19 de out. de 2008

Agenda lotada na Contabilidade Brasileira

Agenda lotada na contabilidade
Por Graziella Valenti, de São Paulo

Quem achou o primeiro semestre agitado para as discussões contábeis vai se assustar ainda mais com o segundo. Para cumprir com o cronograma de emissão de normas estabelecido para este ano, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) vão inundar os próximos meses com consultas públicas e normas que atendam à nova lei contábil. Pelo menos nove assuntos deverão ser regulados ainda neste ano. Além dos novos temas, o mercado vai encarar repetições. Ainda neste mês, a CVM vai devolver para a consulta pública a regra que discute ativos intangíveis, como o registro de marcas e patentes. A diferença é que agora a norma não tratará mais de ágio. "Grande parte das sugestões pedia que não fosse feita ainda nenhuma adaptação sobre o ágio", contou José Carlos Bezerra, diretor interino de normas contábeis da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O ágio é o prêmio pago em aquisições sobre o valor contábil de bens e companhias. Trata-se de uma das questões mais delicadas quando o assunto é a nova legislação contábil. A aprovação da Lei 11.638 no apagar das luzes de 2007 deixou pouco tempo para a CVM regular o novo ambiente. Ficou faltando também um entendimento da Receita Federal sobre as alterações das regras e seu impacto fiscal. A previsão é que não haja efeito tributário, mas ainda falta o pronunciamento do Fisco garantindo esse entendimento. A nova legislação coloca o Brasil definitivamente na rota da convergência aos padrões contábeis internacionais, o IFRS. As normas domésticas que detalham como aplicar a diretriz dada pela lei, a serem emitidas pela CVM, serão inspiradas nos princípios internacionais. Quando o tema é ágio as companhias abertas tremem. De acordo com levantamento do Valor com base em dados da Economática, as empresas têm um estoque de R$ 35,5 bilhões de ágio. A amortização desse saldo tem efeito de despesa no balanço, o que gera economia fiscal às empresas por reduzir o lucro tributável. Numa conta simples, é o mesmo que dizer que as companhias têm economias fiscais da ordem de R$ 12 bilhões esperando para serem aproveitadas pelos próximos 10 anos. Pela nova legislação, a demonstração de resultado que for levada ao investidor não mais poderá ter essa amortização - mesmo que a Receita permita a continuidade dessa prática. Assim, não há interesse de se mexer nessa conta sem clareza sobre o entendimento do Fisco. Na minuta sobre ativos intangíveis que esteve em consulta até 26 de maio, a CVM já começava a entrar no tema do ágio. A programação inicial da autarquia previa que uma parte das normas para esse item do balanço fizesse parte do pronunciamento sobre intangíveis e outra, do documento sobre fusões e aquisições (combinação de negócios). Agora, segundo explicou Bezerra, o debate poderá ser feito de uma única vez, para ficar mais simples às empresas. Bezerra garante, porém, que a nova consulta pública para os intangíveis não comprometerá o restante das normas. E, apesar dessa mudança, a norma para ágio deve sair ainda neste ano, para aplicação em 2009. Francisco Papellás Filho, presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), disse que a decisão é positiva. Ele explicou que, ao separar as normas de intangíveis e de ágio, os pronunciamentos brasileiros ficarão mais próximos dos internacionais nos quais se espelham. Nelson Carvalho, presidente do Conselho Consultivo de Normas do Iasb, órgão internacional responsável pela elaboração do IFRS, acredita que o processo de retomada da consulta pública é saudável. "É assim mesmo que tem que ser. É muito saudável. No Iasb, acontece com muita freqüência " disse, lembrando que há temas que são levados ao público até três vezes. Para as companhias, é um alívio não ter que pensar nesse tema neste ano. Com a retirada do ágio da minuta sobre ativos intangíveis, o pronunciamento se concentrará no detalhamento técnico das novidades inseridas pela lei - como o registro do valor da marca, em casos de aquisições. Há ainda explicações sobre como contabilizar patentes e até sistemas de tecnologia desenvolvidos internamente. Os demais temas que serão normatizados ainda neste ano são os mais essenciais para aplicação das diretrizes estabelecidas pela Lei 11.638. "Não tem opção de não fazer", comentou Papellás. Segundo ele, que também participa do CPC, o comitê já tem praticamente prontos os próximos cinco pronunciamentos. Embora haja poucas normas emitidas, os participantes do processo acreditam que ainda não há porque falar em atraso na divulgação das regras. Bezerra, da CVM, explica que a previsão divulgada no primeiro semestre considerava o desenvolvimento da minuta e não a emissão da norma. Pelo cronograma da época, até agosto, boa parte dos temas já deveriam estar prontos para serem levados ao público. A idéia é que tanto a consulta quanto a emissão das normas previstas ocorram neste ano. Embora a emissão da regra seja vital para os contadores produzirem os novos balanços, o foco de maior ansiedade continua sobre a Receita Federal. Todos aguardam um posicionamento sobre a garantia da neutralidade fiscal. Para os agentes envolvidos, a mudança da diretoria do órgão, com a saída de Jorge Rachid, não deve afetar a diretriz dos trabalhos. Ainda assim, a notícia adicionou um pouco de apreensão sobre o cenário, já recheado mais de dúvidas do que de respostas. Procurada, a Receita Federal não comentou o cronograma de sua análise do novo ambiente contábil brasileiro.

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