Contabilidade: Crise leva a aumento de interferência política nas regras contábeis
Como se diz "colchão anticíclico" em 27 idiomas? Este é o termo mais suave - mas aparentemente politicamente aceitável - rondando em Bruxelas para descrever a prática de fazer com que os bancos guardem colchões de liquidez para os dias chuvosos.A contabilidade poucas vezes antes foi tão política. O processo de incluir esses fundos para dias chuvosos nos balanços financeiros levanta todo tipo de questões, altamente suscetíveis.
Nos últimos seis meses, as autoridades em cargos eletivos obrigaram tanto o Conselho de Padrões de Contabilidade Internacional (Iasb, na sigla em inglês) como seu par nos Estados Unidos, o Fasb, a mudar as normas. Na França, sob o comando de Christine Lagarde, as autoridades disseram na semana passada que o voltarão a fazer.
Era de se esperar que isso ocorresse, à medida que os políticos analisam o que saiu errado na crise financeira e o que podem mudar.
A contabilidade como profissão não está sozinha como ímã de atração da atenção dos políticos. Regras em esboço na Europa propuseram grandes mudanças em outros setores periféricos da crise, como os fundos hedge e grupos de investimentos em participações.
A contabilidade, contudo, envolve um conceito fundamental que sustenta os mercados - as empresas precisam apresentar para seus donos o que estão fazendo, com informações confiáveis, de alta qualidade e dentro do prazo.
Não conseguirão fazer isso se o que precisam mostrar e a forma como o mostram estão mudando constantemente como resultado de interferências políticas.
"Fui um político. Entendo o que ocorre em termos de pressão sobre os políticos para fazer algo [para] solucionar esses problemas. É, simplesmente, imensa", diz Hans Hoogersvorst, diretor do órgão regulador de valores mobiliários da Holanda e ex-ministro da Saúde e Finanças.
Hoogersvorst também é co-presidente do Financial Crises Advisory Group (FACG), um agrupamento interessante de ex-autoridades reguladoras e outras pessoas de destaque que assessoram tanto o Iasb como o Fasb sobre tópicos de contabilidade ligados a crises.
Os integrantes, de forma nenhuma, conseguem concordar sobre o que deve ser feito, o que contribui para debates vivos e intercâmbios abertos.
Uma coisa com o que concordam, no entanto, é que os políticos precisam parar de interferir em detalhes do que precisa ser mudado.
"O Iasb e o Fasb não deveriam ser forçados a entrar em uma espiral descendente, uma corrida para baixo, na qual um deles é pressionado a assumir uma posição mais leniente e o outro, então, precisa ajustar-se da mesma forma", diz Hoogersvorst. O FACG escreveu na quinta-feira ao primeiro-ministro do Reino Unido, Gordon Brawn, como presidente do Grupo dos 20 (G-20), para reiterar esse ponto.
Por sua vez, também respondeu aos pedidos franceses nesta semana para que o Iasb siga as mudanças feitas pelo Fasb neste mês. Estas e as mudanças que Bruxelas obrigou o Iasb a fazer em outubro passado tiveram como resultado líquido o alívio da contabilidade de instrumentos financeiros de formas que beneficiassem os balanços dos bancos. Isto cheira a interesses especiais de grupos lobistas.
O fato de políticos estarem se envolvendo em contabilidade tem algumas vantagens. Com frequência, os auditores são considerados como alienados com poucos interesses fora de seu próprio mundo. Talvez sejam assim. Mas tal forma de pensar deixa o setor debatendo assuntos que, na verdade, interessam a todos.
A contabilidade de produtos de estrutura complexa nesta crise é ainda mais complicada de entender do que os próprios produtos. O Iasb quer seis meses para remodelar toda a questão inteiramente. Dada a complexidade do assunto, é uma tarefa complicada.
Mas os políticos devem dar aos auditores essa chance. Eles podem, e devem, estar envolvidos, mas não tentando constantemente ajustar as regras. Mudanças fragmentadas que pareciam ser pouco importantes de forma independente, quando se somaram com a incapacidade de compreender o quadro geral, levaram o mundo a esta crise. Certamente, não será com ajustes provisórios que sairemos dela.
5 de mai. de 2009
Normas atraem interesse público
Por Jennifer Hughes, Financial Times, de Londres.
Do Valor Econômico, 04.05.2009
Fonte: CFC Notícias
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