4 de nov. de 2009

Mudanças atingem o ensino de Ciências Contábeis

Por Luciane Medeiros

A contabilidade brasileira atravessa uma fase repleta de mudanças. A entrada em vigor do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), a convergência das normas nacionais aos padrões internacionais e as alterações que serão aplicadas ao setor governamental são algumas das novidades para a profissão. Muda a prática e consequentemente o ensino. As grades curriculares das universidades precisam acompanhar o que o mercado cobrará dos estudantes.
Para discutir as medidas a serem tomadas, o Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS) promoveu, no dia 23 de outubro, em Porto Alegre, o Encontro de Coordenadores e Professores dos Cursos de Ciências Contábeis. Participaram professores de instituições do centro do País e contadores atuantes no mercado.
No caso dos professores, essa série de transformações representa um desafio. Eles terão que se atualizar para repassar os conhecimentos. Segundo o doutor em Controladoria, pesquisador em Contabilidade e Finanças na Fucape Fábio Moraes da Costa, as normas internacionais são mais baseadas em princípios do que em regras, como era feito até então. A alteração torna necessário desenvolver no aluno a capacidade de fazer julgamentos, de trabalhar com a habilidade de interpretação, análise e comunicação. "Aí sim ele poderá ingressar no mercado de trabalho e atender às novas demandas", diz.
Costa foi o palestrante no painel Os Rumos do Ensino da Contabilidade Internacional. Como medida de curto prazo para preencher a lacuna que a convergência provoca, ele sugere a inserção de uma disciplina de contabilidade internacional para complementar a formação dos estudantes. Posteriormente, a matéria acabará diluída em outras disciplinas. Desde 2005, a Fucape oferece esse conteúdo aos seus universitários.
Para o gerente sênior da PricewaterhouseCoopers e professor universitário Rodrigo Ferreira La Rosa o momento atual é o grande atrativo para a graduação na área, uma vez que cresce a importância dos contadores.
"Dormimos em 1976 com uma legislação e acordamos em 2008 em um período totalmente diferente", destaca.
A participação em workshops, palestras, seminários e outros eventos contribui para que todos possam adquirir as novas doutrinas. A grande oferta de cursos - em torno de 70 apenas no Estado - a capacitação e reciclagem do corpo docente e um plano de ensino atualizado são desafios para garantir a qualidade e nível educacional, diretamente ligados à formação dos futuros profissionais.
Universidades do Estado fazem adequações nos seus currículos
As instituições de ensino superior do Rio Grande do Sul vêm adequando sua grade curricular nos últimos tempos para atender às modificações sofridas no meio contábil. O currículo da Ufrgs possui, desde 2008, a disciplina de Contabilidade Internacional. "Ela nasceu com prazo para ser extinta", diz Ceno Odilo Kops, coordenador da Comissão de Graduação dos curso de Ciências Contábeis e Atuariais da Ufrgs.
Conforme as outras disciplinas comecem a dar tratamento às alterações, a matéria será retirada da grade. Como o currículo muda constantemente em função das mudanças que a legislação brasileira apresenta, lembra Kops, há a necessidade de adaptações frequentes.
A Faculdade São Francisco de Assis, acompanhando as recentes alterações no setor, a exemplo das alterações na Lei das Sociedades por Ações, Lei nº 11.638/07 e da Medida Provisória nº 449/08, vem trabalhando permanentemente na adequação curricular desde o primeiro semestre de 2008. Conforme o professor José Mário Matsumura Gomes, coordenador do Curso de Ciências Contábeis da Faculdade São Francisco de Assis, também os pronunciamentos técnicos, emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis já são discutidos com os alunos. Isso é feito por meio de disciplinas como Teoria da Contabilidade, Contabilidade Societária, Controladoria e Tópicos Contemporâneos de Contabilidade em que são abordados os temas mais atuais da área contábil. Essas adequações objetivam atender não apenas aos alunos que estão no início do curso, mas também aos que já estão no final da graduação. "A partir do próximo ano, gradativamente, os conteúdos passarão a ser realocados para disciplinas específicas, fazendo com que todas as disciplinas afetadas estejam devidamente ajustadas, em função dessas mudanças na área contábil, tanto no setor privado como também no setor público", afirma.
Transformações tornam domínio do inglês crucial
Compliance, fair value, impairment, stakeholders, balanced scorecard, US GAAP. Os meios contábil e empresarial estão repletos de termos em inglês. O profissional que não dominar o idioma enfrentará dificuldades em sua rotina. Essa lacuna no currículo poderá inclusive atrapalhar sua carreira, tornando-se um fator decisivo na hora de concorrer a uma promoção.
O gerente sênior da PricewaterhouseCoopers Rodrigo Ferreira La Rosa cita outras competências e habilidades essenciais a quem trabalha na área, como o networking ativo (rede de contatos) com outras empresas e órgãos de classe e a participação em seminários e demais eventos, que contribuem para a capacitação, tão importante no atual momento.
As boas vagas e oportunidades de emprego estão no networking. Muitas vezes, conquistamos uma excelente colocação o mercado através dos contatos mantidos e não pela concorrência nos processos de seleção tradicionais.
Também as universidades devem se unir e discutir o novo cenário. "Estamos correndo atrás da máquina, uma vez que há uma série de inovações como o Regime Tributário de Transição (RTT), Controle Fiscal Contábil de Transição (Fcont), Sped, IFRS e outras. O ano de 2010 será uma montanha-russa, muitas emoções em apenas um ano e as polêmicas começam agora."
O perfil do profissional do século XXI é o oposto do anterior. O contador que for reativo, como antigamente, não terá espaço. Ele deve ter iniciativa. Outras características que representam um diferencial são a capacidade de inovação, empatia, curiosidade, adaptabilidade, coragem e ética - palavras e práticas essenciais na rotina dos contadores.
Pesquisa oferece boas oportunidades de trabalho
Esqueça a imagem do profissional escondido atrás de uma pilha de livros, fechado em uma sala. O pesquisador da área de Ciências Contábeis não é mais assim. De acordo com Aridelmo Teixeira, coordenador do mestrado da Fucape, o doutor em Ciências Contábeis é, hoje, um profissional atuante no mercado e não mais restrito à vida acadêmica. "É ele quem consegue enxergar a realidade. Esse é o perfil a ser buscado, o de quem consegue aliar o conhecimento à prática", diz.
De acordo com Teixeira, a pesquisa em Contabilidade avançou na última década o que não andou em 500 anos. De três cursos de mestrado até o início dos anos 2000, há hoje 19. Quatro instituições oferecem o doutorado, quando antes era apenas uma.
A formação de nove mestres por ano saltou para uma média de 250. As perspectivas são promissoras. Teixeira espera que em cinco anos os quatro novos cursos de doutorado contribuam para a titulação de 25 doutores anualmente.
O avanço na área científica registrado não tem precedentes, graças ao apoio do Conselho Federal de Contabilidade e dos conselhos regionais. A tendência de evolução quantitativa deve atingir agora o patamar da qualidade. "Esse é o próximo desafio." A remuneração acompanha essa evolução, com possibilidade de ganhos melhores para os doutores do que para outros profissionais.
Para o estudante de graduação, vale investir nesse nicho no início da carreira. "Aqueles que conseguirem se qualificar em dois ou três anos e concluir o doutorado terão ótimas oportunidades de retorno. A qualificação proporciona não só envolvimento na vida acadêmica como melhores chances na carreira." O coordenador do mestrado da Fucape dá uma dica a quem desejar se envolver no campo da pesquisa. A contabilidade pública é um segmento recente com nível mínimo de publicações, constituindo assim um vasto campo a ser explorado.
Aluno da geração Y requer novo modelo de aula
O Ensino a Distância (EAD) é considerado por muitos o futuro da educação. Para as novas gerações, o modelo de aula tradicional, onde o professor é o centro das atenções, torna-se falho por não conseguir captar o interesse dos jovens da era tecnológica. "A chamada geração Y tem o raciocínio mais rápido. Como ela ficará sentada assistindo a uma aula expositiva?", questiona o professor da Universidade Federal de Santa Catarina Irineu Afonso Frey.
O EAD representa uma nova forma de ensinar, formada por outros personagens que não só o aluno e o professor. São fatores importantes para o bom desenvolvimento do conteúdo à participação de uma equipe multidisciplinar com especialistas aptos a preparar material em áudio e vídeo, bem como os tutores que auxiliam os estudantes. Mesmo assim, Frey ressalta a importância dos encontros presenciais realizados, que contribuem para o esclarecimento de dúvidas. Ele reconhece que o tema EAD ainda enfrenta preconceito, porque alguns questionam a eficácia desse formato. Entretanto, acredita, o modelo atual não conseguirá permanecer por muitos anos.
Se a maneira de ensinar e o aluno são diferentes, também o professor precisa mudar. É uma outra linguagem e orientação pedagógica distinta e ele precisa dominar a tecnologia disponível.
Em relação às mudanças que o profissional já formado encontra, o presidente do Sindicato dos Contadores do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiconta) e professor do Unilasalle, Salézio Dagostim, registra sua preocupação com a Contabilidade Internacional. Segundo Dagostim, ela procura dar mais importância à essência do que à forma para produzir lucros não gerados pela produção, mas, sim, pelos ajustes patrimoniais.
Segundo ele, os objetivos são bem antagônicos. "A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) defende os investidores - lucro fácil - e a Contabilidade defende a pessoa jurídica, com manutenção do emprego e da renda e lucros reais e certos", alerta.

Fonte: Jornal do Comércio

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