Uma das marcas desse blog (pelo menos que eu tento atribuir) é postagem de textos com comentários e inserções.
O de hoje fala dos problemas por que está passando o órgão regulador do mercado de capitais brasileiro: a poderosa (mas segundo o texto, nem tanto) CVM.
A
CVM é um xerife desarmado e anacrônico
Diligências
feitas de ônibus, diretores pagando viagens do próprio bolso, impressoras que
não funcionam – o mercado de capitais nunca foi tão sofisticado, e a CVM, tão
anacrônica!
No
começo de outubro, os irmãos Michel e Rodrigo Terpins, herdeiros da varejista
Lojas Marisa, concordaram em pagar uma multa de 5 milhões de dólares para a
SEC, órgão que fiscaliza o mercado de capitais americano.
Fizeram
isso para encerrar uma investigação de oito meses que apurava se os dois haviam
tido acesso a informações privilegiadas quando apostaram na alta das ações da
fabricante de condimentos Heinz, em fevereiro – um dia antes do anúncio de
venda da companhia para o consórcio formado pelo fundo 3G Capital, do
brasileiro Jorge Paulo Lemann, e a Berkshire Hathaway, do investidor Warren
Buffett.
Os
Terpins, de acordo com a SEC, ganharam 1,8 milhão de dólares com a operação. A
multa é quase três vezes maior que esse valor – mas, se fossem condenados, eles
teriam de pagar mais do que isso e poderiam ser proibidos de comprar e vender
ações nos Estados Unidos. Decidiram, então, fazer o acordo, e as acusações
foram retiradas.
Ah, se isso tudo
tivesse acontecido no Brasil...
É
quase certo que nada teria sido feito até agora. A Comissão de Valores
Mobiliários (CVM), responsável por fiscalizar o mercado de capitais no Brasil,
leva anos para analisar indícios de irregularidades. Há processos que estão
sendo avaliados desde 2000. Para piorar um pouco as coisas, a autarquia pega
leve quando fecha acordos com os acusados. Quase sempre aceita o pagamento de
multas muito inferiores ao valor supostamente ganho com a operação. Na terra do xerife desarmado, o crime
compensa.
Essas
diferenças – e, especialmente, a lentidão da CVM ao analisar irregularidades –
são apontadas por 22 executivos de mercado, advogados e investidores ouvidos pela
Revista Exame como os efeitos mais visíveis dos problemas que existem hoje na
autarquia brasileira.
O
mercado financeiro do país se transformou nos últimos dez anos – o número de
fundos de investimento se multiplicou, novas aplicações foram lançadas, houve
mais de uma centena de aberturas de capital, Eike Batista veio e se foi –, mas
a CVM funciona mais ou menos do mesmo jeito.
“É
um órgão público, que só pode contratar funcionários por meio de concursos e
tem de aprovar seu orçamento com o governo, mas tem a obrigação de acompanhar
um dos setores mais dinâmicos da economia”, diz o advogado Daniel Tardelli
Pessoa, do escritório Levy & Salomão. “Muita coisa não está funcionando.”
Funcionários
da CVM ouvidos pela Revista Exame dizem que falta dinheiro para quase tudo.
Recentemente, os técnicos da área de fiscalização do escritório de São Paulo
passaram a visitar gestoras e empresas suspeitas de irregularidade de ônibus
porque a verba para táxi e para gasolina no carro da CVM são insuficientes
(eles ganham 17 reais de diária, que inclui gastos com alimentação e
transporte).
O
diretor Otávio Yazbek diz que, para conseguir participar de eventos
internacionais sobre regulação de mercado, paga parte de suas diárias de hotel.
“Isso é relativamente comum. Não tem jeito.”
Para
ele, o gasto é necessário para se manter a par das discussões de outros
reguladores. Recentemente, a diretora Ana Novaes teve de comprar do próprio
bolso um toner de impressora – filas de meia hora para imprimir documentos são
coisa da vida na sede da autarquia, já que quase metade das impressoras está
sem toner. A falta de gente é crônica.
Um
levantamento feito em 2008 pela própria CVM constatou que cada funcionário é
responsável por fiscalizar, em média, 71 fundos e empresas abertas (nos Estados
Unidos, a taxa é de 13 para cada funcionário; no Reino Unido, de dez). De lá
para cá, a CVM fez dois concursos e ampliou seu quadro de profissionais de 468
para 570. O número de fundos aumentou 67% no período.
Uma
consequência desses problemas é que a comissão demora para mudar suas regras e
acompanhar a evolução do mercado. Por exemplo: a CVM não regula a
comunicação feita pelas empresas nas redes sociais. [E teria que regular?]
Como
fez a SEC no começo deste ano – e depois de receber reclamações de
investidores, especialmente de gente que perdeu dinheiro com as companhias de
Eike Batista, um contumaz usuário do Twitter –, a CVM passou a discutir uma
alteração em sua instrução 358, que trata da forma como as empresas devem se
comunicar.
Até
hoje, os processos para investigar irregularidades tramitam em papel (o que
talvez explique o drama das impressoras). Segundo um levantamento do escritório
Levy & Salomão, hoje a média de tempo gasto desde o momento em que a CVM
identifica uma irregularidade e faz a acusação até o julgamento chega a 723
dias, ou quase dois anos, 12% mais que em 2012.
Não
é surpresa que processos importantes estejam parados. Em dezembro de 2009, um
dia antes do anúncio da fusão entre Pão de Açúcar e Casas Bahia, as ações da
Globex, dona da rede de eletrodomésticos Ponto Frio (do Pão de Açúcar), subiram
35%. Na época, a CVM disse que investigaria o caso, mas não abriu sequer um
processo formal.
Além
disso, a autarquia ainda não julgou o caso da valorização das ações da
fabricante de alicates Mundial – que, em 2011, subiram quase 3 000% e passaram
a ser mais negociadas do que as da Petrobras. O caso começou a ser investigado
pela CVM em parceria com a Polícia Federal há dois anos – em dezembro de 2012,
o Ministério Público Federal entregou à Justiça uma denúncia contra dez
suspeitos –, mas a autarquia, até agora, não puniu ninguém.
Passo de formiga
Mudar
essa situação é o desafio do atual presidente da CVM, Leonardo Pereira, que
está atacando prioridades. Uma delas é criar um sistema para que os processos
sejam digitalizados. Tem dado um trabalhão. Há um funcionário responsável por
fazer isso no único escâner que funciona (dois estão quebrados) no 2º andar do
escritório da CVM no Rio de Janeiro.
“Sei
que são passos de formiga. As pessoas gostam de coisas rápidas. [Na verdade, o mercado precisa que as coisas sejam...]
No momento, estamos diagnosticando os gargalos”, diz Pereira, que está também
reformulando o site da CVM, uma demanda antiga do mercado financeiro. Em conjunto
com comitês que reúnem cerca de 200 pessoas, ele está concluindo um plano
estratégico para os próximos dez anos. As dificuldades são tremendas.
Ex-diretor
da Gol, Pereira estabeleceu metas, como zerar o estoque de casos em análise que
surgiram antes de 2010 – mas ninguém na CVM ganha bônus se cumprir metas, o que
dificulta tudo [Ou seja: só trabalham bem se ganharem
bônus! Mesmo tendo salários bastante razoáveis, considerando o padrão Brasil e
o salário médio do servidores públicos federais!!!]. Com exceção do
presidente e dos diretores, os demais funcionários precisam ser concursados e
só podem ser demitidos por justa causa.
Muitos
funcionários estão descontentes – por diferentes motivos. Parte critica a falta
de recursos da CVM. Outra parcela é contra algumas mudanças. Na primeira semana
de julho, Pereira reuniu 200 deles num restaurante para que falassem sobre os
problemas de sua área e dessem sugestões. Quem não quisesse se expor podia
escrever ideias num post-it e colá-lo numa parede. No fim do encontro, havia
mais de 1.000 bilhetinhos ali. Por enquanto, é mais papelada para analisar.
Updating: Quem ler essa matéria, não deixe de ler o comentário do Paulo logo em seguida.
E acrescento que a CVM funciona em alguns andares de um prédio alugado em uma rua escondida no centro do Rio. Será esse um indicador da relevância da entidade? Será que não deveria estar na pomposa Presidente Vargas ou Rio Branco? Na verdade, isso talvez seja o de menos!
O bom é que é essa rua escondida (a Sete de Setembro) cruza com a Gonçalves Dias, onde fica a Confeitaria Colombo... E é muito bom poder estar perto para apreciar o lugar e suas iguarias!
Texto
de Thiago Bronzatto para Revista Exame