Para contabilistas, crise é substantivo quase desconhecido
Por Marleine Cohen (Jornal Valor) - São Paulo, 29/09/2008 (Página G6)
O profissional de ciências contábeis está sendo caçado a laço pelas empresas. A terceira carreira no ranking nacional das mais procuradas (com 11,2% da oferta de vagas) - precedida apenas por engenharia e administração de empresas (com 22,9% do total) - é contemplada, de acordo com dados da Manager, com a oferta de 2.178 postos de trabalho em pequenas, médias e grandes empresas no primeiro semestre. Em 2006, foram abertas 3269 vagas em ciências contábeis. Em 2007, foram 3439, um aumento de 5,20%. Até o primeiro semestre de 2008, o número foi 40,97% maior que o do primeiro semestre de 2007.
O curso de ciências contábeis é um dos líderes também na oferta de estágios, segundo o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). Em todo o país, a instituição mantém atualmente 5.601 estudantes de nível superior em ciências contábeis em programas de estágio e 232 alunos de nível técnico, havendo 70 outras vagas em aberto.
A demanda por jovens talentos da contabilidade está sendo impulsionada pela equiparação das normas brasileiras para balanços financeiros aos padrões internacionais. A procura é tamanha que nas chamadas big four - as quatro maiores firmas de auditoria do mundo - a contratação de jovens contabilistas acabou sendo antecipada este ano. Cada uma das empresas admitiu, em média, 500 novos trainees. Só na Ernst & Young, uma das maiores auditorias do Brasil, a absorção de recém-formados cresceu 30% em 2008, segundo Sérgio Romani, sócio de auditoria da empresa.
E há boas perspectivas para a carreira, num leque de mais de 30 especializações: investigador de fraudes contábeis, planejador tributário, auditor, consultor, contador internacional, entre outras. Em resumo, a nova fase sinaliza "uma nova profissão, que fala uma língua universal e mantém interlocução com os maiores investidores de qualquer lugar do mundo", de acordo com Antoninho Marmo Trevisan, presidente do conselho da BDO Trevisan.
"É uma reviravolta na contabilidade das empresas, nas próprias corporações e no dia-a-dia dos profissionais de ciências contábeis capazes de conferir à profissão uma projeção e uma valorização jamais vistas", avalia Fernando Henrique Almeida Marangon, diretor da Associação das Empresas de Serviços Contábeis do Estado de São Paulo (Aeson/SP) e sócio da Pena de Ouro Contabilidade e Assessoria Empresarial. Há anos, porém, Fernando Marangon, que também coordena o Núcleo de Jovens Empresários do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo (Sescon/SP), vem identificando uma crônica erosão da mão-de-obra especializada, por conta da expansão da legislação brasileira. "Há tempos, a falta de mão-de-obra especializada é uma preocupação para o setor. A grande complexidade das nossas leis, assim como o crescimento econômico do país, têm esgotado no mercado a figura do profissional de contabilidade especializado", resume.
Ao todo, de acordo com dados fornecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), referentes ao mês de julho, existem no Brasil 208.347 contadores atuando em mais de 67 mil organizações contábeis. Na região Sudeste concentra-se mais de metade desta mão-de-obra: 104.500 profissionais. É também o lugar em que se verifica o maior número de empresas contábeis em funcionamento: mais de 26.500. A região Norte, por sua vez, reúne o menor número de contabilistas, 13.533, e de empresas contábeis - pouco mais de 2.400.
Segundo Geuma Campos do Nascimento, sócia da Trevisan Outsourcing, se já havia oferta reduzida de profissionais de contabilidade no mercado nacional, a introdução do IFRS só veio agravar as coisas e servir de trampolim para o profissional da área. "A carreira de contabilidade está com forte demanda, principalmente depois da aprovação da Lei 11.638, que alterou normas e procedimentos contábeis, exigindo investimentos por parte das escolas e empresas na preparação e atualização de profissionais", explica. "São Paulo é o Estado que mais possui contadores e, mesmo assim, temos uma enorme demanda por profissionais na área. Com isso, podemos vislumbrar um grande mercado em outras localidades, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde a quantidade de contadores chega a ser a metade das outras regiões."
Por um lado, a premência das novas exigências legais; por outro, a falta de mão-de-obra especializada e, mais grave, uma verdadeira corrida ao modus operandi internacional. Afinal, como interpretar o IFRS, avalia Alfried Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), "um calhamaço de quase 2 mil páginas de preceitos contábeis", usado em uma centena de países com o objetivo de uniformizar as demonstrações financeiras? "Trata-se de um trabalho hercúleo."
Em todo o Brasil, a largada já foi dada: em entidades como o Conselho Regional de Contabilistas de São Paulo e o Sescon/SP, multiplicam-se os cursos; na Federação das Indústrias de São Paulo sucedem-se as palestras. Na Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), a ordem é o intercâmbio. "Convidamos preparadores, auditores, contadores, para que cada qual nos dê sua impressão; promovemos seminários com consultores porque somos os usuários de primeira hora deste instrumento", explica Reginaldo Alexandre, vice-presidente da entidade.
No Conselho Federal de Contabilidade, "o objetivo é capacitar", segundo Nelson Mitimaza Jinzenji, vice-presidente técnico. "Ciente de que a maioria dos profissionais de contabilidade regularmente registrados não está preparada para lidar com a nova escrituração contábil, porque a matéria de que trata a lei não está incluída na matriz curricular do curso de formação, o CFC adotou uma série de providências, atuando nas diversas áreas de formação." A entidade promoveu este ano um curso de contabilidade internacional direcionado aos professores de ciências contábeis indicados pelos Conselhos Regionais de Contabilidade de todo o país e estes, por sua vez, assumiram o compromisso de se tornarem disseminadores do conhecimento nos seus respectivos Estados. Também foram feitos seminários tratando dos assuntos abordados pela 11.638/2007 em diversos Estados e houve oferta de treinamento a distancia, através do sistema EAD. "Estudamos, ainda, em parceria com o Ministério da Educação, uma forma de poder influenciar na formulação das matrizes curriculares e opinar sobre os projetos de abertura de novos cursos de ciências contábeis, o que certamente adequará a formação aos novos desafios", diz Jinzenji.
O déficit de mão-de-obra especializada em balanços não é um problema apenas do Brasil. Uma pesquisa sobre escassez de talentos realizada em janeiro último em 32 países e junta a 43 mil empregadores pela empresa Manpower, da área de RH, apontou que os profissionais de ciências contábeis aparecem na lista das dez profissões mais requisitadas em 17 países. No Canadá, a mão-de-obra contábil de alto nível é a quarta mais procurada no mercado; nos EUA, a sexta. Em Hong Kong, aparece em terceiro lugar e na Índia está na quarta posição.
Espelho dessa demanda por especialistas em escrituração contábil de âmbito internacional é o intercâmbio de profissionais da área que poderiam assumir a função de multiplicadores na Ernst & Young do Brasil. A troca de quadros entre os escritórios da empresa, em todo o mundo, aliás, ganhou o nome de Global Exchange Program e, por conta da implantação do IFRS no país, está a todo vapor na filial brasileira, segundo Sergio Romani, sócio da empresa.
"Desenvolvemos um programa em três etapas: fazemos a certificação interna em IFRS dos sócios, gerentes e sêniors; mandamos nossos quadros para países como Canadá, Suíça, França, Inglaterra e Espanha para que trabalhem localmente em projetos de IFRS e sejam treinados no exterior e, por fim, tentamos identificar profissionais brasileiros ou estrangeiros que falem português nos escritórios da Europa para convidá-los a trabalhar no Brasil como multiplicadores internos, fazendo uma réplica, aqui, do que viveram lá fora", explica o auditor.
Inglaterra, Peru e Chile já forneceram talentos à E&Y brasileira. Paralelamente, a partir do último mês de abril, a empresa deu início à especialização de 140 novos profissionais recém-formados ou em formação, submetendo-os a um treinamento de cerca de 60 a 100 horas anuais.
Para o auditor, o setor passará por um período de adaptação até 2010-2011, quando as demonstrações financeiras consolidadas pelo padrão internacional se tornarão obrigatórias no Brasil. "Até lá", avalia Romani, "o ritmo acelerado de contratação de mão-de-obra especializada será constante".
O processo de adequação e de capacitação, segundo o diretor da Abrasca, Alfried Plöger, "não deve poupar nem mesmo o pequeno contador individual que trabalha no interior de Minas Gerais ou do Rio Grande do Sul." Este hiato também deve ser entendido como uma preciosa oportunidade de preparar escolas e alunos para as novas exigências da profissão. "As modificações devem ocorrer igualmente na grade curricular das universidades. Se não houver um programa de formação e treinamento por parte das empresas, associações e universidades, muito em breve o problema vai se agravar e poderá haver falta de profissionais com capacidade técnica e especialização", observa Fernando Marangon, da Aescon/SP.
A mesma aplicação compulsória das normas internacionais de contabilidade que deve valorizar a competência do profissional no Brasil, pode colocá-lo em cheque.
E há boas perspectivas para a carreira, num leque de mais de 30 especializações: investigador de fraudes contábeis, planejador tributário, auditor, consultor, contador internacional, entre outras. Em resumo, a nova fase sinaliza "uma nova profissão, que fala uma língua universal e mantém interlocução com os maiores investidores de qualquer lugar do mundo", de acordo com Antoninho Marmo Trevisan, presidente do conselho da BDO Trevisan.
"É uma reviravolta na contabilidade das empresas, nas próprias corporações e no dia-a-dia dos profissionais de ciências contábeis capazes de conferir à profissão uma projeção e uma valorização jamais vistas", avalia Fernando Henrique Almeida Marangon, diretor da Associação das Empresas de Serviços Contábeis do Estado de São Paulo (Aeson/SP) e sócio da Pena de Ouro Contabilidade e Assessoria Empresarial. Há anos, porém, Fernando Marangon, que também coordena o Núcleo de Jovens Empresários do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo (Sescon/SP), vem identificando uma crônica erosão da mão-de-obra especializada, por conta da expansão da legislação brasileira. "Há tempos, a falta de mão-de-obra especializada é uma preocupação para o setor. A grande complexidade das nossas leis, assim como o crescimento econômico do país, têm esgotado no mercado a figura do profissional de contabilidade especializado", resume.
Ao todo, de acordo com dados fornecidos pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC), referentes ao mês de julho, existem no Brasil 208.347 contadores atuando em mais de 67 mil organizações contábeis. Na região Sudeste concentra-se mais de metade desta mão-de-obra: 104.500 profissionais. É também o lugar em que se verifica o maior número de empresas contábeis em funcionamento: mais de 26.500. A região Norte, por sua vez, reúne o menor número de contabilistas, 13.533, e de empresas contábeis - pouco mais de 2.400.
Segundo Geuma Campos do Nascimento, sócia da Trevisan Outsourcing, se já havia oferta reduzida de profissionais de contabilidade no mercado nacional, a introdução do IFRS só veio agravar as coisas e servir de trampolim para o profissional da área. "A carreira de contabilidade está com forte demanda, principalmente depois da aprovação da Lei 11.638, que alterou normas e procedimentos contábeis, exigindo investimentos por parte das escolas e empresas na preparação e atualização de profissionais", explica. "São Paulo é o Estado que mais possui contadores e, mesmo assim, temos uma enorme demanda por profissionais na área. Com isso, podemos vislumbrar um grande mercado em outras localidades, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, onde a quantidade de contadores chega a ser a metade das outras regiões."
Por um lado, a premência das novas exigências legais; por outro, a falta de mão-de-obra especializada e, mais grave, uma verdadeira corrida ao modus operandi internacional. Afinal, como interpretar o IFRS, avalia Alfried Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), "um calhamaço de quase 2 mil páginas de preceitos contábeis", usado em uma centena de países com o objetivo de uniformizar as demonstrações financeiras? "Trata-se de um trabalho hercúleo."
Em todo o Brasil, a largada já foi dada: em entidades como o Conselho Regional de Contabilistas de São Paulo e o Sescon/SP, multiplicam-se os cursos; na Federação das Indústrias de São Paulo sucedem-se as palestras. Na Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec), a ordem é o intercâmbio. "Convidamos preparadores, auditores, contadores, para que cada qual nos dê sua impressão; promovemos seminários com consultores porque somos os usuários de primeira hora deste instrumento", explica Reginaldo Alexandre, vice-presidente da entidade.
No Conselho Federal de Contabilidade, "o objetivo é capacitar", segundo Nelson Mitimaza Jinzenji, vice-presidente técnico. "Ciente de que a maioria dos profissionais de contabilidade regularmente registrados não está preparada para lidar com a nova escrituração contábil, porque a matéria de que trata a lei não está incluída na matriz curricular do curso de formação, o CFC adotou uma série de providências, atuando nas diversas áreas de formação." A entidade promoveu este ano um curso de contabilidade internacional direcionado aos professores de ciências contábeis indicados pelos Conselhos Regionais de Contabilidade de todo o país e estes, por sua vez, assumiram o compromisso de se tornarem disseminadores do conhecimento nos seus respectivos Estados. Também foram feitos seminários tratando dos assuntos abordados pela 11.638/2007 em diversos Estados e houve oferta de treinamento a distancia, através do sistema EAD. "Estudamos, ainda, em parceria com o Ministério da Educação, uma forma de poder influenciar na formulação das matrizes curriculares e opinar sobre os projetos de abertura de novos cursos de ciências contábeis, o que certamente adequará a formação aos novos desafios", diz Jinzenji.
O déficit de mão-de-obra especializada em balanços não é um problema apenas do Brasil. Uma pesquisa sobre escassez de talentos realizada em janeiro último em 32 países e junta a 43 mil empregadores pela empresa Manpower, da área de RH, apontou que os profissionais de ciências contábeis aparecem na lista das dez profissões mais requisitadas em 17 países. No Canadá, a mão-de-obra contábil de alto nível é a quarta mais procurada no mercado; nos EUA, a sexta. Em Hong Kong, aparece em terceiro lugar e na Índia está na quarta posição.
Espelho dessa demanda por especialistas em escrituração contábil de âmbito internacional é o intercâmbio de profissionais da área que poderiam assumir a função de multiplicadores na Ernst & Young do Brasil. A troca de quadros entre os escritórios da empresa, em todo o mundo, aliás, ganhou o nome de Global Exchange Program e, por conta da implantação do IFRS no país, está a todo vapor na filial brasileira, segundo Sergio Romani, sócio da empresa.
"Desenvolvemos um programa em três etapas: fazemos a certificação interna em IFRS dos sócios, gerentes e sêniors; mandamos nossos quadros para países como Canadá, Suíça, França, Inglaterra e Espanha para que trabalhem localmente em projetos de IFRS e sejam treinados no exterior e, por fim, tentamos identificar profissionais brasileiros ou estrangeiros que falem português nos escritórios da Europa para convidá-los a trabalhar no Brasil como multiplicadores internos, fazendo uma réplica, aqui, do que viveram lá fora", explica o auditor.
Inglaterra, Peru e Chile já forneceram talentos à E&Y brasileira. Paralelamente, a partir do último mês de abril, a empresa deu início à especialização de 140 novos profissionais recém-formados ou em formação, submetendo-os a um treinamento de cerca de 60 a 100 horas anuais.
Para o auditor, o setor passará por um período de adaptação até 2010-2011, quando as demonstrações financeiras consolidadas pelo padrão internacional se tornarão obrigatórias no Brasil. "Até lá", avalia Romani, "o ritmo acelerado de contratação de mão-de-obra especializada será constante".
O processo de adequação e de capacitação, segundo o diretor da Abrasca, Alfried Plöger, "não deve poupar nem mesmo o pequeno contador individual que trabalha no interior de Minas Gerais ou do Rio Grande do Sul." Este hiato também deve ser entendido como uma preciosa oportunidade de preparar escolas e alunos para as novas exigências da profissão. "As modificações devem ocorrer igualmente na grade curricular das universidades. Se não houver um programa de formação e treinamento por parte das empresas, associações e universidades, muito em breve o problema vai se agravar e poderá haver falta de profissionais com capacidade técnica e especialização", observa Fernando Marangon, da Aescon/SP.
A mesma aplicação compulsória das normas internacionais de contabilidade que deve valorizar a competência do profissional no Brasil, pode colocá-lo em cheque.
Maravilhoso esse seu texto, estou pensando em fazer ciencias contabeis e seu texto foi um ioncentivo para mim
ResponderExcluirExcelente trabalho. Acredito no potencial do Contabilista Brasileiro e tenho certeza que daremos conta de toda esta ementária e com certeza acrescetaremos valores voltados a realziadade nacional.
ResponderExcluirExcelente matéria. Estou divulgando-a em sala de aula. Acredito no potencial do Contabilista Brasileiro, estamos organizados para trabalharmos estas mudanças e com certeza nossa colaboração surpreenderá o mundo.
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