Essa
matéria foi comentada pelo professor Eliseu Martins da aula de Teoria do Lucro
e da Avaliação Patrimonial. Essa posição da ANS destaca uma tentativa de
sobrepor os interesses regulatórios a um true and fair disclosure!
Se
as normas contábeis teoricamente são elaboradas para proporcionar informação
útil (compreensível, comparável, confiável e relevante) para os diversos
usuários, as informações regulatórias devem ser elaboradas à parte e não em
detrimento de uma evidenciação que prejudique a adoção plena das normas.
Vale
destacar que até o mês de junho de 2011, o site do CPC continha explicitamente
a aprovação da ANS para interpretação técnica ICPC 10 e outras interpretações.
No entanto, a aprovação das interpretações técnicas foi "misteriosamente" retirada do site
do CPC no mês seguinte.
Normas contábeis no setor de
saúde
Texto de Pedro Cesar da Silva, publicado no Valor Econômico em 16/09/2011
Em
dezembro de 2009, a Agência Nacional de Saúde (ANS) publicou a Instrução
Normativa (IN) nº 37 pela qual incorporou à legislação de saúde as diretrizes
dos pronunciamentos técnicos emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis
(CPC).
Na
adoção inicial das normas internacionais de contabilidade é recomendável que as
sociedades avaliem seu ativo imobilizado pelo valor justo (valor de mercado),
assumindo esse valor como o novo custo desses ativos.
Nesse
sentido, o CPC editou a Interpretação Técnica - ICPC 10, o qual inclui
orientações sobre a adoção do custo atribuído (deemed cost) como
critério de avaliação para o ativo imobilizado (CPC 27).
Trata-se
de procedimento tecnicamente recomendável visando eliminar a distorção
provocada pela inflação acumulada, já que a possibilidade de corrigir as
demonstrações contábeis foi extinta a partir do ano-calendário de 1996.
As
operadoras de planos de saúde foram surpreendidas com a edição, pela ANS, da
Súmula nº 18 e da IN nº 47 no fim de julho, deliberando pela inaplicabilidade
para as entidades sujeitas à sua regulação da opção de avaliação do ativo
imobilizado pelo custo atribuído.
Assim,
as operadoras que se utilizaram do custo atribuído deverão efetuar ajustes em
seus registros contábeis retroativamente, retornando para o critério de custo
de aquisição, como se este tivesse sempre sido aplicado, inclusive tocante aos
efeitos decorrentes de investimentos sujeitos à avaliação pela equivalência
patrimonial.
Os
documentos e informações periódicos que sofreram os efeitos do reconhecimento
do custo atribuído devem ser retificados até o final do terceiro trimestre.
Felizmente não se faz necessário a reapresentação das demonstrações contábeis
do exercício encerrado em 31 de dezembro de 2010.
Um
dos argumentos utilizados pela ANS foi que a IN nº 37, de 2009, não determinou
a observância pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde das
interpretações técnicas emitidas pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis.
Destaca-se
que, segundo o regimento interno do CPC, as interpretações são emitidas para
esclarecer, de forma mais ampla, os pronunciamentos técnicos, evidente,
portanto, que as interpretações não inovam em relação aos CPC's interpretados
pelas mesmas.
Assim,
uma interpretação de lógica indiscutível é que o ICPC 10 foi recepcionado pela
ANS quando a mesma incorporou todos os pronunciamentos do CPC, dentre os quais
o CPC 27, que trata da avaliação do ativo imobilizado, e o CPC 37, que trata do
reconhecimento inicial dos CPCs, sendo que este último menciona,
explicitamente, o custo atribuído como critério opcional de avaliação do ativo
imobilizado.
O
prejuízo das operadoras é cristalino, tanto na impossibilidade de considerar os
ajustes a valor de mercado como parte de seu patrimônio líquido para fins de
determinação dos índices técnicos quanto aos custos já incorridos com a
contratação de especialistas para elaboração dos laudos de avaliação, seja pela
insegurança jurídica provocada pela revisão tardia de normas cujos efeitos já
se verificaram.
Do
ponto de vista técnico, podemos afirmar que a vedação impede que as operadoras
se alinhem às melhores práticas contábeis e na maior parte das vezes apresentem
demonstrações contábeis distorcidas pelo efeito acumulado sobre o valor dos
ativos de vários anos de inflação.
Sabemos
que o objetivo da ANS foi o de evitar que o reconhecimento do valor justo dos
ativos aumentasse o patrimônio das entidades influenciando no atendimento da
margem de solvência e, eventualmente possibilitando a distribuição de lucros ou
sobras (no caso das cooperativas de trabalho médico) maiores em relação àqueles
que seriam distribuídos sem referido ajuste.
Podemos
entender essa motivação, especialmente se considerarmos a preocupação quanto a eventuais
abusos na avaliação dos ativos. No entanto, lembramos que já existem mecanismos
para evitar eventuais abusos, nesse sentido, podemos citar a exigência de
auditoria independente.
Ademais,
lembramos, para demonstrar a incoerência da posição adotada pela ANS, que até
2007 era possível e admitido pela agência a constituição de reservas de
reavaliação.
Tecnicamente
não podemos afirmar que custo atribuído e reavaliação de ativos são institutos
idênticos, no entanto, os efeitos são semelhantes, assim, não há justificativa
para admitir a reserva de reavaliação e vedar o custo atribuído.
Assim,
ao invés de vedar a adoção do custo atribuído seria mais adequado estabelecer
exigências semelhantes àquelas previstas para o reconhecimento da reserva de
reavaliação, enquanto tal procedimento era permitido.
Adicionalmente,
foi mencionado pela ANS como argumento para não admitir o custo atribuído que o
inciso V do artigo 183 da Lei nº 6.404, de 1976, determina que os direitos
classificados no imobilizado sejam avaliados pelo custo de aquisição, deduzido
do saldo da respectiva conta de depreciação, amortização ou exaustão.
Caso
esse entendimento estivesse correto todas as empresas, mesmo aquelas não
sujeitas à regulação pela ANS, não teriam amparo para o reconhecimento do custo
atribuído, o que por si só demonstra a fragilidade do argumento.
Ademais,
o inciso V do artigo 183 da Lei nº 6.404, de 1976, não está dentre os que
sofreram modificação pela Lei nº 11.638, de 2007, e Lei nº 11.941, de 2009. No
entanto, a ANS nunca utilizou o mesmo para colocar-se contra a reavaliação de
bens do ativo imobilizado, procedimento permitido até o ano-calendário de 2007.
(...)