Parte III:
Encontra-se
aberta pelo Conselho Federal de Contabilidade a Audiência Pública da minuta da
norma ITG 2004 – Interação da Entidade com o Meio Ambiente.
Sugestões
e comentários devem ser enviados até 10/08/2013
ao Conselho Federal de Contabilidade - endereço eletrônico: ap.nbc@cfc.org.br,
fazendo referência à minuta.
Esse
Blog divulgará nos próximos posts contribuições e comentários elaborados pelo
colega Paulo Homero Júnior, do PPGCC FEA/USP.
Contamos
com seus comentários!
O texto a seguir é a continuação dos comentários do Paulo Homero Júnior sobre a minuta proposta e ainda em discussão:
DOS RISCOS EM SE APROVAR A ITG 2004 COM
O ENTENDIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONSTRUTIVA APRESENTADO NA MINUTA
O
que me leva a dedicar tamanho esforço nesta argumentação é o risco que percebo
de que esta norma, se aprovada em sua atual versão, venha a ter efeitos opostos
aos que pretende obter.
Durante
o III CSEAR, inúmeras foram as falas de participantes criticando a postura de empresas
que declaram possuir responsabilidade ambiental, mas que de fato não a têm.
Trata-se de fenômeno que em inglês já possui até nome específico: greenwashing.
MAHONEY et al. (2013) apresentam uma
revisão da literatura a respeito, mostrando que esta inquietação atinge grande número de acadêmicos. Ao discutir um
exemplo, acredito que eu possa deixar mais claras minhas preocupações.
Exemplo: A Cia. ABC
declara na seção de sustentabilidade de seu sítio eletrônico que tem como meta
neutralizar suas emissões de Gases de Efeito Estufa. Durante o ano de 20X0, a companhia
atingiu 30% desta meta. A companhia não tem intenção de compensar as emissões
dos 70% restantes, e tampouco espera que isso venha a lhe causar qualquer tipo
de problemas junto a seus clientes, fornecedores e a sociedade em geral.
Se
aprovado, o item 19 da ITG 2004 obrigaria o contador da Cia. ABC a registrar,
ao final de 20X0, um passivo pela obrigação construtiva de neutralizar os 70%
restantes das emissões de GEE. Mas quais seriam as implicações disso?
Talvez
as empresas passassem a pensar duas vezes antes de fazer tais declarações. Isto
poderia reduzir a discrepância que se percebe entre os discursos e as práticas
das empresas, o que não deixa de ser algo bom.
Outra
possibilidade é que as empresas e contadores simplesmente ignorem a norma, o
que não seria algo surpreendente. Como comentei em nota anteriormente, não é por falta de legislação adequada que temos problemas ambientais
no Brasil. E na contabilidade também, não se pode dizer que seja por falta de
normas contábeis adequadas que as demonstrações contábeis elaboradas pelas
empresas brasileiras de um modo geral sejam tão mal feitas.
Mas
o que eu realmente temo, e penso que possa ser uma consequência da ITG 2004 se aprovada
como está sendo proposta, é que as empresas contabilizem “obrigações
construtivas” com base em suas declarações, e continuem não fazendo nada.
No
exemplo que apresento, a Cia. ABC poderia muito bem registrar este passivo e
seguir atuando exatamente da mesma maneira. Se ela for uma companhia grande, e
estes valores não forem materiais em suas demonstrações, ela poderá escolher
quais declarações deseja fazer, contabilizar os efeitos destas declarações e
seguir adiante sem mudar sua postura, tendo apenas um custo extra em sua
estratégia de marketing.
Para
o contador da Cia. ABC, a ITG 2004 ensejaria também uma postura bastante confortável.
Num primeiro momento ele teria apenas que avisar a administração da companhia: “olha,
agora tomem um pouco mais de cuidado com o que vocês vão dizer, que eu vou
precisar registrar isso”. Mas depois, bastaria ele ficar atento ao que a empresa diz e ir contabilizando os efeitos
destas declarações, sem ter que se preocupar se elas são efetivas.
Mas
quem se sentiria mais confortável com a ITG 2004 acredito que seriam os
auditores. Teriam justificativa para vender mais horas de serviço, e no fim das
contas lhes bastaria mandar algum
pica-pau buscar no Google as declarações da empresa e sair tickando o que está registrado ou não, também sem precisar se
comprometer em avaliar se tais declarações representam adequadamente a postura
da empresa.
Por
fim, os usuários das demonstrações contábeis poderiam ficar bastante
satisfeitos em constatar como as companhias são responsáveis. Talvez estas
demonstrações passassem a ser elogiadas, citadas como exemplo nas salas de
aula, em palestras, congressos, etc. Sem que representassem, de fato, qualquer
mudança de comportamento por parte das empresas.
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