Batalha pela transparência fiscal
Texto publicado no Jornal Valor Econômico (03/12/2009)
A LRF é sem dúvida um marco importante na história das finanças públicas do país, mas está longe de ensejar clareza, objetividade e controle aos orçamentos dos governos, sem falar em outras práticas que envolvem o dinheiro público e que não são devidamente contabilizadas. Uma ressalva: não há referência ali a atos de corrupção, uma vez que, tratando-se de questão criminal, fogem obviamente da discussão puramente fiscal.
O erro de avaliação está na origem do ponto de vista. Para muitos integrantes do setor público, a LRF é tida como um documento definitivo, consagrado em seu avanço. Mas há falhas a considerar. A LRF, como se sabe, impôs limites aos gastos com pessoal, vinculados à receita corrente líquida, e também ao endividamento nas três esferas de governo.
No campo da despesa com pessoal, o tempo e as ingerências políticas foram se encarregando de flexibilizar interpretações. "Brechas" têm sido abertas, aplainando o "rigor" da lei. Na esfera do endividamento, sabe-se que até hoje não foram fixados limites de endividamento para a União, nem para a dívida consolidada e nem para a dívida mobiliária.
O tema foi abordado na semana passada, em seminário promovido pelo Núcleo de Estudos Fiscais (NEF). Os economistas José Roberto Afonso e Helio Tollini falaram sobre "Orçamento, Transparência e Controle dos Gastos Públicos", enumerando os problemas acumulados na área fiscal desde a vigência da LRF.
O gráfico ao lado, elaborado por eles, mostra a evolução do superávit primário do governo em geral. Caiu de pouco mais de 4% do PIB em janeiro deste ano para 1% do PIB em julho (considerando o acumulado em doze meses). O déficit nominal, um espelho ampliado e mais verdadeiro das necessidades de financiamento do setor público, também assusta. Está em 4,61% do PIB.
Em verdade, a crise financeira deflagrada no final de 2008 deixou a nu as contas públicas do país. Evidenciou o que já se sabia: o alto superávit primário e o baixo déficit nominal, sedimentados a partir de 2004, não foram conquistas de nenhum ajuste fiscal e muito menos fruto único da vigência da LRF.
Resultaram, sim, de abrupto aumento da carga tributária. Esta substituiu com forte e crescente ímpeto as vantagens que a inflação - por meio do imposto inflacionário - garantia para o "equilíbrio" das contas públicas.
A tática de ampliar a carga de impostos não se sustenta quando a economia entra em crise. A LRF, neste aspecto, funcionou como um "falso amigo": como os limites de despesas com pessoal estão vinculados ao desempenho da receita corrente líquida, quanto mais os impostos aumentam, mais os governos ganham margem para gastar naquela rubrica.
Quanto ao endividamento, torna-se urgente a introdução de referenciais que monitorem o volume da emissão de títulos públicos. Como se sabe, junto com a receita tributária e com a base monetária (emissão primária de moeda), a dívida pública é fonte de financiamento do déficit público. Os contribuintes muito agradeceriam se também fossem explicitadas e monitoradas as operações desenvolvidas pelo Banco Central com títulos do Tesouro Nacional. Essas relações, não obstante os quinze anos de estabilidade monetária, ainda funcionam como uma espécie de "buraco negro" nas contas do governo federal.
Mas, sempre deve haver esperança. Espera-se que o Congresso Nacional dê andamento ao projeto de lei que cria um novo regime de responsabilidade orçamentária e contábil, a Lei de Responsabilidade Orçamentária (LRO). Consolidado a partir das propostas dos senadores Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Renato Casagrande (PSB-ES), o projeto do relator, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Ele reestrutura a LRF, mexe com as regras da LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias - e com o PPA (Plano Plurianual), obrigando os orçamentos a terem horizonte de médio prazo para abrigar as expectativas de receitas destinadas aos investimentos públicos.
O projeto prevê regras para as emendas dos parlamentares. Entre elas, a que sugere que apenas os deputados apresentem emendas individuais ao orçamento, limitadas a apenas dez por mandato. Também proíbe a indicação de entidade privada como destinatária dos recursos e, ainda, limita a somatória de gastos destas emendas ao equivalente a 0,3% da receita corrente líquida projetada no orçamento. Também há limites para as emendas de bancada. O Executivo terá de cumprir o orçamento tal e qual aprovado pelo Congresso.
Para conhecer o projeto, acesse: www.legis.senado.gov.br/mate-pdf/69449.pdf
Os contribuintes esperam contar, desta vez, com orçamentos que tenham princípio, meio e fim, e que sejam de fácil entendimento. Afinal, tudo se passa no setor público com o dinheiro arrecadado do setor privado.
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