos nosso CPF com projetos que são para a
universidade. Qualquer erro que cometamos somos nós que pagamos. Sai do nosso
bolso”, reclama.
E
com razão. Em outros países, os projetos realizados nos diversos centros são
geridos pelos escritórios das universidades. “É assim nos Estados Unidos, na
África do Sul e na Alemanha. Meus colegas podem fazer pesquisa, enquanto
administração e contabilidade são feitas por administradores e contadores”.
“Na hora de prestar contas o
professor/cientista também precisa virar contador. E mais: lembrar se, pelas regras
do CNPq, teclado de computador é custeio ou capital. Lembrar se é a FAPERJ ou o
CNPq que não permite o pagamento à pessoa física. Lembrar qual dos dois
considera livros como equipamento permanente”, queixou-se a docente em uma postagem
no seu perfil do Facebook.
Excesso de responsabilidades
A
principal crítica da professora é quanto à responsabilidade do docente pela
administração dos recursos recebidos para os projetos: “É claro que temos que
ser responsáveis pelo que gastamos. Não podemos fazer uso indevido do dinheiro,
nem público, nem de ninguém. É preciso ter controle, sim. Mas, por que eu tenho
que ser responsável pela contabilidade? Por que esse dinheiro não vai para a
conta da universidade, que se compromete, ela sim, com administradores
profissionais, a zelar para que custeio seja custeio, capital seja capital, e
que toda a ‘burrocracia’ infindável das prestações de conta não nos afaste do que
é de fato nosso trabalho?”, questiona.
Não
é difícil encontrar outros professores que passaram por casos semelhantes. No
próprio perfil eletrônico da docente, há diversas mensagens de solidariedade e
citando situações parecidas. O professor Claudio Ribeiro, da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, foi um dos que se solidarizaram com Suzana. “Afastam-nos
da graduação com a correria da pesquisa e nos afastam da pesquisa com a
‘correria’ da prestação de contas... Nossas contas da FAPERJ, por exemplo,
se transformaram em investimentos que ficam rendendo no mercado financeiro
enquanto não o utilizamos... Façam algum exercício de futurologia básica para
pensar o que isto pode significar daqui para a frente”.
Fonte: AdUFRJ
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