Texto publicado no Jornal Valor Econômico em 28 Jan. 2010
Por Guilherme Santos Borrego (advogado)
A administração de bens comuns ou de terceiros faz jus ao dever de prestar contas. Independentemente do tipo societário adotado, devem os administradores prestar contas de sua atuação. O Código Civil, no que diz respeito às sociedades simples e sociedades empresárias limitadas, contempla, de forma única, a obrigação de os administradores prestarem anualmente contas justificadas de sua gestão e apresentar o inventário e os balanços patrimonial e de resultados. Aos sócios, por seu turno, resta a incumbência de analisar referidos documentos no prazo de até quatro meses após o término do exercício social, em sede de reunião ou assembleia de sócios, isto é, tomar as contas dos administradores.
Tomar as contas significa verificar as operações realizadas pela administração, os lançamentos contábeis e documentos que o embasam, bem como os dados do balanço patrimonial e de resultado econômico. Aprovadas as contas, devem, ainda, os sócios, deliberar sobre a destinação do lucro do exercício - se existente.
Além de possibilitar uma distribuição correta dos dividendos, a aprovação de contas tem como efeito isentar de responsabilidade os administradores e membros do conselho fiscal, no período da gestão a que elas se referirem, ressalvadas as hipóteses de erro, dolo ou simulação.
Desse modo, vale esclarecer que o inventário e os balanços, patrimonial e de resultados, enquanto não aprovados pelos sócios, não produzem efeito. Na lógica desse sistema, as contas do exercício só têm existência jurídica quando sobre elas tiver recaído deliberação homologatória da assembleia ou reunião de sócios. Até lá, são meros projetos, propostas ou elementos técnicos, que não apresentam o caráter de atos jurídicos perfeitos e acabados.
Uma sociedade limitada, contudo, por toda a sua existência, pode não realizar a reunião ou assembleia de aprovação de contas, ou elaborar o inventário e o balanço exigidos pela lei. Inexiste consequência direta ou penalidade prevista em lei para tal omissão, sendo por certo resguardado o direito de os sócios exigirem as contas e o cumprimento das demais obrigações aplicáveis à administração da sociedade. Em que pese à inexistência de sanção ou sequela prevista na lei pela não aprovação das contas do exercício, podemos certamente listar algumas implicações.
A aprovação de contas é assunto que diz respeito, em um primeiro momento, ao relacionamento dos sócios entre si e destes para com a sociedade. Nesse âmbito, sem que as contas anuais do exercício tenham sido aprovadas, não podemos considerar o lucro apurado, uma vez que inexiste juridicamente uma clara determinação da situação patrimonial da empresa. Ainda, nas sociedades limitadas cujos contratos sociais determinam a regência da Lei das Sociedades Anônimas em caráter supletivo, os administradores podem ficar incursos em responsabilidade solidária, devendo repor à caixa social a importância distribuída, sem prejuízo do ajuizamento da ação penal que no caso couber. Os sócios quotistas, por sua vez, poderão ser obrigados a restituir os dividendos que tenham recebido, pois se presume a má-fé quando os dividendos forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados deste.
Ademais, a ausência de aprovação das contas impossibilita uma análise conclusiva sobre os atos da administração, considerando que os reflexos econômico-financeiros resultantes da gestão da referida administração não serão levantados. Neste passo, a aprovação também é decisiva para a manutenção ou destituição dos administradores da sociedade.
Noutra seara, a aprovação de contas reflete um interesse público. Perante terceiros, as contas do exercício, quando devidamente elaboradas, tornam-se uma ferramenta essencial para que seja avaliada a situação financeira e os resultados da empresa, indispensável para que os que com ela negociam possam avaliar o risco do crédito que lhe concedem, bem como para que os interessados em adquirir fração de seu capital social, ou nela ingressarem como sócio, possam tomar suas decisões respaldados em informações certas e verificadas.
Não obstante, no direito tributário, as informações contidas no balanço constituem partes integrantes da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ), e, portanto, apresentam a natureza de meios de prova do lucro real sujeito a tributação. Quando regularmente aprovado, o balanço goza de presunção de verdade, de tal modo que o Fisco só pode deixar de considerar os elementos dele decorrentes, se fundamentado na violação das formalidades legalmente prescritas no ato de sua elaboração.
Finalmente, no campo do direito econômico, podemos registrar outras duas consequências da não aprovação das contas. Uma delas é específica das sociedades com participação de capital estrangeiro, pois, perante o Banco Central, a existência de um balanço regularmente aprovado é pressuposto do exercício do direito de transferência do capital investido ou remessa de lucro para o exterior. Outra implicação relaciona-se à obtenção de empréstimos e financiamentos no BNDES. A pessoa jurídica interessada em obter empréstimos e financiamentos deverá estar em dia com as suas obrigações fiscais, tributárias e sociais, devendo prestar informações sobre os seus dados econômicos e financeiros, que deverão ser baseados nos três últimos balanços da empresa e no balancete mais recente.
Assim, podemos concluir que a prestação de contas constitui uma ferramenta útil aos sócios e terceiros que tenham interesses ligados à sociedade, na medida que revela o desempenho econômico-financeiro da sociedade e permite uma avaliação global dos resultados da administração. Reconhecendo o valor que a prestação de contas agrega à sociedade civil, o ordenamento jurídico protege-a de tal sorte que acabará por penalizar os empresários que estiverem à margem de sua regulação.
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