MOMENTO DE DECIDIR
* Por Luiz Marcatti
Nos últimos três anos os mercados emergentes passaram por uma verdadeira febre nos processos de abertura de capitais nas suas Bolsas de Valores e o Brasil não ficou fugiu à tendência. Os IPO’s (do inglês, oferta pública inicial de ações) povoaram as mentes, os sonhos e as decisões de muitos empresários. Este movimento afetou diretamente a vida de muitas das grandes empresas, e até mesmo de muitas das médias, que almejavam alcançar outro patamar.Passada a euforia, o que vemos neste momento é que os resultados, muito positivos à época dos lançamentos das ações, passaram a declinar e, muitos deles tornaram-se até negativos, traduzindo-se em perda de valor da companhia. A crise internacional que afeta a liquidez dos mercados é um importante acelerador desta desvalorização, mas antes do seu agravamento, os sinais dessa perda de valor já eram perceptíveis. Em uma análise mais cuidadosa, buscando isolar este fator externo para nos focarmos nas questões internas das empresas e de seus mercados, o que temos é um quadro bastante complexo.
Durante o período de abundância da liquidez mundial, aumentou o apetite ao risco por parte dos investidores e somou-se a isso uma considerável melhora na análise do Brasil nas agências de risco. Para atender a este crescente fluxo de recursos, aconteceu o inevitável: um movimento agressivo por parte dos bancos de investimento, no sentido de estimular e preparar as empresas para que essas não deixassem passar as tais “janelas de oportunidades”.
Em diversas companhias, dentre as que se candidataram e abriram seu capital, encontramos um importante grupo que, até este momento, funcionava em um modelo de governança corporativa muito típico, com o poder concentrado em um único ou poucos acionistas, com regras muito pessoais para tomar e implementar suas decisões. Para estarem aptas a se enquadrar no Novo Mercado da Bovespa, muitas delas tiveram que apressar o redesenho de sua estrutura de governança, dentro do que o mercado avalia como boas práticas. Foram então criadas as regras e os órgãos necessários. Mas sua implantação, mais acelerada do que essas companhias e seus donos estavam acostumados, não transcorreu exatamente como o esperado. Surgiram então dificuldades em se fazer valer, na prática, que o que está escrito e combinado seja refletido nas atitudes de comando.
Implantar Boas Práticas de Governança Corporativa requer um bom tempo para entendimento, discussão, construção dos seus modelos e regras, além do necessário aprendizado sobre como os acionistas, suas companhias e as demais pessoas a elas ligadas são impactadas nessa nova fase. Quem sempre tomou decisões sozinho, ou com poucos, precisa de um tempo de conscientização e de adaptação ao novo modelo. Tempo este que conflita com as oportunidades do mercado e com os anseios dos investidores. No âmbito da gestão dessas empresas, encontramos outros fatores decisivos para assegurar o desempenho esperado pelo mercado. Da mesma forma como ocorre nos modelos de governança dessas companhias, a definição de objetivos e diretrizes estratégicas também fica concentrada na cabeça de poucos. O empreendedor tem uma visão para onde a companhia vai, mas não necessariamente a compartilha com outras pessoas.
Como essas empresas nasceram, cresceram e tornaram-se rentáveis, não vamos ficar questionando se agir desta forma é certo ou errado; mas sob a ótica de investidores profissionais, apoiados em análises científicas, fica difícil fazê-los acreditar apenas no empreendedorismo desses empresários.
Entram então em cena os profissionais que apóiam as empresas na construção de seus business plan que, além de tecnicamente bem montados, mostram projeções agressivas para o crescimento das operações e de suas performances, para torná-las atraentes. Mas muitos destes planos estão se mostrando de difícil implantação e seus resultados têm sido muito aquém do prometido.
Diversos planos dependiam de grandes investimentos para acontecer. Mais uma vez temos a presença dos bancos de investimentos, que já estavam atuando como coordenadores dos projetos de IPO, passam também a fazer o papel de financiadores destes start-ups de projetos, alavancando os ativos da companhia.
Várias destas operações de financiamento embutiam, além dos juros, um prêmio aos bancos pelo sucesso na abertura de capital -- que poderiam ser em dinheiro, ou mesmo em um percentual de ações da companhia. Na ponta do lápis, esse prêmio representou um financiamento caro para qualquer caixa. Ou seja, uma maneira de acelerar o processo de crescimento da empresa, a fim de torná-la mais atraente aos potenciais investidores. Dado este passo, a companhia passa a ser uma vitrine aberta ao acompanhamento de analistas. Antes disso, os donos decidiam seus investimentos, assumiam seus riscos, assimilavam suas perdas ou comemoravam seus ganhos. Agora, tornaram-se vulneráveis às expectativas de ganhos, oscilações de humores e apetites ao risco do mercado.
Esta situação pode agravar-se mais ainda em alguns mercados que, por estarem em forte expansão dos seus negócios, levaram diversas empresas a abrir seu capital para aproveitar a onda. Quando essas empresas partem para a abertura de capital, seus planos de negócio e metas acirram a competitividade no setor, levando-as a assumir muito mais riscos. A companhia torna-se mais agressiva em preços e crédito para alavancar seus resultados. Torna-se prática comum entre essas companhias partir para a aquisição de concorrentes menores, quase sempre supervalorizando esses ativos.
Neste momento, o mercado mostra-se mais impaciente e começa a indicar que deverá haver um processo de consolidação. Em resumo, as companhias passam a valer cada vez menos. Especula-se então sobre quem será o consolidador, quem terá fôlego para comprar ou fundir-se àquelas que não sustentam seus business plan. Vários acionistas controladores estão preferindo recomprar suas ações, tentando impedir que a desvalorização de seu patrimônio continue, ou como uma forma de sinalizar ao mercado que continuam acreditando em seu potencial de negócios.
Um mercado de capitais forte é importante fator de crescimento do ambiente empresarial e da economia de um país. Mas é preciso que a empresa e o empresário estejam bem preparados para entrar neste jogo. Então, fazer a lição de casa como se deve, avaliar bem o momento de entrar neste mercado e ter a frieza para decidir entrar ou não, em meio a tantas pressões para isso, poderá ser decisivo para a perenidade de sua empresa. O autor norte americano Don Tapscot em seu livro “A Empresa Transparente” cita a seguinte premissa: “Se é para ficar nu, é melhor que esteja em forma”.
(*) Luiz Marcatti é sócio e diretor da Mesa Corporate Governance (www.corporategovernance.com.br)
Fonte: http://www.revistarazaocontabil.com.br
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