Uma face oculta na Crise Financeira e as Normas Internacionais de Contabilidade
por Antônio Lopes de Sá
O prestigioso jornal “Le Monde”, de Paris, do último dia 30 de setembro, enseja a insinuação em um artigo sob o título “Mercados financeiros: os efeitos perversos da transparência”, de que sejam as Normas de Contabilidade as culpadas pela crise financeira atual, face à permissibilidade que ensejaram no falseamento de informações; a autoria do referido é do Diretor do Instituto de Gestão Empresarial de Lyon, Pierre-Yves Gomez.
Afirma o conceituado articulista que na crise anterior, quando a ENRON e outras provocaram sérios problemas atribuiu-se a culpa aos administradores de não seguirem as regras, mas, que agora tudo tinha exatamente as normas como base, permitindo inferir que elas ampararam informações falsas.
No “Diário de Notícias” de Lisboa, do mesmo mês, entrevistas e artigos interrogaram sobre as omissões das milionárias auditorias e perguntaram como tudo poderia ter acontecido sob a complacente observação das autoridades governamentais, estas incumbidas de fiscalizarem o mercado de capitais.
A renomada revista “The Economist” dias antes associara a crise à informação contábil (sob a manchete “The crisis and fair-value accounting”) derivada de erros fundamentados no que as normas ensejaram.
Segundo a famosa publicação até o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos admitiu publicamente que a adoção do denominado “valor justo” (imposto pelas Normas) teria sido o responsável pela ocorrência desastrada.
Dentre as criticas pesadas, de grande expressão, já ocorrera também, em sentido de sátira, a feita pela famosa Goldman Sachs, uma das maiores analistas de mercado de capitais do mundo, no artigo que fez editar sob o sarcástico título de “Alice no País das Maravilhas Contábeis”, no qual desaconselhava investimentos baseados em balanços inspirados nas Normas Internacionais do IASB.
A referida Revista “The Economist” informou que as acusações da Goldman se comprovaram verdadeiras, não tinham sido mera hipótese, mas, sim, uma realidade que na atualidade se comprovava verdadeira na prática, consubstanciada em grave crise.
O sucedido com a Lehman Brothers e com o “American International Group” demonstrou em números todo o desacerto da medida normatizada.
As noticias que se veicularam e ainda se veiculam de que a implantação das ditas Normas Internacionais estimulariam investimentos, ajudariam a clareza, estão agora em questão nas principais potências mundiais, provocando interrogações; entrementes, no Brasil, uma intensa propaganda favorável ás ditas Normas, amparadas pela lei e entidades governamentais, marcham na contramão do que na imprensa internacional se difunde.
A entidade máxima contábil em Portugal, o CTOC (Câmara dos Técnicos oficiais de Contas), equivalente aqui no Brasil ao Conselho Federal de Contabilidade, por suas lideranças, e ostensivamente, pela palavra e por manifestos do ilustre presidente da mesma Prof. António Domingues Azevedo, coloca em dúvida a competência do IASB; acusam, ainda, o processo não democrático de impor as normas, estas que ostensivamente se mostram lesivas ao interesse milhões de pessoas.
Na Espanha, decreto real há poucos meses, conflitou-se com as referidas Normas ditas Internacionais, recusando a uma cega obediência.
Uma face oculta, pois, da crise, mesmo protegida por amplo noticiário que mais coloca em relevo efeito que causa, vem sendo evidenciada por algumas figuras de alta expressão.
O “Semanário Econômico” de Lisboa, em 3 de outubro último, evidencia com clareza que “Especialistas concordam que é preciso mudar as regras do jogo” no sentido de buscar realidade e reduzir sofisticações que só mascaram informações.
Na matéria que o referido jornal editou criticada foi a “suposição de cenários” que as normas ensejaram, afirmando que o problema não se resolve pela tal “governança” tanto alardeada, mas, sim de um mercado que receba informação com maior sinceridade.
A falsidade informativa, todavia, essa que lançou cortina de fumaça para que a crise pudesse ganhar corpo, é repetição do que há mais de 30 anos ocorreu e que foi advertido no Senado dos Estados Unidos pelos relatórios do Senador Lee Metcalfe, por eméritos professores universitários estadunidenses como Briloff e Zeff.
Fizeram-se posteriormente leis para controles aparentes, mas, não se combateram as causas, estas que enquanto não forem objetivadas promoverão crises em cadeia, pois, encontram-se na “elasticidade” do que de subjetivo ensejam as Normas Internacionais de Contabilidade, segundo se vem amplamente denunciando pela imprensa.
O que se alardeou como uma Contabilidade de alto nível mostra-se na prática incompetente para evitar a crise anglo-saxônia; assim alegam muitos intelectuais, como para citar um só exemplo o fez o emérito Professor universitário Domingos Cravo, em Maio último, em conferência proferida e aplaudida por mais de 3.000 profissionais no IX Congresso Internacional de Contabilidade do Mundo Latino; o mestre foi enfático em afirmar que se estava diante de uma “anarquia epistemológica”, e, o fez muito antes que a crise explodisse.
O que no Brasil, pois, se implantou com a Lei 11.638/07 foi uma submissão a esse regime que se mostra criticado, só apoiado por grupos de interesse, mas, condenado por entidades de classe contábil de responsabilidade, assim como por intelectuais deveras consagrados por obras e reconhecimento social e cultural.
Mais que palavras ficam comprovados pelos acontecimentos os erros de um sistema que apresentado a titulo de “convergência” está a produzir efeitos questionáveis.
As mazelas, pois, poderão, sim, atingir o Brasil, se deveras tornar-se cegamente submisso a um sistema que se mostra falido segundo as referências relevantes aqui apresentadas.
Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 14 de outubro de 2008
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