Para que servem os analistas?
Por Tiago Lethbridge
Revista EXAME (27.11.2008)
Parece que foi num passado distante, mas há apenas seis meses uma espécie de euforia coletiva tomou conta do mercado acionário brasileiro. Para a premiada equipe de análise do banco de investimento UBS Pactual, as ações de empresas brasileiras eram uma pechincha em maio de 2008. As razões para tanto otimismo eram de uma clareza científica. As economias de países emergentes, como se sabia, descolavam-se do desempenho dos países ricos. O Brasil havia acabado de receber o tão sonhado selo de país com grau de investimento, e o investidor estrangeiro invadiria a bolsa local na nova fase. A expansão do crédito garantia dinheiro a todos, dos compradores de carros àqueles que financiavam seu primeiro apartamento. O futuro, portanto, sorria para a bolsa brasileira. O UBS Pactual, então, cravou sua previsão para o fim do ano. O Índice Bovespa, que reúne as principais empresas do país e estava em seu recorde histórico, de 70 000 pontos, chegaria a 85 000 pontos até o fim de dezembro.
Entre as dez empresas que se destacariam no período estavam as varejistas Lojas Americanas e B2W, bancos e companhias do setor imobiliário. Por alguns dias, a coisa pareceu fazer um baita sentido. A bolsa brasileira continuou subindo até meados de maio - quando começou a descer a ladeira e não parou mais. Quem acreditou no sonho do "Ibovespa 85 000" perdeu dinheiro de gente grande. Das ações recomendadas, todas caíram até o fim de novembro. A que caiu menos despencou 50%. A pior, a construtora Rossi, perdeu mais de 80% do valor de mercado desde então. E o Índice Bovespa rastejava em 34 000 pontos no dia do fechamento desta edição. A projeção se provou errada da premissa à conclusão.
Esse, infelizmente, é apenas um exemplo do circo de horrores que vem sendo o trabalho dos analistas do mercado financeiro em 2008. Seguir recomendações de oráculos das finanças tem sido um péssimo negócio. Não importa se essas avaliações vêm de economistas agraciados com o prêmio Nobel, magos das planilhas ou investidores bilionários. A crise financeira global varreu do mundo trilhões de dólares em investimentos e levou junto a reputação de analistas econômicos de toda espécie. O macho alfa da turma, o apresentador de TV americano Jim Cramer, destacou-se nos últimos meses por sua capacidade de errar bisonhamente. Em outubro, quando o índice Dow Jones ficou abaixo de 10 000 pontos, Cramer berrou: "Peguem todo o seu dinheiro e comprem ações! Agora!". No dia seguinte, o índice caiu outros 500 pontos - no final de novembro, beirava os 8 000 pontos, queda de 20% em relação ao fundo do poço identificado por Cramer. Por onde se olhe, pipocam exemplos de trapalhadas de calibre semelhante feitas por iluminados que deveriam entender do que estavam dizendo. O analista Arjun Murti, do Goldman Sachs, virou celebridade ao prever, em 2005, que o barril de petróleo atingiria 100 dólares. Pois em maio o "Sr. Petróleo", como é (ou era) chamado, olhou em sua bola de cristal e viu o futuro - o barril subiria para entre 150 e 200 dólares no curto prazo. Hoje, compra-se um barril abarrotado de petróleo por 50 dólares ou menos. A verdade é que os mais bem pagos analistas do mundo estão, essencialmente, tão perdidos em meio à crise quanto qualquer um de nós.
O futuro atrapalhou
No Brasil, porém, ninguém errou tão feio - e com conseqüências tão dramáticas para milhões de pessoas - quanto os "especialistas" em ações. Esses profissionais estudam uma empresa, avaliam suas perspectivas futuras e dizem se os investidores devem comprar suas ações ou vendê-las, estipulando um preço-alvo para os próximos 12 meses. Nos últimos anos, os analistas brasileiros foram de um otimismo contagiante. Segundo um levantamento da agência Bloomberg, 55% dos mais de 7 000 relatórios disponíveis no mercado no início do ano recomendavam a compra de ações de empresas brasileiras. E míseros 3,8%, a venda. Os outros 41% recomendavam a misteriosa "manutenção" (mais sobre ela depois). Nos meses seguintes, a Bovespa e suas principais ações atingiriam seu pico histórico. Acertar o momento em que o mercado atinge o ápice é praticamente impossível. Mas, com as nuvens negras se aproximando da maior economia do mundo, não seria prudente orientar os investidores a embolsar o lucro dos anos anteriores? A proporção de recomendações de compra, porém, manteve-se inalterada durante o ano todo. E quem comprou ações em 2008 perdeu, e muito. Empresas como Vale, Petrobras e Gerdau perderam cerca de 50% de seu valor de mercado no ano. Mas essa é a parte amena da história. Ações de companhias como Agrenco, Tenda e Inpar, recomendadas pelos analistas no início do ano, desvalorizaram- se mais de 90%. Em alguns casos, a diferença entre o preço-alvo estipulado pelo analista e a cotação em novembro ultrapassou os 500%. Parece uma oportunidade de ouro. Mas, na verdade, números dessa magnitude indicam um micaço que havia sido vendido como barbada.
Nos últimos quatro anos, os investidores brasileiros foram apresentados a um fenômeno muito conhecido em mercados financeiros mais maduros - o excesso de otimismo dos analistas de ações. Como se vê pelos números do parágrafo anterior, é praticamente impossível encontrar recomendações de venda em relatórios. E a razão para isso é uma mistura potencialmente explosiva de conflitos de interesses que envolve o trabalho desses profissionais. Para que servem os analistas? Eles são funcionários de bancos e corretoras, pagos para orientar clientes a investir (alguns são muito bem pagos. Analistas seniores podem ganhar até 2 milhões de dólares num bom ano). Cada analista pode cobrir mais de 15 empresas. O problema é que, como os relatórios são distribuídos de graça aos clientes, a análise de ações não gera um tostão de receita para os bancos. Os empregadores podem, então, ganhar de duas formas com o trabalho dos analistas. A primeira é gerando negócios diários para suas corretoras, o que começa a explicar a mania de recomendar a compra de ações de maneira frenética. É na segunda forma, porém, que as coisas começam a se complicar um pouco mais. Uma das maiores fontes de receitas de bancos é a assessoria a empresas em processos de abertura de capital, emissões de dívida ou fusões e aquisições. E essas empresas são cobertas pelos analistas. "Bancos querem fazer negócios com empresas de capital aberto", diz Ricardo Rochman, professor da Fundação Getulio Vargas e um dos poucos pesquisadores brasileiros que estudam o desempenho de analistas. "Fazer uma cobertura favorável dessas empresas é um passo essencial para conseguir isso."
A influência desse conflito na qualidade das recomendações dos analistas foi estudada a fundo nos Estados Unidos - e o resultado não é nada bom. Um estudo de Harvard com 50 000 relatórios mostra que os bancos são muito mais otimistas com empresas que usam seus serviços com freqüência. Durante ondas de aberturas de capital, quando bancos lucram alucinadamente levando empresas à bolsa, esse viés atinge seu patamar máximo. Uma pesquisa da Universidade Cornell aponta que os bancos que coordenaram o IPO de uma empresa são péssimos na hora de avaliar o desempenho futuro da ação. Eles sempre erram para cima. De acordo com o estudo, o nível de erro dos analistas desses bancos chega a 50% em comparação às projeções de outras instituições. Há duas razões possíveis para isso. Segundo uma teoria, os bancos mais otimistas ganham os mandatos de abertura de capital, já que eles prometem aos empresários que irão à bolsa um valor maior que o oferecido pelos concorrentes. A outra tese é mais maldosa - os banqueiros simplesmente prometeriam ao cliente uma cobertura favorável para ganhar o mandato. Há muito a perder num caso de "excesso de independência" . O Merrill Lynch estava na disputa pelo mandato da petrolífera OGX, de Eike Batista. Mas Frank McGann, analista de energia do banco, não concordou com o preço estipulado por seus colegas. Os banqueiros temeram que ele recomendasse a venda das ações assim que iniciasse a cobertura e desistiram do negócio. O Merrill Lynch deixou de ganhar 40 milhões de dólares. "Você tem de aplaudir quando isso acontece", diz André Gordon, fundador da GT Investimentos.
Conselho de inimigo
A onda de IPOs brasileiros está repleta de casos que levantam dúvidas sobre o trabalho dos bancos de investimento (veja quadro acima). Todos eles foram vendidos pelos analistas com perspectivas de ganhos enormes, mas se provaram um mau investimento. Das 115 empresas que foram à bolsa desde 2004, 99 valem hoje menos do que valiam no dia do IPO. "Houve análises indecentes nesse período", diz Aquico Wen, diretor do fundo americano Legg Mason. O incidente mais polêmico envolveu a companhia do agronegócio Agrenco. O Credit Suisse, banco que levou a empresa à bolsa, recomendava em maio a compra das ações da Agrenco, indicando preço-alvo de 19 reais. Enquanto isso, a instituição se desfazia de ações da empresa. Pouco depois da divulgação do relatório, os donos da Agrenco foram presos e as ações caíram até chegar a 22 centavos em novembro. Mais uma vez, a relação dos bancos com as empresas de Eike Batista fornece dados interessantes. Na abertura de capital de suas três empresas (MMX, OGX e MPX), Eike pagou aos bancos quase 400 milhões de reais em comissões. Até hoje, a cobertura de suas empresas é amplamente otimista entre os bancos que ganharam esse dinheiro todo - isso apesar da queda superior a 80% das ações de todas elas no ano. Apenas o Itaú rebaixou a recomendação de MPX e OGX para neutro. Os outros bancos mantêm sua fé no toque de midas de Eike Batista, mesmo que a diferença entre os preços-alvo e a realidade continue aumentando. "Os analistas conhecem a verdade", diz Lucy Souza, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) de São Paulo. "Mas, para proteger seus empregos, não diziam o que achavam e acabavam esticando os preços."
O que torna esses conflitos mais perigosos é o fato de que o pequeno investidor não está atento à sua existência. Segundo uma pesquisa feita nos Estados Unidos, 87% dos investidores institucionais vêem um viés excessivamente otimista no trabalho dos analistas - e conseguem dar o desconto necessário na hora de seguir ou não suas recomendações. De acordo com um estudo da Universidade da Califórnia, em Berkeley, grandes fundos compram moderadamente após recomendações de "forte compra", mas não seguem recomendações de compra. Já os pequenos investidores reagem imediatamente a todas as recomendações. Um dos motivos para isso, segundo os pesquisadores, é um problema de comunicação. Relatórios são escritos num código específico, feito para ser entendido por seu público-alvo, os grandes investidores. Com o passar dos anos, ficou combinado entre eles que uma recomendação de manutenção é uma forma educada de dizer: "Venda esta ação". Dessa maneira, o analista evita enraivecer a administração da empresa que cobre, o que poderia atrapalhar seu trabalho de coleta de informações e, também, os possíveis negócios do banco com a empresa. Quase 80% dos gestores de fundos americanos entendem dessa maneira. Já os pequenos entendem o "manter" como, bem, manter mesmo - ou seja, quem não tem a ação não deve comprar; e quem tem não deve vender. Analistas comemoram quando rebaixam uma ação para "manter" e o papel cai 50% em alguns meses. Pequenos investidores não conseguem entender de onde veio a pancada. "O trabalho deles não é feito para gente ingênua", diz o professor Ravi Jagannathan, especialista em finanças da Universidade Kellogg.
Os pré-analistas
No Brasil, os principais clientes dos bancos e das corretoras são os fundos estrangeiros, que não contam com equipes dedicadas à análise de ações brasileiras e, muitas vezes, têm perfil de investimentos de curto prazo. "Eles são úteis para captarmos a percepção do mercado", diz o diretor de um fundo estrangeiro no Brasil. "Leio todos os relatórios e converso diariamente com meus analistas favoritos, mas depois eu mesmo decido o que fazer com o dinheiro, sem prestar muita atenção no preço-alvo." Se têm um grande mercado nos gestores de hedge funds, por exemplo, os analistas encontram desprezo absoluto de investidores que pensam no longo prazo. O mais famoso deles é Warren Buffett, o homem mais rico do mundo, que ignora a fábrica de projeções que é o mercado financeiro. Buffett cunhou a famosa frase "Wall Street ganha dinheiro com a atividade. Você ganha dinheiro com a inatividade" . Ou seja, investindo e esquecendo que os analistas existem. E a outra: "Wall Street é o único lugar para onde as pessoas vão de Rolls-Royce pedir conselhos a quem pega metrô".
O desempenho dos analistas brasileiros chamou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A autarquia pretende endurecer a regulação sobre o trabalho deles. "Detectamos um problema de falta de independência e qualidade", diz Carlos Alberto Rebello, superintendente da CVM. Alguns bancos já começaram a modificar seus departamentos de análise. O Itaú, por exemplo, instituiu que o número mínimo de recomendações de venda tem de ficar entre 20% e 30% do total. Antes, o número não chegava a 8%. Goldman Sachs e Merrill Lynch adotaram política semelhante recentemente. "Se nossa função é servir ao investidor, isso tinha de mudar", diz Ricardo Araújo, diretor de análise da Itaú Corretora. Depurações são comuns após momentos de excessos. Depois da explosão da bolha da internet, os departamentos de análise dos bancos de investimento passaram por uma transformação muito mais dramática. Durante a bolha, as análises feitas pelos bancos eram tão escandalosamente favoráveis às empresas clientes que os analistas se tornaram alvo de uma investigação liderada pelo então procurador Elliot Spitzer (que depois se tornou governador e se viu envolvido em escândalos de outra natureza). Foram encontrados e-mails internos em que analistas desmentiam as próprias análises. Os maiores bancos em operação nos Estados Unidos foram forçados a pagar uma multa de 1,4 bilhão de dólares em razão de suas análises distorcidas e tiveram de criar sistemas de controle para tentar evitar que o trabalho dos banqueiros de investimento contaminasse as projeções.
Em defesa dos analistas, é preciso dizer que eles não são o primeiro elo da cadeia de previsões econômicas que levou os investidores a afundar em 2008. Em seus cálculos para chegar ao que consideram o valor adequado de uma ação, dados como projeções de taxas de juro nos próximos anos, câmbio e crescimento econômico são de importância fundamental. "Antes de me criticar, você deveria perguntar ao departamento de macroeconomia do banco por que eles erraram do jeito que erraram", diz o diretor de análise de um dos maiores bancos de investimento do país. Em janeiro, as instituições consultadas pelo boletim Focus do Banco Central previam o dólar a 1,80 real no fim do ano. No fim de novembro, a moeda americana oscilava entre 2,30 e 2,40 reais - diferença suficiente para bagunçar qualquer projeção.
O samba do analista doido de 2008 serviu para mostrar a fragilidade dos modelos de previsão do futuro usados por economistas, analistas, grafistas e o resto da patota. Futurólogos do passado usaram diversos equipamentos para prever o que vinha por aí. Nostradamus dizia ver o futuro numa bacia de água. Os antigos usavam as entranhas de animais mortos para pressentir o que se avizinhava. Não há dúvida de que os modelos econômicos são muito mais complexos que 1 litro e meio de água do poço. O problema é que, por mais sofisticados que sejam, esses modelos não conseguem antever as mudanças que as decisões de bilhões de pessoas podem causar ao ambiente econômico. "Nós nunca teremos um modelo de risco perfeito", escreveu recentemente o ex-presidente do banco central americano Alan Greenspan, explicando por que foi tão difícil prever o tamanho da atual crise financeira. "Infelizmente, a economia é uma ciência social, embora os economistas finjam que não é", diz Jim ONeill, economista-chefe do Goldman Sachs, criador do termo Bric e futurólogo incorrigível. "Nós gostamos de achar que sabemos mais que os outros, mas esse claramente não é o caso."
Um dos problemas clássicos das previsões econômicas é a tendência de tratar o futuro como uma continuação das atuais regras do jogo. Assim, é praticamente impossível para um analista recomendar a venda de uma ação que só sobe há quatro anos. Durante a bolha da internet, os mais deslumbrados com a exuberância irracional achavam que a bolsa continuaria subindo indefinidamente - o livro Dow 36 000 foi um marco nesse aspecto. As previsões do Clube de Roma, grupo de cabeças notáveis que se reuniram no fim da década de 60 para discutir o futuro, são um exemplo desse tique. Na época, o consumo de matérias-primas vinha crescendo mais rapidamente que a oferta. Os notáveis concluíram que o fenômeno se perpetuaria, causando fome, pânico e crise em escala global. De certa maneira, ecoaram as previsões do pensador inglês Thomas Malthus. Segundo Malthus, a população mundial cresceria em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos evoluiria em progressão aritmética. Claro, sabe-se que não foi o que aconteceu. Os futorólogos do Clube de Roma (e muito menos Malthus) não anteviram a revolução alimentar da segunda metade do século 20 porque era simplesmente impossível. Isso porque fenômenos transformadores são quase sempre imprevisíveis. Não há entranha animal que faça mágica. Finalmente, economistas têm um forte incentivo a se manter dentro do consenso do mercado, principalmente em momentos menos voláteis. Analistas de ações, inclusive, manipulam o modelo financeiro para fazer sua projeção caber dentro da média estipulada por seus concorrentes. "Quem erra sozinho fica estigmatizado e corre o risco de perder o emprego", diz o analista de mineração de um banco estrangeiro. Parafraseando o economista inglês John Maynard Keynes, pode-se dizer que é melhor estar meio errado do que arriscar estar totalmente certo.
Claro, essa tendência universal de se esconder no meio da manada faz com que economistas do contra ganhem imensa popularidade durante uma crise que ninguém previu (ou quis prever). O popstar econômico da vez é Nouriel Roubini, o "Sr. Catástrofe", que teve a fama catapultada por ter previsto que a bolha imobiliária americana se transformaria numa crise sistêmica. Não é a primeira vez que isso acontece. Em 1928, Charles Merrill, fundador do Merrill Lynch, enviou uma carta a seus investidores em que recomendava vender ações e pagar suas dívidas. Merrill viu que o mercado iria virar. Em 1987, a economista Elaine Garzarelli, do Lehman Brothers, anunciou o iminente colapso da bolsa. Acertou em cheio e virou celebridade. O problema para esses gurus da catástrofe é que suas novas previsões são colocadas no microscópio - e, claro, eles erram com freqüência desconcertante. A Elaine Garzarelli pós-1987 é um caso simbólico. O estudo de suas projeções mostrou uma absoluta incapacidade de prever para onde o mercado iria. Suas previsões estavam certas apenas 38% das vezes. Acabou demitida em 1994. Se cuida, Roubini.
"O mercado enfrentará um período de muita volatilidade. Quando a confiança voltar, os investidores respirarão e voltarão às compras, de olho nas pechinchas. O risco, porém, é que uma recessão longa demais atrapalhe os resultados das empresas, pressionando as ações no médio prazo." Previsões como essa são tão comuns e ineficazes quanto prognósticos sobre a próxima rodada do Campeonato Brasileiro. Isso porque ignoram a palavrinha mais importante de todas - "quando". Nostradamus era um mestre na matéria. Nenhuma de suas centúrias indica quando se tornará realidade (seria muito dar uma idéia do milênio, ao menos?). O alemão Karl Marx previu que o capitalismo seria inexoravelmente substituído pelo comunismo. Mas não deu data. É por isso que os dons premonitórios de Nouriel Roubini devem ser colocados em seu devido contexto. O economista vem prevendo uma catástrofe americana desde o início da década. Quem acreditou nele há cinco anos e colocou seu dinheiro embaixo do colchão deixou de aproveitar um dos maiores ciclos de alta de que se tem notícia. "Em qualquer momento da história vai ser possível encontrar alguém dizendo que o caos vem aí", diz o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, do Ibmec. E, como a única certeza que se tem é que um ciclo de alta será seguido de um ciclo de baixa e vice-versa, o catastrofista acaba acertando uma hora ou outra.
Se economistas e analistas erram tanto, por que insistimos em ouvir suas previsões e atribuir a elas um caráter científico? (Os jornalistas de EXAME são réus confessos no caso.) Uma história ajuda a ilustrar a resposta.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o economista americano Kenneth Arrow (que ganharia um Nobel em 1972) foi convocado para liderar um grupo de pesquisadores. A missão era prever as condições meteorológicas nos campos de batalha com um mês de antecedência. Os estatísticos do grupo logo perceberam que as previsões não tinham o menor valor - ou seja, não eram diferentes de um chute qualquer. O grupo mandou um relatório a seus superiores informando que não enviaria as inúteis previsões. Veio, então, a resposta. "O comandante-geral sabe que as previsões não são boas. No entanto, ele precisa delas para fins de planejamento. " Tomamos decisões baseadas em previsões o tempo inteiro. Aceito aquela oferta de emprego? Devo ter filhos agora? Faço um financiamento? As empresas dependem de cenários para tomar decisões de investimento, contratações ou aquisições. Governos precisam de previsões para formular políticas. E o mercado financeiro usa expectativas para sua formação de preços. O futuro, portanto, vale muito dinheiro. "Previsões econômicas constituem parte vital do dia-a-dia de empresas e famílias", diz Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco. Diante das incertezas que o futuro apresenta, é preciso avaliar os cenários, assumir o risco e decidir. Ou seja, apesar da crise atual, os economistas vão seguir tentando adivinhar o que vai acontecer. Os analistas continuarão recomendando ações. E empresários, jornalistas e consumidores continuarão levando essas previsões a sério - essa é a única previsão que esta reportagem se arrisca a fazer.