20 de ago. de 2011

Correção Monetária para que?

Uma matéria do Financial Times [Tony Jackson], publicada no Valor Econômico em 05/05/2011 traz à tona um assuntos que poucos acadêmicos de Contabilidade têm se preocupado: atualização ou correção monetária.

Segundo a Wikipédia é o nome que se dá no Brasil para os ajustes contábeis e financeiros, realizados com o intuito de se demonstrar os preços de aquisição em moeda em circulação no país, em relação ao valor de outras moedas (ajuste cambial) ou índices de inflação ou cotação do mercado financeiro (atualização monetária propriamente dita). Em Economia é também chamado de "correção monetária", ou seja, um ajuste feito periodicamente de certos valores na economia tendo em base o valor da inflação de um período, objetivando compensar a perda de valor da moeda. Em termos de impacto no resultado, a atualização monetária pode ser uma receita (denomina-se variação monetária ativa), ou uma despesa (variação monetária passiva).

Mas se o Brasil e o mundo desenvolvido [há mais tempo] já superaram o fenômeno da inflação, por que se preocupar com isso? Será que a inflação é algo superado de forma definitiva?

O que quanto seria admissível em termos de variação generalizada nos preços para dispensar a correção monetária? 100% ao ano, como diz o IASB? E se for 99% Ou ainda que seja 50% ao ano ou um pouco menos? Será que uma variação nos preços de mercado dessa magnitude não causa prejuízo à tomada de decisões se for ignorada?

Essas são algumas perguntas que estamos tentando responder na disciplina Teoria do Lucro e da Avaliação Patrimonial, com os professores Eliseu Martins e Bruno Salotti. Estamos nos surpreendo com o que temos constatado de distorção nas informações contábeis geradas quando se ignora uma inflação, de por exemplo, 10% ao ano. Quem dera de 100%!!!

Ah, segue o texto publicado no Valor e recomendado pelo prof. Eliseu Martins.

Ressurgimento da inflação traz de volta debate sobre regras de contabilização

As perspectivas para a inflação no mundo desenvolvido podem ser turvas, mas em algumas economias emergentes o quadro é comparativamente mais nítido. Considere a Índia, com uma inflação estimada em 12,1% no ano passado ou a Argentina com 10,9%.

Isso levanta uma questão interessante para as multinacionais do Velho Mundo que estão se esforçando para construir sua presença nesses países. O que elas estão fazendo para corrigir o efeito distorcedor da inflação local em suas demonstrações de resultados?

Não muito, ao que parece. As normas contábeis internacionais e americanas especificam que a contabilização da inflação deve ser usada em subsidiárias em países com hiperinflação - genericamente definida como 100% em três anos, ou 26% acumulados ao ano. A única economia que satisfaz o critério é da Venezuela.

Em outros países de inflação elevada, nenhuma ação é exigida. E de acordo com auditores e empresas que consultei, nenhuma ação é tomada.

Isso não deveria, talvez, surpreender-nos. As distorções causadas pela inflação são, principalmente, para cima. Por que deveriam as empresas negar-se um modesto incremento no lucro, por ilusório que seja, quando ninguém diz que elas têm de fazer correções?

Quanto aos próprios países, a questão é outra. Alguns países latino-americanos estão discutindo possíveis mudanças nas regras com o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (IASB, na sigla em inglês). O conselho deverá incluir a contabilização da inflação entre as questões para discussão nos próximos 12 meses.

Há basicamente três vias pelas quais a inflação afeta os valores apresentados: depreciação, estoques e ativos/passivos financeiros.
A primeira é óbvia. Se você depreciar uma máquina durante sua vida de cinco anos por seu custo, mas o preço de uma máquina nova dobrar, seu lucro resultará inflado.

Estoques são menos óbvios, mas possivelmente, mais importantes. Para calcular o lucro bruto é preciso conhecer o custo dos materiais consumidos. Ou seja, tudo que é comprado durante o ano mais estoques iniciais - que são consumidos durante o período - menos os estoques finais, não consumidos.

Disso resulta que um aumento nos custos de estoques incrementará os lucros reportados. Mas, ao mesmo tempo, isso reduz o dinheiro em caixa.

Em meados da década de 1970, quando a inflação de preços ao consumidor no Reino Unido ficou em torno de 25%, a inflação dos custos industriais estavam mais próximos de 50%. As empresas ficaram sujeitas a grandes ônus tributários sobre lucros inexistentes e o governo introduziu apressadamente isenções sobre valorizações de estoques para evitar falências.

Próximo item: ativos e passivos financeiros. Evidentemente, o efeito líquido da inflação sobre devedores e credores pode ser positivo ou negativo, conforme o balanço patrimonial.

Os efeitos sobre o patrimônio são mais sutis. As empresas precisam ter certeza de que, ao pagar dividendos, não estejam, na realidade, distribuindo capital. A solução óbvia é indexar esse capital. Mas a questão é qual índice usar.

Para itens em caixa, o índice de preços ao consumidor é suficientemente bom. Mas a taxa de inflação referente a ativos físicos, como vimos no exemplo britânico dos anos 1970, pode ser bastante distinta, e o valor dos ativos físicos, evidentemente, afeta o cálculo do patrimônio.

Então, como poderiam ser as novas regras para contabilização da inflação? No Reino Unido na década de 1970, toda essa ideia foi tão controvertida que no momento em que uma norma contábil foi finalmente formulada, a inflação tinha cedido.

A natureza dos argumentos, naquela época, poderia, então, servir como advertência. Para muitos contadores ortodoxos, a ideia de abandonar a contabilidade histórica de custos era um anátema. Eles preferiam falsidade precisa a verdade imprecisa.

Quem pensa que essa atitude dissipou-se deveria lembrar a hostilidade generalizada ainda gerada por regras mais recentes relativas à marcação de ativos financeiros a mercado. Imaginemos aplicar esse princípio a hardware e software, e compreenderemos como fica o cenário.

Tendo em vista as complexidades, o resultado provável é que os números serão ajustados por um simples índice de preços ao consumidor, como segundo as regras atuais para economias hiperinflacionárias. O resultado seria rudimentar, mas poderia ser o preço para obter uma adesão generalizada. E, afinal de contas, algo precisa ser feito. Tomados como uma categoria, os países emergentes podem não chegar a 100% de inflação em três anos. Mas o percentual atual é de 28% para a Argentina, 35% para a Índia e 36 na Rússia.

Quem pensa que, nesses casos, custos históricos representam a realidade está se iludindo. Um exame superficial das contabilidade gerencial das companhias multinacionais mostra que elas não trabalham com tais custos históricos. A questão é se elas compartilham a realidade com seus proprietários.

Faz 30 anos que Warren Buffett descreveu a inflação como sendo uma "gigante lombriga empresarial... que simplesmente limpa o prato". Não estamos de volta à década de 1970, mas não custa nada tomar precauções.

Um comentário:

  1. Oi, Cláudia! Eu cursei essa disciplina no início do ano (UnB/UFPB/UFRN). É bem interessante mesmo. E bem "trabalhoso" fazer todos aqueles cálculos (usávamos dois quadros kkk).

    Em alguns casos, a não consideração das variações pode incorrer em descontinuidade para determinados tipos de empresas. No meu caso, no final da disciplina, eu e um amigo fizemos um estudo de caso em um sistema de cooperativa de crédito para averiguar se lá fazia diferença ou não.

    Felizmente, para eles, a "inflação interna" não afetava significativamente o patrimônio da entidade. Mas causava uma boa diferença.

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