O
quarto texto da série de cinco artigos sobre os impactos das novas normas
contábeis publicados do Jornal Valor Econômico, também assinada por advogado,
no caso advogada, aborda a questão das licitações públicas e das normas
contábeis, no tocante às alterações provocadas em indicadores
econômico-financeiros provocadas pelas normas novas, dada a subjetividade
presente nas mesmas.
Um
lema do Programa de Mestrado em Ciências Contábeis da FACC/UFRJ, onde tive o
prazer de estudar é “Porque não é só uma questão de números...” Talvez a
qualificação econômico-financeira das empresas participantes de licitações
públicas possa ser definida com base em critérios adicionais, que vão além de
números.
Segue
o texto para leitura! Meus comentários seguem entre colchetes.
Licitações
públicas e as normas contábeis
Texto
de Mariana Campos de Souza (advogada e, eu suponho, estudiosa de questões
contábeis) - Valor Econômico - 01/12/2011
Desde sua
publicação, em 1993, a Lei nº 8.666, que institui normas para licitações e
contratos da administração pública, tem sofrido várias alterações com vistas a
adaptá-la aos tempos modernos. Em 2007, o Poder Executivo encaminhou à Câmara
dos Deputados projeto de lei - identificado como PL nº 7.709, de 2007,
atualmente tramitando no Senado Federal como PLC nº 32, de 2007 - propondo
mudanças significativas nas licitações públicas, dentre outras dezenas de
projetos que também tramitam no Congresso Nacional. Seria oportuno, então, no
curso dessa tramitação legislativa, discutir a adaptação das licitações
públicas às normas contábeis baseadas nos IFRS, dados os reflexos por elas
gerados, principalmente, em relação às exigências de qualificação das empresas licitantes.
Em licitações
públicas, a lei admite a Administração Pública de exigir das empresas
licitantes, para fins de comprovação da sua saúde financeira - a chamada
qualificação econômico-financeira -, basicamente, patrimônio líquido ou capital
social mínimo, bem como índices contábeis, sendo os mais comumente adotados:
índice máximo de endividamento e índices mínimos de solvência geral, de
liquidez geral e de liquidez corrente (vedada a exigência de valores mínimos de
faturamento, índices de rentabilidade ou lucratividade). Tais índices são
calculados com base nas informações contábeis, apresentadas pelas empresas
licitantes nos seus envelopes de habilitação e elaboradas de acordo com os
IFRS.
Nas licitações
internacionais, por um lado, a adoção dos IFRS pelas empresas brasileiras faz
com que suas demonstrações financeiras sejam elaboradas conforme os mesmos
padrões, regras e critérios aplicáveis às demonstrações financeiras das
empresas estrangeiras. Isso traz maior grau de comparabilidade entre as demonstrações,
facilitando a tarefa de análise da qualificação econômico-financeira de cada
uma das licitantes pelo órgão ou pela entidade pública responsável pela
licitação pública.
É difícil atestar se o patrimônio exigido foi
atingido pela licitante
De outro lado,
porém, considerando que o princípio
basilar dos IFRS é a substância sobre a forma, ganhando relevância a
subjetividade quando dos registros contábeis, tem-se que um mesmo evento ou
operação pode ser contabilizado por duas empresas de forma diversa, vez que
cada uma delas pode levar em conta fatores particulares distintos para
interpretar tal evento ou operação.
Na prática,
torna-se difícil atestar se índices e/ou patrimônio líquido exigidos foram
atingidos pelas licitantes. Consequentemente, determinados índices contábeis e
patrimônio líquido podem ser atingidos por uma empresa e não ser atingidos por
outra, gerando a inabilitação desta última tão-somente em razão da diferença de
interpretação dos seus eventos e operações e do julgamento da gestão sobre
eles. Nota-se, portanto, que, a partir da adoção dos IFRS, as ferramentas à
disposição da administração pública podem não ser suficientes para que ela
ateste a efetiva capacidade financeira das licitantes.
Essa discussão é
relevante, principalmente, nos dias de hoje, em que se verificam licitações que
têm como objeto a contratação de grandes projetos nas mais diversas áreas de
infraestrutura, que demandam altos investimentos e gerenciamento de grande
monta de recursos financeiros. Nessas situações, se os indicadores econômicos
previstos na Lei nº 8.666, de 2003, passam a não ser mais suficientes para
demonstrar, efetivamente, a capacidade financeira das empresas licitantes, é
premente a necessidade de que sejam discutidos novos elementos para auxiliar
essa aferição.
Enquanto a
reforma da legislação atual não enfrenta a questão dos IFRS, poder-se-ia
cogitar, por exemplo, a utilização de uma “contabilidade paralela” [Mais uma? Já
temos contabilidade demais! Isso também pode ter subjetividade, seria definido
em lei?], adotada por cada órgão
ou entidade pública, quando da análise da qualificação econômico-financeira das
licitantes, tal como o faz algumas agências reguladoras, que instituíram a “contabilidade
regulatória”, muito embora tal solução seja de difícil implementação [Seria criar o
GAAP – conjunto de normas e princípios contábeis – emitidos pela administração
pública aplicável às empresas privadas que participam de licitações públicas?
Acredito que seria mais viável que os editais de licitação sejam preparados de
tal forma que reflitam o contexto das empresas que adotam normas IFRS,
solicitando esclarecimentos adicionais em pontos que podem gerar mais de uma
interpretação. Além disso, as notas explicativas que acompanham as demonstrações
contábeis se propõem a auxiliar os usuários a tomar decisões, com informações
detalhadas nos números reconhecidos nos balanços].
Além disso,
talvez a verificação da verdadeira capacidade financeira não se dê apenas por
índices extraídos da contabilidade das empresas (ou seja, pela qualificação
econômico-financeira)
[Pois é!
Não é difícil manipular, “torturar” números para gerar indicadores de
interesse], mas também pela
qualificação técnica atinente à sua experiência na participação em
empreendimentos de grande porte e/ou na captação de recursos financeiros. Esse
know how pode passar a ter mais importância e ser mais eficaz para atingir os
objetivos da administração pública nas licitações do que os próprios dados
econômico-financeiros obtidos a partir das demonstrações contábeis.
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