30 de nov. de 2011

Relações sociais e institucionais no IFRS


Antes de apresentar o terceiro texto da série de cinco artigos sobre os impactos das novas normas contábeis publicados do Jornal Valor Econômico, informo o seguinte esclarecimento do jornal: “cinco artigos jurídicos sobre as novas normas contábeis no caderno de Legislação e Tributos. Os textos são assinados por quatro advogados.” [E um economista]. Logo já tenho resposta para minha curiosidade de ontem: Nenhum dos textos dessa série será assinado por contadores, mas são textos que abordam os impactos das normas contábeis no entendimento de outros profissionais, principalmente advogados.

E o terceiro texto aborda o tema Relações sociais e institucionais no IFRS
Segue o texto para leitura! Meus comentários seguem entre colchetes.

Texto de Edison Carlos Fernandes (Doutor em Direito - PUC-SP) e, pelo visto, estudioso de questões contábeis - Valor Econômico - 30/11/2011

As empresas, qualquer que seja seu tipo societário e seu porte, mantêm relações jurídicas com diversos públicos (stakeholders), como bem apresentado pela teoria contratual da firma. Além dos evidentes contratos celebrados com os sócios (acionistas ou quotistas) e com os administradores, as empresas celebram, cotidianamente, acordos na esfera privada, como são os casos dos fornecedores e dos clientes, e na esfera pública, cujos exemplos são os trabalhadores, os órgãos reguladores do Estado e a coletividade de uma maneira geral. Assim, como nos contratos interna corporis (relação societária) e nos de natureza privada (relação mercantil), também nas relações sociais (trabalhistas) e nas relações institucionais (reguladoras) as demonstrações financeiras são um destacado instrumento de manutenção, garantia e execução de direitos; o que implica diversos impactos jurídicos da adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS), ocorrida no Brasil a partir da Lei nº 11.638, de 2007, com a disciplina contábil ditada pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC.

No que diz respeito às relações trabalhistas, as demonstrações contábeis destinam-se, dentre outras coisas, a informar os empregados da empresa sobre a situação econômico-financeira da sua fonte de emprego e renda, além da capacidade de absorver mais mão de obra ou de, ao menos, garantir os pontos de trabalho já criados. A mais importante utilização da contabilidade nas relações de emprego talvez seja para o acordo de participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa - PLR, tal como disciplinado pela Lei nº 10.101, de 2000. A começar pelos “mecanismos de aferição das informações pertinentes ao cumprimento do acordado” (artigo 2º, parágrafo 1º da Lei n° 10.101, de 2000), a relevância do julgamento da administração, característica fundamental dos IFRS, exige não só a divulgação dos números, mas a sua clareza na explicação dos critérios adotados para a elaboração das demonstrações contábeis. [Esse constitui um dos principais desafios da adoção desse conjunto de normas, uma vez que os profissionais de Contabilidade não tinham que fazer tantos “julgamentos” para fazer Contabilidade nas normas vigentes no Brasil até então... E muito menos tiveram uma formação adequada para isso, na média]

Deve ser ressaltado que a lucratividade não é o único critério que as empresas estão autorizadas a adotar para a definição dos valores devidos a título de PLR, podendo ser utilizados, dentre outros, “índices de produtividade” e “programas de metas” (artigo 2º, parágrafo 1º, I e II da Lei nº 10.101, de 2000). Se considerada a lucratividade, os mesmos lançamentos contábeis que influenciam na formação dos dividendos impactaram a remuneração dos empregados. Ocorre que, mesmo o acordo considerando o faturamento como critério para o PLR, o julgamento da administração será decisivo para a definição do valor devido aos trabalhadores, especialmente em empresas que atuem no setor de incorporação imobiliária e de concessão de serviços públicos.

As demonstrações financeiras são garantias e execuções de direito
Aliás, neste último caso, verificam-se impactos dos IFRS em relações jurídicas públicas e coletivas, como é o caso do contrato triangular entre o Estado (titular do serviço público), a concessionária (prestadora, por delegação, do serviço público) e o usuário do serviço público. A fixação e o reajuste da tarifa dos serviços públicos concedidos, normalmente, tomam por base informações contábeis [A questão aqui são as bases sobre as quais essas informações são geradas]; considerando que importantes contratos administrativos de concessão de serviço público foram firmados à época da vigência do texto original da Lei nº 6.404, de 1976 - LSA, no tocante às demonstrações financeiras, a adoção dos IFRS provoca profundas alterações na execução das cláusulas desses contratos administrativos, inclusive na determinação da tarifa; por esse motivo, os órgãos reguladores das concessões de serviços públicos não adotam integral e incondicionalmente os IFRS como padrão da “contabilidade regulatória”, e isso com fundamento no artigo 177, parágrafo 2º da LSA, com a redação dada pela Lei nº 11.941, de 2011. Veja-se o exemplo da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) por meio da Resolução Normativa nº 396, de 2010, foi instituída a contabilidade regulatória, sendo mantida a obrigatoriedade de diversos documentos específicos, como a Estrutura do Plano de Contas, as Instruções Contábeis e o Manual de Contabilidade do Setor Elétrico - MCSE (artigo 2º da RN ANEEL nº 396, de 2010).[Com a obrigação de uma contabilidade societária convergida às normas internacionais, uma contabilidade regulatória e ainda uma contabilidade fiscal, qual o lucro mais confiável, relevante, qual a base de informação mais adequada para os analistas, investidores? Os indicadores de desempenho econômico e financeiro devem ler calculados em que base? Todas essas “contabilidades estão sendo adequadamente auditadas?]

Como se vê, os impactos jurídicos da adoção dos IFRS não se limitam ao conflito de agência, isto é, à relação entre os proprietários e os gestores das empresas. Praticamente todos os usuários da contabilidade (stakeholders) sofrem os efeitos do julgamento da administração. Tais impactos jurídicos são sentidos, inclusive, nas relações de ordem pública da empresa. [As informações complementares e em notas explicativas são fundamentais para mitigar essa assimetria informacional, pois quando feitas de forma adequada permitem aos usuários refazer cálculos e cenários para obter as informações que supram suas necessidades].

29 de nov. de 2011

Gestão de empresas no contexto do IFRS


Dando continuidade à série de cinco artigos sobre os impactos das novas normas contábeis publicados do Jornal Valor Econômico, o segundo foi escrito por um economista, que participa da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais e o tema abordado é a gestão das empresas a partir dos desafios trazidos pelas normas IFRS. Pelo tema, parece mais a seara dos profissionais de administração! Será que haverá algum artigo de autoria de um contador? #Curiosidade
Segue o texto para leitura!

Gestão de empresas no contexto do IFRS

Texto de Francisco Petros (Economista, membro da APIMEC-SP)  e, pelo visto, estudioso de questões contábeis relacionadas à gestão - Valor Econômico - 29/11/2011

A qualidade da governança corporativa revelou-se, nos últimos 20 anos, de forma crescente, como aspecto fundamental para a melhoria e transferência da gestão empresarial e a valorização de mercado das empresas, sejam as de capital aberto sejam as de capital fechado, cujo valor intrínseco é relevante para fins de avaliação - creditícias, por exemplo. Há, nesse tema, aspectos materiais que dizem respeito ao cumprimento de parâmetros legais ou extralegais (regulatórios) mais relacionados à efetividade da qualidade da governança corporativa (qualidade da diretoria e conselhos).

No contexto em que a eficiência da governança corporativa se torna, a cada dia, mais relevante no desenvolvimento capitalista e da função social da empresa, a introdução ao padrão internacional de contabilidade (IFRS) - como padrão contábil - foi fundamental, porque se ultrapassam as fronteiras do conhecimento meramente contábil dos especialistas (internos e externos) para um reflexo direto da qualidade da gestão empresarial. Com efeito, o IFRS não é per se apenas uma forma de divulgação legal dos registros das operações de uma empresa; serve, da mesma forma, à prestação de contas marcadas pela concretização da “forma de gerir” dos administradores das empresas e seus acionistas controladores frente aos seus stakeholders (funcionários, órgãos governamentais, investidores de mercado, analistas etc.). Foi o IFRS que superou a antiga e evidente distância entre aquilo que era "o resultado contábil" frente à qualidade da gestão: a partir dele, os “stakeholders” estão munidos de informações que lhes permitem a análise e a cobrança da efetivação das políticas e das melhores práticas empresarias.

Por ser o IFRS um sistema aberto, cujas premissas são construídas com o objetivo de fazer refletir, nas demonstrações financeiras, o valor "real" dos ativos, passivos e resultados, a necessidade de transparência se tornou ainda mais exigente. Assim sendo, as notas explicativas passaram a ter um papel muito mais relevante: além de relatar os aspectos técnicos referentes às contas contábeis, elas passaram a refletir a sensibilidade criteriosa da visão gerencial dos administradores. Fechou, por assim dizer, o gap entre aquilo que se chamava de "valor contábil" e “valor econômico”, pois expressa os “julgamentos subjetivos” dos gestores relativamente à criação (e destruição) de valor da empresa. Está-se a tratar de um tema essencialmente importante para a formação dos preços dos ativos no mercado a partir desses "julgamentos subjetivos".

Se o IFRS é reconhecido por essas positivas características, não se pode deixar de reconhecer, da mesma forma, que os riscos desse modelo também sofreram alterações importantíssimas. Vejamos.

O IFRS superou a antiga distância entre o resultado contábil e a qualidade da gestão
A subjetividade da análise econômica dos gestores, transferida às demonstrações financeiras, pode gerar diversas distorções. Não é difícil imaginar que a aplicação de uma determinada taxa de desconto - composta por parâmetros de risco e retorno - no cálculo econômico de ativos e passivos seja fundamental para a determinação de seus valores. Eventuais incompatibilidades entre tais riscos e retornos estimados podem sub ou sobreavaliar os ativos e passivos de uma empresa. De outro lado, a somatória de critérios subjetivos aplicados aos valores das operações das empresas pode gerar lucros (e dividendos) fictícios, inclusive nos termos do artigo 1009 do Código Civil que impõe responsabilização solidária aos administradores, bem como nos termos do Capítulo XV da Lei nº 6.404, de 1976 que trata do exercício social e das demonstrações financeiras.

Há, ainda, a questão da comparabilidade, aspecto fundamental para a mensuração do valor agregado entre os exercícios sociais. Nesse tema, o IFRS é criterioso, mas a sua aplicação é altamente dependente de que os gestores sejam igualmente criteriosos quando construírem as suas premissas de curto e longo prazos. Ademais, formas de remuneração de administradores que dependam da avaliação de resultados impõem riscos de conflitos de interesse entre acionistas, administradores e outros “stakeholders”, que requerem adequada supervisão, sob pena de má-gestão de resultados e, até mesmo, fraudes. Para a adequada condução empresarial e administração dos riscos, portanto, a solução é conhecida: muita transparência, maior eficiência dos trabalhos de auditoria e sistemas internos que possibilitem que os órgãos de supervisão (conselhos) sejam devidamente informados, por fontes confiáveis e independentes (no que tange à informação).

28 de nov. de 2011

Dividendos no contexto do IFRS


O Jornal Valor Econômico publicará uma série de cinco artigos sobre os impactos das novas normas contábeis. Detalhe: impactos das novas normas contábeis na visão de um advogado!
O primeiro artigo da série trata sobre dividendos. Segue o texto para leitura!

Dividendos no contexto do IFRS

Texto de Edison Carlos Fernandes (Doutor em Direito - PUC-SP) e, pelo visto, estudioso de questões contábeis - Valor Econômico - 28/11/2011

Apesar de ainda existir um longo caminho a percorrer, a adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS) pelas empresas brasileiras já está na pauta do dia. Trata-se de uma preocupação não somente do pessoal ligado à área contábil, mas de todos aqueles envolvidos com a situação econômico-financeira da empresa, especialmente advogados e profissionais das relações com investidores. Do outro lado, os reflexos da implementação dos IFRS também têm sido estudados pelos sócios (acionistas ou quotistas), investidores e pela Receita Federal do Brasil, sendo um ponto importante a distribuição de dividendos. [Um dos mais importantes, inclusive]
Lembre-se, desde logo, que o padrão internacional de contabilidade se caracteriza, principalmente, pela relevância do julgamento da administração, no que concerne ao reconhecimento, à mensuração e à divulgação das operações e dos eventos financeiros, pela busca do valor justo dos bens, direitos e obrigações e pela aproximação do resultado do exercício com a geração de caixa. Dessas características decorrem diversos lançamentos que impactam a apuração do lucro (ou do prejuízo) da empresa, dentre os quais se destacam: mudança no critério de depreciação dos bens do ativo imobilizado, inclusive com a estimativa do respectivo valor residual; ajuste a valor presente; avaliação de ativo biológico etc. Com relação aos aspectos societários e tributários do lucro apurado no contexto do IFRS, as questões são: qual a medida desse lucro que deve ser distribuída aos sócios obrigatoriamente e qual a medida desse lucro que estará isenta do imposto sobre a renda. [Boa pergunta! Como diria um professor que conheço: Isso pode dar um tese!]
Do ponto de vista societário, conquanto a modificação da Lei nº 6.404, de 1976, trazida pela Lei nº 10.303, de 2001, que fortaleceu a regulamentação legal da governança corporativa, tenha aumentado os direitos patrimoniais dos sócios, especialmente dos minoritários, essa mesma alteração já garantiu, ao menos em parte, a saúde financeira das empresas. Nesse sentido, na composição do dividendo obrigatório foi ressalvada a parcela de lucros a realizar, desde que constituída a respectiva reserva. Em complemento, a alteração da lei societária promovida pela Lei nº 11.638, de 2007, redefiniu a reserva de lucros a realizar.
Atualmente, constituem a reserva de lucros a realizar o resultado líquido positivo da equivalência patrimonial e o lucro, rendimento ou ganho líquidos em operações ou contabilização de ativo e passivo pelo valor de mercado, cujo prazo de realização financeira ocorra após o término do exercício social seguinte. Em ambos os casos o que se tem é a geração de lucro sem a sua respectiva realização financeira, ou, em outras palavras, sem geração de caixa; o que ocorre no reconhecimento contábil, por exemplo, dos lucros gerados por subsidiária no exterior, pela mensuração de ativo biológico e pelo ajuste a valor presente. Dessa forma, a lei societária optou pela perpetuidade da empresa (preservação financeira) em detrimento dos direitos patrimoniais dos sócios (acionistas ou quotistas).
Do ponto de vista tributário, o Regime Tributário de Transição - RTT estabelece que os registros contábeis efetuados com base nos IFRS não devem ser considerados para fins de apuração dos tributos sobre a receita (Contribuição para o PIS e Cofins) e sobre o lucro (IRPJ e CSLL): trata-se da neutralidade tributária. Ocorre que essa neutralidade tem que ser bem analisada e bem definida: de acordo com a lei de regência, o RTT aplica-se à composição das receitas, dos custos e das despesas, ou seja, aos itens que constituem a apuração dos mencionados tributos. Dessa forma, a neutralidade do RTT não se aplica à matéria de ordem societária com implicação tributária, como são os casos da remuneração de juros sobre o capital próprio, da subcapitalização e da distribuição de dividendos isentos.
Esse entendimento parece ter sido corroborado pela Receita Federal do Brasil com a redação do Parecer Normativo nº 1. Nesse documento oficial, foi admitida a coexistência de duas despesas de depreciação, uma para efeito de determinação da base de cálculo dos tributos sobre o lucro e outra para efeito de determinação dos dividendos a serem distribuídos aos sócios. Como corolário necessário, tem-se que o lucro para efeito de tributação é apurado na forma do RTT, enquanto que, para efeito de distribuição de dividendos isentos do imposto sobre a renda, o lucro será apurado com a observância do padrão internacional de contabilidade.

O que é mesmo provisão em Contabilidade?


Segundo o CPC 25 (IAS 37) - Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes:

Provisão é um passivo de prazo ou de valor incertos.

Passivo é uma obrigação presente da entidade, derivada de eventos já ocorridos, cuja liquidação se espera que resulte em saída de recursos da entidade capazes de gerar benefícios econômicos.

Evento que cria obrigação é um evento que cria uma obrigação legal ou não formalizada que faça com que a entidade não tenha nenhuma alternativa realista senão liquidar essa obrigação.

E aí, a Provisão para devedores duvidosos [PDD] se enquadra nesses conceitos? Realmente pode ser denominada de provisão?

Proteção jurídica da provisão contábil
Texto publicado no Valor Econômico em 17/06/2011, por Edison C. Fernandes

Recentemente, foi noticiado que a companhia Lojas Marisa teve uma redução de quase 5% na cotação de suas ações em razão de ter anunciado um ajuste na conta de provisão para devedores duvidosos - PDD. Esse fato nos faz questionar se uma “mera” informação contábil teria capacidade para interferir tão significativamente no valor das ações de uma companhia. A verdade é que as informações inscritas nas demonstrações financeiras deixaram de ser “meras” informações contábeis, impactando decisivamente na geração de valor das empresas. [Na verdade acredito que as informações contábeis nunca foram “meras” informações, mas houve épocas em que a Contabilidade prescindiu de evidenciar a essência econômica dos fatos, para primar pelos interesses de determinados usuários, o que a deixou um tanto desprestigiada... Mas isso já passou!]
Inicialmente, pode-se dizer que, de maneira geral, as informações contábeis são um meio de proteção dos direitos dos sócios (acionistas ou quotistas). Não por acaso, a legislação societária (seja a Lei nº 6.404, de 1976, a chamada Lei das Sociedades por Ações, seja o Código Civil, na parte do direito de empresa) possui capítulo específico sobre escrituração contábil, além de diversos dispositivos sobre fiscalização, prestação de contas e exibição dos livros comerciais, sendo tudo isso relacionado às demonstrações financeiras. Dessa forma, do ponto de vista do direito, o (primeiro) bem jurídico protegido pelas normas contábeis reside na relação societária e na garantia de perenidade da empresa.
É precisamente isso que acontece no caso da mencionada PDD. Se é certo que a contabilidade baseia-se em estimativas (por isso não se pode dizer que seja uma ciência exata, mas humana) [Não só por isso, mas por isso também!!!!], no caso das provisões, a importância das estimativas redobra. Embora a chamada PDD não seja tecnicamente uma provisão, mas um ajuste à conta de clientes (contas a receber), os seus fundamentos são semelhantes aos das provisões em geral e seu efeito contábil, exatamente o mesmo. [Na verdade existe uma discussão no IASB em torno de eliminar o termo “provisão” em relação às contas de ajustes de ativos, uma vez que o conceito de provisão se refere a passivo de prazo e valor incerto. Ora, a PDD, ou melhor dizendo PCLD, não constitui um passivo de prazo e valor incerto, mas efetivamente uma estimativa de perda de créditos a receber]

As informações contábeis são um meio de proteção dos direitos dos sócios
Em poucas palavras, a PDD serve para reconhecer na contabilidade a inadimplência dos clientes, já ocorridas e que provavelmente ocorrerão, normalmente, tomando como critério de estimativa o histórico dos créditos não honrados pelos clientes. Em uma companhia varejista, como a citada, vários fatores podem influenciar na inadimplência dos clientes, como, por exemplo, o aumento da inflação que venha a comprometer o poder aquisitivo dos consumidores. O efeito contábil da PDD é a redução de uma conta de ativo (clientes ou contas a receber), tendo como contrapartida o registro de uma despesa (que, diga-se, é indedutível na apuração dos tributos sobre o lucro), cuja finalidade é ajustar o lucro a ser distribuído aos sócios à provável geração de caixa (recebimento dos clientes) - com isso, resta garantida a perenidade da empresa, elemento essencial do direito de sócio.
A garantia da perenidade da empresa (proteção jurídica dos sócios, especialmente, os minoritários) também é protegida pelas demais provisões, tais como a provisão para garantia e as provisões para contingências (cíveis, tributárias, trabalhistas, ambientais etc.), essas sim, tecnicamente “provisões”. Acontece que essas provisões são, igualmente, proteção jurídica para os credores, e não apenas para os sócios. De um lado, a proteção jurídica de consumidores que estão confortáveis em razão de o fornecedor oferecer assistência técnica aos produtos adquiridos (provisão para garantia), de outro, a proteção jurídica de potenciais credores da empresa, porque as discussões cíveis, trabalhistas, ambientais e tributárias podem ser decididas a seu favor, obrigando a empresa ao pagamento do devido, cujos recursos terão sido garantidos pela provisão e seu efeito contábil.
A constituição de uma provisão contábil não significa reserva física de recursos financeiros, ou seja, que o dinheiro ficará guardado esperando a conclusão da situação litigiosa, carimbado para esse fim, como ocorre no caso dos depósitos judiciais. A empresa poderá, livremente, dispor desse montante em moeda para a condução da sua atividade e dos seus pagamentos cotidianos; ela não poderá, entretanto, entregar esses recursos financeiros aos sócios, transferindo-os do seu patrimônio para o patrimônio dos sócios, porque, nesse caso, o retorno de tais recursos poderá ficar bastante comprometido. Portanto, a finalidade jurídica da provisão contábil é proteger o sócio, por garantir a perenidade da empresa, e também proteger eventuais credores, por assegurar que a empresa (eventual devedora) não vai transferir seus recursos financeiros aos sócios em prejuízo do futuro pagamento da dívida, no caso de decisão que lhe seja desfavorável.
“... nunca [...] plenamente maduro, nem nas idéias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental.” (Gilberto Freire)