Recebi esse texto e achei muito interessante o raciocínio. Parece extenso, mas não gasta nem cinco minutos.
Quem tiver interesse, leia! Acho que vale a pena. O autor não defende nenhum dos lados, ele chama ao bom senso.
POR
QUE POBRES, IGNORANTES E NORDESTINOS CONTINUAM ATRAPALHANDO AS ELEIÇÕES E ELEGENDO
OS CANDIDATOS ERRADOS?
Tem
sido assim desde, pelo menos, 2006. Assim que o PT vence uma eleição
presidencial a nossa fábrica social de diagnósticos e explicações começa a
funcionar com força total. Jornalistas, comentaristas de política, pessoas nos
bares da vida e nos botecos das redes sociais digitais, e até FHC, contrariados
ou intrigados com o que as urnas disseram, todos passam compulsivamente a
“explicar” como pode ter sido possível tamanho contrassenso, tal violação da
Lógica e das evidências, erro de tal proporção e tantas consequências. O
raciocínio de base é sempre o mesmo: a) a maioria dos eleitores fez escolhas
diferentes da minha; b) escolhas divergentes da minha são erradas; c) quem foi
esse insensato, irresponsável, desqualificado, estúpido, inocente útil, desvalido
a cometer tamanho desvario?
Neste
ano, notei a inauguração de outro veio argumentativo, desta vez a respeito do
resiliente voto tucano em São Paulo, que provavelmente deve intrigar o Brasil
inteiro. A lista dos deméritos do governador é enorme: provocou a fúria das
massas nas, agora elevadas à glória dos altares, “manifestações de junho”; “a
polícia de Alckmin” barbarizou jornalistas e manifestantes naquela e em outras
ocasiões; o seu governo conseguiu fazer com que os paulistanos temessem a falta
de água como sertanejos do semiárido. Como é que depois de tudo isso ele é
reeleito de forma consagradora? Estarão os paulistas hipnotizados? São
antipetistas tão fanáticos que votariam até em Lúcifer - desde que ele
tucanasse -, não importa as consequências?
A
base do argumento é a mesma: eu sei que X não merece ser eleito, por N razões;
mas X é eleito; logo, algum erro moral ou intelectual há nessa decisão de
eleger X.
O
UOLNoticias abriu a usina de explicações ontem com “Dilma vence nos sete
Estados com menor renda média”. As garotas e garotos da GloboNews, com o
luxuoso auxílio dos meninos descolados do Manhattan Connection, deixavam
entender, sem disfarce, que “o Nordeste” é a única força capaz de impedir que
Aécio cumpra a sua sentença, ser presidente do Brasil, que SP estava fazendo,
com entusiasmo, a sua parte para recolar o cosmo no seu lugar, mas tinha uma
Bahia de votos no meio do caminho.
No
Twitter, no Facebook e no WhatsApp as explicações eram as mesmas desde 2006,
com poucas variações. As alternativas são as de sempre: a) Dilma vence onde o
IDH é menor; b) Dilma só vence acima do trópico de Capricórnio (sim, Sílvio
Romero, não há civilização que preste entre os Trópicos); c) Dilma só ganha por
causa do Nordeste; d) Dilma só vence por causa dos ferrados, vendidos à
dinheirama que o Bolsa Família - esta fábrica de preguiçosos e acomodados, esta
usina de dependência que, em vez de eliminar a pobreza faz com que ela se
perpetue para que o PT nunca mais perca eleições - distribui; e) Dilma vence
apenas em estados com baixo consumo de proteína e com menor estatura média da
população. Um amigo muito querido no WhatsApp disparou, em dasalento, que
deixará esta merda de país assim que for possível, que não aguenta mais ver os
analfabetos e desdentados decidindo as eleições presidenciais.
Vou
chamar o raciocínio à base de tudo de silogismo Oliveira Vianna. Premissa
maior: Só ferrados, famintos e ignorantes votam em Dilma. Premissa menor:
Ferrados, famintos e ignorantes são inferiores a nós. Conclusão: Dilma é eleita
apenas com o voto dos inferiores. Depois de exercício tão consistente de
Lógica, estamos autorizados a vociferar a nossa fúria mediante o racismo
geográfico (então nordestino, baiano, paraíba etc. voltam a ser palavrões), o
preconceito de classe (miseráveis e ignorantes dependentes do bolsa família) e
na atribuição de inferioridades e vulnerabilidades aos outros (a mídia paralisa
o cérebro dos pobres, todo mundo sabe disso, abrindo a brecha para João Santana
entrar e inocular o veneno petista diretamente no hipocampo). Nessas três
coisas, nós, os brasileiros, somos muito bons.
O
problema com esse raciocínio é que ele tem grande dificuldade de admitir outras
razões para o voto diferente das que eu adoto para a minha própria decisão. As
minhas são razões, as dos outros, não. Quanto mais longe de mim é o outro (a
outra classe social, a outra região do país), cognitivamente, politicamente ou
moralmente, menos ele tem razões: ele age por instintos, interesses,
necessidades. Nunca racionalmente. Racionais como “nós”.
Peguemos
os pobres, onde se resume toda a questão. Se os pobres votam no PT, o fazem
porque são vulneráveis, ignorantes, não têm discernimento? Para os petistas
tatuados os pobres são vulneráveis à mídia e ao capitalismo, que os leva pelo
nariz como são levados os boi de arrasto. Para a classe média antipetista, os
pobres são vulneráveis ao marketing político e às esmolas que o PT distribui no
lugar remoto onde eles vivem, chamado, alternativamente de “as favelas”, “os
grotões” ou “o Nordeste”.
Basta
admitir que os pobres têm, sim, boas razões para o seu voto e todo esse
edifício de argumentos montados para a conveniência da classe média cai por
terra. A teoria poderia, naturalmente, ser diferente. É bastante admitir que
diferentes classes sociais votam por diferentes razões. Todas legítimas. Vem
cá, é razoável esperar que os 31,7% dos brasileiros que vivem com R$150 de
renda per capita por mês votem por razões diferentes de nós, da classe média,
ou não? Não é que os pobres votem em Dilma porque não usam a razão. Os pobres
votam em Dilma, porque têm lá as suas muito justificadas razões. Os pobres
são tão inteligentes que sabem que as razões de voto da classe média não podem
ser as suas razões de voto. São pobres, não são burros. Burro é o cara de classe
média que acha que tanto o rico quanto o pobre devem votar pelas suas mesmas
razões. Burro e autocentrado.
O
PSDB decidiu que as pessoas devem votar em Aécio por causa da corrupção do PT e
do baixo crescimento econômico.
Para mim, é um bom argumento. Aécio vai insistir nos "pecados
capitais" de Dilma: crescimento anêmico da economia, inflação e
incapacidade de conter corrupção. Para mim, são bons argumentos. Ainda mais que
não sou petista e a minha simpatia pelo partido está em acentuado declínio. Mas
se eu ganhasse R$150 por mês para cada pessoa que sustento na minha família
esse argumento não me diria NADA. São, pois, ótimos argumentos para a classe
média, crescentemente antipetista. E para os outros? O PSDB vai dizer o quê?
"Vamos conversar?". Rá.
Na
situação atual, acho que os pobres é quem têm mais motivos de queixa do que
nós da classe média, afinal é só nas eleições que eles contam mais que nós.
Nos intervalos, mandamos nós. Em suma, nós é que atrapalhamos o voto deles, não
eles o nosso. A GloboNews acha que o Nordeste é o que atrapalha a vitória de
Aécio. Ué, não é SP quem atrapalha a vitória de Dilma?
O
que os eleitores dos tucanos no Sul, Sudeste, Nordeste etc. precisam entender é
que se os pobres contam eleitoralmente, precisam contar também como cidadãos.
Como a democracia nos obriga a reconhecer nos pobres ao menos os mesmos
direitos eleitorais que temos, o PSDB tem um nó a desatar. Enquanto os tucanos
acharem que as razões de voto dos distritos financeiros e industriais de SP,
Rio, Minas etc. têm que ser as mesmas dos 50 milhões de brasileiros pobres,
terá um problema. Do jeito que a coisa anda, ou os tucanos acabam com a
pobreza, ou a pobreza acaba com os tucanos. Ou de tanto bater na tecla,
quem sabe, convençam os pobres de que o PT inventou a corrupção e que se deita
toda noite com ela. Continuem tentando, quem sabe?
Pobre
não é raça, não é casta, não é natural. Pobre é circunstancial. Ponha todo
mundo na classe média e aí prioridades e urgências eleitorais da classe média
poderão ser generalizadas. Não quer que as razões eleitorais de gente
dependente de bolsa esmola, com baixa escolarização e mal nutrida, atrapalhem e
perturbem a sua cristalina decisão de voto, puxando o resultado para o lado que
eles pendem? A solução é simples: acabe com a pobreza e universalize a educação.
Enquanto isso, aceite que eles terão diferentes razões para as suas escolhas
eleitorais ou desista da democracia. Ou continuemos a nos divertir com o
preconceito social e o racismo geográfico que as más explicações e os falsos
diagnósticos nos autorizam. São escolhas.
(Texto
divulgado no perfil do Wilson Gomes no Facebook)
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