Olá a todos! Reproduzimos a matéria a seguir, publicada no portal da revista Exame sobre os impactos da pandemia causada pelo COVID-19 no trabalho de contadores e auditores. Vale a pena a leitura.
A pandemia do coronavírus se transformou em uma tremenda dor de cabeça para companhias e auditores. A expectativa de uma forte retração da economia está tirando o sono do empresário e fazendo especialistas em contabilidade duvidarem se os ativos hoje registrados nos balanços valem mesmo o que dizem. A angústia maior dos contabilistas é com o tal do teste da imparidade.
Esse exercício de nome feio – uma tradução livre para o “impairment” – nada mais significa do que conferir se os ativos reportados poderão gerar a riqueza que traduzem nas demonstrações financeiras, seja com lucros futuros, seja pela venda do bem. É uma obrigação das empresas e seus auditores, que deve ser cumprida, pelo menos, uma vez ao ano.
O que tem atormentado os auditores é como fazer essa verificação – ou seja, confirmar a verdade dos fatos – diante de um ‘black swan’ com as proporções da covid-19. De um momento para o outro, a previsão para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil da ‘The Economist Intelligence Unit’, por exemplo, passou de um crescimento de 2,4% para 2020 para uma violenta retração de 5,5% – uma variação de quase 8 pontos percentuais e que ninguém sabe se vai parar por aí. E essa mesma crise afetará companhias e setores de maneiras e intensidade diversas.
À primeira vista, esse debate pode parecer perfumaria de contabilista. Mas não é não. O patrimônio líquido, que pode ser reduzido por essas baixas por imparidade, é um parâmetro de solidez e alavancagem financeira das companhias – e de notas de risco de créditos. Ou seja, pode afetar diretamente o custo do dinheiro em tempos em que é o bem mais escasso e caro.
Feita a confusão, a Exame IN foi ouvir um dos papas da contabilidade no Brasil, Eliseu Martins, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). O conselho número 1 de quem já viveu todas as maxi e mini crises brasileiras é: “calma”.
“A melhor coisa que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fez foi organizar com o governo a Medida Provisória que adiou os balanços do primeiro trimestre para julho”, afirmou. Na opinião do professor, a expectativa é que até lá haja mais visibilidade de todo o cenário. Então, não é necessário sair correndo agora para saber o que lançar.
Ainda não está claro nem o tamanho e nem a duração da crise. Nesse sentido, para Martins, por enquanto, há clareza apenas que, de maneiras diversas, duas linhas dos ativos podem sofrer no curto prazo: recebíveis e estoques.
“Será muito importante reavaliar a capacidade de pagamento da cadeia de cada uma das companhias para ver se os recebíveis serão mesmo convertidos em recursos. Essa é uma linha com maior sensibilidade para este momento”.
Já nos estoques, os mais suscetíveis são os perecíveis, em especial, aqueles sem escoamento. “Por exemplo, o que está acontecendo com os produtores de flores em Holambra [interior de São Paulo]. É preciso ver o que pode ser perdido porque estraga. E o que não estraga, precisa conferir se valerá a mesma coisa.”
Mas sobre os ativos fixos, ou seja, máquinas e equipamentos e toda estrutura das empresas, e também sobre os ágios fruto de aquisições – itens onde parecem morar as maiores perturbações e dúvidas – Martins volta para o primeiro conselho, a calma. Na avaliação dele, ainda não é possível dizer se a crise vai afetar os negócios – ou todos eles – ao ponto de retirar valor do ativo fixo, porque é um bem de uso no longo prazo.
Se o longo prazo é o que precisa ser considerado para o ativo fixo, o mesmo vale para os ágios. Quando uma empresa compra outra, a contabilidade permite que parte da diferença entre o valor da aquisição e o valor contábil da adquirida seja lançado como ágio. Caso haja entendimento que essa riqueza não será recuperada, nem com lucros futuros nem por uma eventual revenda, deveria ser deduzido do total.
Porém, para Martins, é preciso evitar juízos apressados da situação, ainda mais nesse momento sem visibilidade e de muita preocupação. Dessa forma, não se cria uma volatilidade adicional aos balanços. Até mesmo porque uma vez feitas as baixas por imparidade, elas não podem depois simplesmente serem anuladas. Ou seja, a baixa é para sempre.
Para ele, é normal que essas dúvidas existam porque o nível de risco subiu muito. Mas é imprescindível cuidado redobrado para que a objetividade não seja abalada pela falta de visibilidade desse momento.
O professor contou que, na sexta-feira da semana passada, na reunião dos participantes do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) estavam praticamente todos presentes, uma assiduidade que há muito não se via. O “impairment” foi, na visão dele, um dos temas mais comentados.
O CPC foi criado pelo Conselho Federal de Contabilidade em 2005, fruto da iniciativa do próprio e de mais diversas associações e organismos ligados ao mercado de capitais, como CVM, Banco Central (BC), Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) e a Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi), entre outros. Assim como inúmeras outras instituições, nunca trabalhou tanto.
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