A convergência das normas contábeis internacionais
Por Roberto Teixeira da Costa e Nelson Carvalho
O International Accounting Standards Board (Iasb) foi criado a partir da transformação, no fim dos anos 90, do antigo International Accounting Standards Committee (Iasc), de 1973, depois das crises que afetaram diferentes países asiáticos. Autoridades e especialistas concluíram necessária a definição de critérios uniformes de contabilidade, tecnicamente robustos e claramente comprometidos com uma total transparência do desempenho empresarial. Portanto, deveria ser reformulada e reforçada uma entidade independente que pudesse definir critérios universais e padrões que fossem aplicados por todos os países de maneira idêntica e compreensível.
Renasceu então o Iasc, na sua atual forma de Iasb, pela iniciativa de grandes lideranças mundiais, aprovada e defendida pelos órgãos reguladores reunidos na Iosco, por diferentes federações de contadores ou de auditores, por associações de analistas de investimentos, lideranças da comunidade acadêmica internacional e personalidades do cenário financeiro mundial. A independência da instituição seria mantida por um órgão superior composto pelos "trustees" (curadores), geograficamente distribuídos e empreendendo iniciativas em diferentes países e regiões do mundo, respeitando suas diversidades. Inicialmente foram 19 e, na revisão constitucional deliberada em 2005, esse grupo foi ampliado a 22 membros. A cúpula do "board" propriamente dito foi constituída por 14 membros desde a origem e assim permanece.
A questão óbvia é por que razão não foi adotado o padrão Gaap, implementado e operado pelo Fasb dos EUA, sabidamente sede do mercado de capitais mais desenvolvido do mundo?
Pesaram razões políticas e conceituais, pois a abordagem da contabilidade praticada pelos americanos é extremamente vinculada a uma malha legal e infralegal que lhes é própria, não sendo passível de "exportação" somente seu conjunto de Gaap senão requerendo-se, em cada jurisdição, a "importação" também dos principais preceitos americanos de direito societário, lei comercial, lei de valores mobiliários, entre outras que afetam a escolha de Gaap que se fez nos EUA ao longo de décadas.
Desde seu lançamento, ficou claro que o objetivo do Iasb deveria ser o de trabalhar em conjunto com o Fasb, não só para desenvolver e implementar regras em conjunto, como também definir metas para medidas já aprovadas por ambos normatizadores.
Nesses cinco anos de existência após a reforma do antigo Iasc, a atuação do Iasb tem sido marcante. Definir as IFRS não pode ser acusada de uma atividade passiva. As críticas que têm sido dirigidas ao seu trabalho estiveram mais ligadas à, por vezes excessivamente ambiciosa, velocidade de emissão das novas normas.
Um bom exemplo é a polêmica norma IAS 39 (herdada pelo Iasb do antecessor, Iasc), que teve implicações sérias quanto à aceitação do conceito de "fair market value", extremamente contestado principalmente por alguns países europeus e pelos japoneses.
O Iasb vem estabelecendo um amplo diálogo com o Fasb. O primeiro documento nesse sentido foi a assinatura do protocolo de Norwalk, em 2002.
No entanto, o passo mais importante foi dado com o anúncio, em 27 de fevereiro último, de um Memorando de Entendimentos entre o Fasb e o Iasb, relatando a definição de um mapa de convergência com objetivo concreto para 2008, objetivando eliminar o requisito de reconciliação de lucros e de patrimônios líquidos para emissores de valores mobiliários registrados na Bolsa de Nova York em 2009.
Vale ressaltar que o mapa da convergência tem como pontos essenciais:
1) Projetos de convergência de curto prazo: temas a serem examinados pelo Fasb visando proposição de medidas de convergência - a opção de "valor justo", o conceito de "impairment" (exame conjunto Fasb/Iasb), contabilização de Imposto de Renda (também exame conjunto por ambos os "boards"), bens de raiz usados como investimentos, gastos com pesquisa e desenvolvimento, e eventos subseqüentes à data do balanço.
Temas a serem examinados pelo Iasb visando proposição de medidas de convergência, além dos temas conjuntos acima citados: tratamento contábil dos custos de endividamento, concessões governamentais, contabilidade de joint ventures e divulgações de segmentos de negócios.
2) Tópicos de longo prazo já constantes da agenda vigente: combinações de negócios/investimentos societários; consolidação de demonstrações financeiras; orientação sobre mensuração do "fair value" (não quando, porém como); distinções entre exigibilidades e patrimônio líquido; relatórios do desempenho empresarial; benefícios pós-aposentadoria, inclusive pensões; reconhecimento de receita.
3) Tópicos já sendo pesquisados mas ainda não incluídos na agenda corrente: 'des'reconhecimento de ativos e passivos; instrumentos financeiros (substituição da norma existente); ativos intangíveis; arrendamento mercantil.
Em nenhum momento imaginou-se que os objetivos da convergência seriam facilmente atingidos, não só pela dificuldade de aproximação de conceitos distintos, como também pelas diferentes culturas contábeis e as práticas delas decorrentes, bem como, também por razões políticas.
Assim sendo, esse mapa é extremamente relevante e, caminhando nesta direção, estamos dando um passo enorme para diminuir custos operacionais e de transações das empresas, tornar a contabilidade mais inteligível e transparente, reduzir custo de capital pelo maior entendimento do desempenho empresarial e ao final facilitar a vida de todos os seus usuários.
Depois de brindados com a notícia do Memorando de Entendimentos entre o Fasb e o Iasb, surge, em 10 de março último, o Comunicado Banco Central nº 14.259, dando conta de uma deliberação do colegiado de sua diretoria visando convergir as normas aplicáveis às instituições financeiras no Brasil às normas do Iasb até 2010, para o que se determinam providências necessárias de diagnóstico e de revisão e eventual reedição de normativos Bacen ou CMN para o fim pretendido. Resta-nos esperar que o projeto de lei 3.741, em tramitação no Congresso Nacional, logre aprovação sem deturpação de suas cláusulas pétreas, e que as demais agências reguladoras brasileiras sigam os passos do Banco Central do Brasil, para o bem de nosso mercado de capitais, das captações de nossas empresas e de nosso desenvolvimento econômico. O "investment grade" virá mais rápido com a convergência total.
Roberto Teixeira da Costa é ex-primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Nelson Carvalho é presidente do "Standards Advisory Council" do International Accounting Standards Board (IASB), em Londres.
Fonte: http://www.fenacon.org.br/
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