Esta semana foi
aprovada a Lei nº 14.039, de 17 de agosto de 2020. Esta lei promoveu alterações
no Estatuto da OAB e no Decreto-Lei nº 9.295/1946, que rege o exercício da profissão
contábil no Brasil.
O objetivo principal
da alteração da lei é dispor sobre a natureza técnica e singular dos serviços
prestados por advogados e por profissionais de contabilidade.
Porém o mais
importante são as implicações práticas dessa alteração: com esse enquadramento
expresso dos serviços contábeis como de natureza técnica e singular, esses
serviços podem ser contratados por inexigibilidade de licitação. Em outras
palavras: sem licitação.
Além de todos os
problemas que costumamos ver noticiados sobre contratações sem licitação nos
diversos níveis da administração pública, isso implica também em risco real de
redução ainda maior da realização de concursos públicos para contratação de contadores.
Apesar de a lei pontuar a necessidade de comprovar notória especialização profissional, a experiência tem mostrado que essa comprovação pode ter caráter apenas burocrático e cerimonial.
Outro ponto é o risco
real de fechar o mercado a jovens profissionais que gostariam de atuar em
órgãos públicos, mas não teriam como comprovar notória especialização.
Que acharam dessa alteração?
Trecho da Lei nº 14.039/2020 que se
refere aos serviços contábeis:
Art. 2º O art. 25 do
Decreto-Lei nº 9.295, de 27 de maio de 1946, passa a vigorar acrescido dos
seguintes §§ 1º e 2º:
"Art. 25.
§ 1º Os serviços
profissionais de contabilidade são, por sua natureza, técnicos e singulares,
quando comprovada sua notória especialização, nos termos da lei.
§ 2º Considera-se notória especialização o profissional ou a sociedade de profissionais de contabilidade cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato."
De forma geral,acho que pode abrir brecha para a volta da contrataçao de PJ e da contrataçao de PF sem concurso.
ResponderExcluirExatamente. Além dos critérios duvidosos para definir quem seriam os profissionais com notória especialização.
ExcluirComo seria comprovada essa notória especialização?
ResponderExcluirProvavelmente por meio da exigência de comprovação documental.
ExcluirTem algum jabuti aí. A contratação de terceirizados/empresas por inexigibilidade já era prática comum. No entanto, parece que não há consenso, por parte dos Tribunais de Contas, sobre a legalidade dessa forma de contratação. Ora permitem, por se tratar de "natureza técnica e singular", ora não permitem, por notarem que essencialmente se trata de burla ao concurso público.
ResponderExcluirJá vi algumas decisões de Tribunais de Contas, que me parecem muito sensatas, sobre o serviço prestado pelo contador ser considerado "de natureza técnica e singular" se e somente se for algo excepcional, temporário, que esteja além da capacidade operacional do quadro de pessoal permanente naquele momento. O que mais se vê, no entanto, são as "consultorias" contábeis (sim, entre aspas, pois deveriam ser registradas no elemento 39 ou 34, não no 35), contratadas sem licitação, exercendo atividades rotineiras (como fechamentos mensais), que por conseguinte não poderiam ser enquadradas como "de natureza singular", afastando a possibilidade da inexigibilidade.
Já vi caso de o Tribunal de Contas apontar, no Relatório Anual, contratações irregulares, por inexigibilidade, de "consultoria contábil", "consultoria jurídica" e "consultoria administrativa" por exercícios consecutivos, porém o município não regulariza a situação e fica por isso mesmo. O que aconteceu com o "manda quem pode, obedece quem tem juízo?"
No final das contas, essa lei vem para causar mais confusão, em vez de se pautar no bom senso e mirar a segurança jurídica. Uma pequena vitória para as "consultorias", que ganham fôlego extra para argumentar a favor da ilegalidade/imoralidade que é a contratação direta pautada em critérios pouco ou nada republicanos.