Escolas têm desafio de repensar ensino
Por Gleise de Castro (Jornal Valor) - São Paulo, 29/09/2008 (Página G4)
Para adequar-se ao novo mundo dos International Financial Reporting Standards (IFRS), os principais cursos de contabilidade do país estão empenhados em treinar professores e promover mudanças em seus currículos. Em comum, eles já dispõem há alguns anos, em sua grade curricular, de uma ou duas disciplinas sobre contabilidade internacional, que vêm abordando os novos padrões de demonstrações financeiras.
É o caso da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), que há cinco anos mantém em seu curso de graduação duas disciplinas desse tipo: uma básica e obrigatória, com duração de um semestre, onde são discutidos os conceitos econômicos necessários para a contabilidade internacional, com o entendimento dos mercados financeiro, de capitais e futuro, e outra optativa, um semestre depois, sobre tópicos especiais de contabilidade internacional.
"A demanda do mercado por profissionais competentes está absolutamente aquecida, tanto que a primeira disciplina, que tem 65 alunos no curso diurno e 150 em duas turmas no noturno, está sendo freqüentada até por alunos já formados, como ouvintes", diz Nelson Carvalho, professor do curso de contabilidade da FEA/USP e presidente do Conselho Consultivo de Normas do International Accounting Standards Board (IASB), organismo que emite as IFRS, em Londres. "Face à verdadeira revolução decorrente do IFRS será preciso repensar o ensino, uma vez que o balanço deixa de ser uma simples radiografia do passado, ou seja, passa a ser prospectivo."
A FEA agora está procurando redirecionar seu curso de contabilidade. "Os primeiros meses passarão a ser destinados a inculcar na cabeça dos alunos a noção de como se dá o processo de tomada de decisão empresarial para que ele possa, posteriormente, entender como identificar, mensurar e divulgar o evento econômico", diz Carvalho, que também é diretor de pesquisas da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). A mudança completa no currículo, segundo ele, é um processo de longa gestação, que levará de um a três anos.
O Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA conta ainda com um laboratório de pesquisas em contabilidade internacional, destinado a promover apoio a teses de mestrado e doutorado e investigação acadêmica, que também montou um curso de contabilidade internacional no nível de pós-graduação dentro das empresas. Trata-se de um curso fechado de 140 horas-aula (em torno de dois a três semestres) que já atende a 20 empresas de médio e grande portes, incluindo estatais. "O objetivo é treinar os profissionais, com os fundamentos, para que seu trabalho fique facilitado", diz Carvalho.
Já a Fipecafi, órgão de apoio institucional ao Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA, junto com o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), colocou online uma palestra virtual com duas horas de gravação, dos professores Eliseu Martins e Ariovaldo dos Santos, sobre a nova Lei das S.A. e a internacionalização da contabilidade, que tem como público-alvo principalmente contadores de todo o país. No ar desde agosto, já contabiliza mais de 11 mil participantes e cerca de trezentos internautas que entram nos debates promovidos pelo site.
"É importante que se dissemine ao máximo essas mudanças para contadores, empresas e a sociedade em geral. Esse é o objetivo, de divulgá-las de forma democrática e irrestrita, já que a palestra é totalmente gratuita", diz Maria Rosa Trombetta, gerente de e-learning da Fipecafi. Ela observa que os reflexos da Lei 11.638 nos currículos das escolas de contabilidade vão acontecer de forma mais lenta, já que são mudanças mais permanentes e precisam ser amadurecidas, enquanto a iniciativa da Fipecafi visa informar rapidamente os contadores, que vão precisar de muito apoio porque as mudanças da nova lei se refletem já neste exercício.
Por um golpe de sorte, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul adiantou-se e hoje já tem todo seu currículo atualizado de acordo com a nova lei. As mudanças curriculares em seu curso de ciências contábeis levaram cerca de um ano. "Estávamos em plena reestruturação curricular quando surgiu a deliberação da CVM, de julho de 2007, determinando que a partir de 2010 teríamos que converter as demonstrações contábeis das companhias abertas para os padrões internacionais, de forma que reestruturamos o currículo em função disso", explica João Marcos Leão da Rocha, chefe do Departamento de Ciências Contábeis da UFRGS. "Agora, que entrou em vigor a Lei 11.638, todas as nossas disciplinas ligadas a contabilidade societária estão atualizadas."
Segundo Rocha, o treinamento de professores foi rápido, até porque a maioria é constituída de profissionais que atuam no mercado como contadores e auditores, que já conviviam com a nova realidade. Para reforçar o treinamento de professores, a UFRGS promove seminários na própria instituição, incluindo palestras de auditores, contadores corporativos, como o da Gerdau, e profissionais de empresas de auditoria.
Outras escolas, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), recorrem ao curso para professores universitários de todo o país promovido em Brasília pelo Conselho Federal de Contabilidade, que já treinou até agora cerca de 80 pessoas. O objetivo é fazer com que cada um deles multiplique em suas instituições de origem os aspectos internacionais da nova lei. Estima-se que cada um passe a treinar pelo menos mais 40 professores.
Além desse treinamento, o curso de contabilidade da UFRJ introduziu, desde o ano passado, duas matérias no curso de graduação: contabilidade internacional e combinação de negócios. "A idéia é mudar as demais disciplinas, dar um cunho internacional a todas elas, principalmente na parte de teoria da contabilidade, para que os alunos estudem os princípios contábeis na nova visão internacional. Já estamos caminhando para isso", diz Natan Szuster, professor titular do curso de contabilidade da UFRJ. Seu curso de mestrado já conta, há dez anos, com a disciplina contabilidade internacional. No começo, predominavam as normas americanas United States Generally Accepted Accounting Principles (US Gaap), que de um ano para cá cederam espaço às IFRS.
Também o curso de ciências contábeis da Trevisan Escola de Negócios inclui em seu currículo uma disciplina obrigatória de 80 horas-aula sobre contabilidade internacional, em que são discutidos os principais pronunciamentos das IFRS e seus reflexos. A disciplina é oferecida no sexto semestre e conta, hoje, com 35 alunos, segundo Sérgio Alexandre de Souza, diretor de graduação e coordenador do curso da Trevisan.
Para que o futuro administrador conheça o processo de convergência às IFRS, a Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (Ebape/FGV) oferece, no curso de graduação em administração e economia, uma disciplina obrigatória, no terceiro semestre, de introdução à contabilidade, em que se aborda a contabilidade societária.
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