Antes
de apresentar o terceiro texto da série de cinco artigos sobre os impactos das
novas normas contábeis publicados do Jornal Valor Econômico, informo o seguinte
esclarecimento do jornal: “cinco artigos jurídicos sobre as novas normas
contábeis no caderno de Legislação e Tributos. Os textos são assinados por
quatro advogados.” [E um economista]. Logo já tenho resposta para minha
curiosidade de ontem: Nenhum dos textos dessa série será assinado por
contadores, mas são textos que abordam os impactos das normas contábeis no
entendimento de outros profissionais, principalmente advogados.
E
o terceiro texto aborda o tema Relações
sociais e institucionais no IFRS
Segue o texto para leitura! Meus comentários seguem entre colchetes.
Texto
de Edison Carlos Fernandes (Doutor em Direito - PUC-SP) e, pelo visto,
estudioso de questões contábeis - Valor Econômico - 30/11/2011
As empresas,
qualquer que seja seu tipo societário e seu porte, mantêm relações jurídicas
com diversos públicos (stakeholders), como bem apresentado pela teoria
contratual da firma. Além dos evidentes contratos celebrados com os sócios
(acionistas ou quotistas) e com os administradores, as empresas celebram,
cotidianamente, acordos na esfera privada, como são os casos dos fornecedores e
dos clientes, e na esfera pública, cujos exemplos são os trabalhadores, os
órgãos reguladores do Estado e a coletividade de uma maneira geral. Assim, como
nos contratos interna corporis (relação societária) e nos de natureza privada
(relação mercantil), também nas relações sociais (trabalhistas) e nas relações
institucionais (reguladoras) as demonstrações financeiras são um destacado
instrumento de manutenção, garantia e execução de direitos; o que implica
diversos impactos jurídicos da adoção do padrão internacional de contabilidade
(IFRS), ocorrida no Brasil a partir da Lei nº 11.638, de 2007, com a disciplina
contábil ditada pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC.
No que diz
respeito às relações trabalhistas, as demonstrações contábeis destinam-se,
dentre outras coisas, a informar os empregados da empresa sobre a situação
econômico-financeira da sua fonte de emprego e renda, além da capacidade de
absorver mais mão de obra ou de, ao menos, garantir os pontos de trabalho já
criados. A mais importante utilização da contabilidade nas relações de emprego
talvez seja para o acordo de participação dos trabalhadores nos lucros ou
resultados da empresa - PLR, tal como disciplinado pela Lei nº 10.101, de 2000.
A começar pelos “mecanismos de aferição das informações pertinentes ao
cumprimento do acordado” (artigo 2º, parágrafo 1º da Lei n° 10.101, de 2000), a relevância do julgamento da
administração, característica fundamental dos IFRS, exige não só a divulgação
dos números, mas a sua clareza na explicação dos critérios adotados para a
elaboração das demonstrações contábeis. [Esse constitui um dos principais
desafios da adoção desse conjunto de normas, uma vez que os profissionais de
Contabilidade não tinham que fazer tantos “julgamentos” para fazer
Contabilidade nas normas vigentes no Brasil até então... E muito menos tiveram
uma formação adequada para isso, na média]
Deve ser
ressaltado que a lucratividade não é o único critério que as empresas estão
autorizadas a adotar para a definição dos valores devidos a título de PLR,
podendo ser utilizados, dentre outros, “índices de produtividade” e “programas
de metas” (artigo 2º, parágrafo 1º, I e II da Lei nº 10.101, de 2000). Se
considerada a lucratividade, os mesmos lançamentos contábeis que influenciam na
formação dos dividendos impactaram a remuneração dos empregados. Ocorre que,
mesmo o acordo considerando o faturamento como critério para o PLR, o
julgamento da administração será decisivo para a definição do valor devido aos
trabalhadores, especialmente em empresas que atuem no setor de incorporação
imobiliária e de concessão de serviços públicos.
As demonstrações financeiras são garantias e
execuções de direito
Aliás, neste
último caso, verificam-se impactos dos IFRS em relações jurídicas públicas e
coletivas, como é o caso do contrato triangular entre o Estado (titular do
serviço público), a concessionária (prestadora, por delegação, do serviço
público) e o usuário do serviço público. A fixação e o reajuste da tarifa dos
serviços públicos concedidos, normalmente, tomam por base informações contábeis
[A questão aqui são as
bases sobre as quais essas informações são geradas];
considerando que importantes contratos administrativos de concessão de serviço
público foram firmados à época da vigência do texto original da Lei nº 6.404,
de 1976 - LSA, no tocante às demonstrações financeiras, a adoção dos IFRS
provoca profundas alterações na execução das cláusulas desses contratos
administrativos, inclusive na determinação da tarifa; por esse motivo, os órgãos
reguladores das concessões de serviços públicos não adotam integral e
incondicionalmente os IFRS como padrão da “contabilidade regulatória”, e isso
com fundamento no artigo 177, parágrafo 2º da LSA, com a redação dada pela Lei
nº 11.941, de 2011. Veja-se o exemplo da Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL) por meio da Resolução Normativa nº 396, de 2010, foi instituída a
contabilidade regulatória, sendo mantida a obrigatoriedade de diversos
documentos específicos, como a Estrutura do Plano de Contas, as Instruções
Contábeis e o Manual de Contabilidade do Setor Elétrico - MCSE (artigo 2º da RN
ANEEL nº 396, de 2010).[Com a obrigação de
uma contabilidade societária convergida às normas internacionais, uma
contabilidade regulatória e ainda uma contabilidade fiscal, qual o lucro mais
confiável, relevante, qual a base de informação mais adequada para os
analistas, investidores? Os indicadores de desempenho econômico e financeiro
devem ler calculados em que base? Todas essas “contabilidades estão sendo
adequadamente auditadas?]
Como se vê, os
impactos jurídicos da adoção dos IFRS não se limitam ao conflito de agência,
isto é, à relação entre os proprietários e os gestores das empresas.
Praticamente todos os usuários da contabilidade (stakeholders) sofrem os
efeitos do julgamento da administração. Tais impactos jurídicos são sentidos,
inclusive, nas relações de ordem pública da empresa. [As informações
complementares e em notas explicativas são fundamentais para mitigar essa assimetria
informacional, pois quando feitas de forma adequada permitem aos usuários
refazer cálculos e cenários para obter as informações que supram suas
necessidades].
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