10 de abr. de 2013

Professor e... contador?

A nada mole vida de um professor [sério] em uma universidade federal desse país

Professor e... contador?                                 
Matéria de Silvana Sá (Publicado no Jornal da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ, Ano XI nº 788 – 25 de fevereiro de 2013)

Agências de fomento responsabilizam docentes das instituições de ensino superior do país por qualquer problema na prestação de contas de projetos de pesquisa. Até quando o erro é delas próprias

Uma diferença (para menos) de R$ 13 mil na prestação de contas de um projeto financiado pelo CNPq fez a professora Suzana Herculano-Houzel, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, botar a “boca no trombone”: “Não temos formação em Contabilidade para administrar recursos de pesquisas que são gastos para a universidade e na universidade”. A docente, que atua no Laboratório de Neuroanatomia Comparada do ICB, reclama que a instituição não dá suporte aos professores na hora de realizar a parte de secretariado e, principalmente, de prestação de contas dos projetos.
Tudo começou com uma comunicação do CNPq [...] pedindo que Suzana revisasse uma prestação de contas. O mesmo havia acontecido dois meses antes: “Acabou que o erro era do programa deles, que incluía um subtotal duas vezes”, relatou. Parte do novo problema foi solucionado, pois a professora conseguiu, na revisão, perceber que novamente se tratava de inclusão de subtotais inexistentes. Agora, porém, o programa da agência apresenta novo erro que não permite que a professora envie os dados retificados. (Foto:Suzana descobriu que o CNPq lhe cobrava explicações por conta de um erro do programa da própria agência)


Multitarefas
A situação ilustra o problema que afasta cada vez mais os docentes das salas de aula e das atividades de pesquisa. O tempo que deveria ser investido no avanço de suas teorias e no acompanhamento de estudantes acaba sendo sugado por uma série de tarefas para as quais não há, na maioria das vezes, formação ou treinamento. “A gente é contratado como professor, mas é técnico, secretário, contador. Fazemos todo o acompanhamento das despesas, do que é comprado, do que precisa ser adquirido. Exigem-nos que comprometamos nosso CPF com projetos que são para a universidade. Qualquer erro que cometamos somos nós que pagamos. Sai do nosso bolso”, reclama.
E com razão. Em outros países, os projetos realizados nos diversos centros são geridos pelos escritórios das universidades. “É assim nos Estados Unidos, na África do Sul e na Alemanha. Meus colegas podem fazer pesquisa, enquanto administração e contabilidade são feitas por administradores e contadores”.
“Na hora de prestar contas o professor/cientista também precisa virar contador. E mais: lembrar se, pelas regras do CNPq, teclado de computador é custeio ou capital. Lembrar se é a FAPERJ ou o CNPq que não permite o pagamento à pessoa física. Lembrar qual dos dois considera livros como equipamento permanente”, queixou-se a docente em uma postagem no seu perfil do Facebook.

Excesso de responsabilidades
A principal crítica da professora é quanto à responsabilidade do docente pela administração dos recursos recebidos para os projetos: “É claro que temos que ser responsáveis pelo que gastamos. Não podemos fazer uso indevido do dinheiro, nem público, nem de ninguém. É preciso ter controle, sim. Mas, por que eu tenho que ser responsável pela contabilidade? Por que esse dinheiro não vai para a conta da universidade, que se compromete, ela sim, com administradores profissionais, a zelar para que custeio seja custeio, capital seja capital, e que toda a ‘burrocracia’ infindável das prestações de conta não nos afaste do que é de fato nosso trabalho?”, questiona.
Não é difícil encontrar outros professores que passaram por casos semelhantes. No próprio perfil eletrônico da docente, há diversas mensagens de solidariedade e citando situações parecidas. O professor Claudio Ribeiro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, foi um dos que se solidarizaram com Suzana. “Afastam-nos da graduação com a correria da pesquisa e nos afastam da pesquisa com a ‘correria’ da prestação de contas... Nossas contas da FAPERJ, por exemplo, se transformaram em investimentos que ficam rendendo no mercado financeiro enquanto não o utilizamos... Façam algum exercício de futurologia básica para pensar o que isto pode significar daqui para a frente”.

Fonte: AdUFRJ

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