O último texto da
série de cinco artigos sobre os impactos das novas normas contábeis publicados
do Jornal Valor Econômico, também assinada por advogado, aborda o tema garantia
contratual no contexto do IFRS. O foco do texto está em como os princípios de
julgamento e primazia da essência econômica sobre a forma legal que alteram a
mensuração e o reconhecimento dos elementos das demonstrações contábeis
(ativos, passivos, receitas e despesas) afetam contratos celebrados pelas
empresas que possuem cláusulas relacionadas a esses elementos, que podem ser
alterados por diferentes julgamentos.
Segue
o texto para leitura! Meus comentários seguem entre colchetes e alguns
destaques em negrito.
Garantia
contratual no contexto do IFRS
Texto
de Edison Carlos Fernandes (Doutor em Direito - PUC-SP) e, pelo visto,
estudioso de questões contábeis - Valor Econômico - 02/12/2011
Em abril de
2009, o juiz da 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro determinou, em sede de
liminar, a penhora dos dividendos da
Petrobras, em razão de ação judicial contra a companhia. Conquanto essa decisão
tenha sido revertida dois dias depois pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da
2ª região, a interferência judicial,
ainda que a título precário, indica a possibilidade de discussão quanto à
garantia contratual ser efetivada por meio de registro contábil. Fosse reconhecida provisão decorrente dessa
ação no balanço, talvez a companhia não gerasse lucro a ser distribuído.
A adoção do IFRS
como padrão contábil brasileiro realçou a questão das garantias contratuais,
notadamente aquelas com suporte nas demonstrações financeiras. As normas
contábeis atuais são baseadas no julgamento e na primazia da substância sobre a
forma - que, de tão intrínseca à contabilidade, deve ter a sua referência
expressa excluída do texto normativo, conforme consulta pública do
International Accounting Standards Board (IASB), o órgão emissor dos IFRS. A
aplicação desses dois “princípios” exerce influência decisiva, por exemplo, na
identificação de bens a serem arrolados em garantia e no cumprimento das
cláusulas de garantia (covenants).
Por força da
primazia da substância sobre a forma, um bem deve ser reconhecido nas
demonstrações financeiras da empresa que aufere os seus benefícios, de um lado,
e de outro, assume seus riscos e controles (artigo 179, IV da Lei nº 6.404, de
1976 - LSA), sendo irrelevante a
transferência jurídica da propriedade. Caso típico é o arrendamento
mercantil financeiro (leasing): na forma, trata-se de um contrato de aluguel
com opção de compra, mas, na essência, representa uma compra financiada. Dessa
forma, um ativo não mais pode ser identificado, exclusivamente, como o bem de
propriedade da empresa, pois isso não é mais o critério primordial para a
classificação contábil.
O IFRS provocou uma mudança estrutural na cultura
empresarial brasileira [Não estou certa de provocou
completamente, mas que está em andamento essa mudança cultural... Pois não se
muda uma cultura de uma hora para outra, com a adoção de um conjunto de normas]
Considerando que
a empresa reconhece como seu ativo um bem que, juridicamente, é de propriedade
de outrem, surge o questionamento sobre a possibilidade de esse bem ser dado em
garantia nos contratos celebrados pela empresa arrendatária. Ou, de outra
parte, questiona-se se seria permitida a concessão de garantia sobre o “direito
de uso”, objeto do contrato de arrendamento mercantil financeiro. Dependendo de
como são resolvidas essas questões, o credor não poderá, de maneira absoluta e
induvidosa, utilizar as demonstrações contábeis do devedor para a pesquisa de
bens que possam garantir o cumprimento do contrato.
Além disso, é
comum que cláusulas de garantia (convenants) prevejam a liquidação antecipada
do contrato no caso de descumprimento de algumas condições. Diversas são as
naturezas dessas condições, sendo, algumas delas, baseadas em informações
contábeis. Tais disposições contratuais podem exigir, dentre várias situações,
que o devedor não assuma risco financeiro (por exemplo, endividamento) acima de
um determinado limite do seu patrimônio líquido (capital social, reservas e
lucros) ou de suas disponibilidades (caixa, aplicação financeira etc.) ou,
ainda, que apresente uma estimada margem de lucro (lucro bruto ou EBITDA).
Em decorrência
de o registro contábil ser fundamentado em julgamento da administração [Que devem ser
fundamentos de forma objetiva, mas continuam imbuídos de grande subjetividade],
a maioria das exigências previstas nas
cláusulas de garantia é diretamente influenciada pela percepção que os gestores
têm dos eventos e das operações financeiras que deverão ser informados na
contabilidade. Veja-se, por exemplo, o caso do ajuste a valor presente, de forma
particular, do passivo (dívidas) ou da emissão de títulos híbridos (como, por
exemplo, debêntures perpétuas). Em ambos os casos, pode acontecer de o registro
contábil reduzir a dívida perante terceiros e aumentar o valor do patrimônio
líquido, alterando, significativamente, o índice de endividamento da empresa -
e, dessa forma, assegurando o cumprimento de certos convenants.
No contexto do IFRS, também marcado pela busca da
transparência, deve ser permitida a discussão sobre os critérios contábeis
adotados pelas empresas a todos os seus usuários (stakeholders). Nesse sentido,
deve ser repensado o dispositivo que impede, a qualquer autoridade, ordenar
diligência para verificar o cumprimento das normas contábeis por uma
determinada empresa (artigo 1.190 do Código Civil). O saudoso Miguel Reale
escreveu que a lei pode ser alterada sem
que se mexa em uma vírgula do seu texto, isso porque há mudança da cultura [Ou pelo menos se propõe! Se a
cultura já tivesse mudado efetivamente, não encontraríamos tantas dificuldades
e resistências de algumas entidades em aceitar o full IFRS]: a adoção do
IFRS provocou uma mudança estrutural na cultura empresarial brasileira.
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