6 de jun. de 2009

As voltas da Contabilidade na Crise

A vitória contábil dos bancos americanos
Valor Online

Por Susan Pulliam e Tom McGinty, The Wall Street Journal
Não muito tempo depois que o chão desapareceu no mercado americano de títulos hipotecários, no fim do ano passado, um grupo de empresas do setor financeiro decidiu combater uma regra contábil que as obrigava a registrar bilhões de dólares em perdas com esses papéis.
Com uma milionária campanha de lobby, elas persuadiram importantes membros do Congresso a pressionar a indústria da contabilidade a mudar a regra em abril. O retorno deve ser resultados bem melhores neste segundo trimestre.
A questão contábil está no cerne da crise financeira: será que os papéis mais difíceis de avaliar não valem mais do que o mercado está disposto a pagar, ou será que o mercado ficou tão bagunçado que não consegue atribuir valores adequadamente? A mudança da regra enfureceu alguns defensores dos direitos dos investidores. "Isso é interferência política em uma questão importante, e suscita dúvidas de que a partir de agora os padrões de contabilidade tenham mesmo a qualidade e a integridade de que o mercado precisa", diz Patrick Finnegan, diretor de políticas de relatórios financeiros do CFA Institute Centre for Financial Market Integrity, uma associação de investidores.
Os que defendem a mudançadizem que ela era necessária porque as regras contábeis existentes nunca contemplaram uma turbulência no mercado como a do ano passado.
As regras exigiam que os bancos, corretoras e seguradoras usassem cotações de mercado para atribuir valores a títulos hipotecários e outros ativos não negociados em bolsas - ou seja, "marcar a mercado". Mas quando os mercados desabaram, as instituições financeiras se queixaram de que as regras as obrigavam a cortar o valor de muitos ativos com base em preços de liquidação.
Isso contribuiu para grandes perdas que drenaram capital e ameaçaram quebrar algumas das maiores firmas dos EUA.
No início deste ano, o setor financeiro pôs seus lobistas no caso. Formou-se uma coalizão com 31 firmas financeiras e entidades de classe que gastou US$ 27,6 milhões no primeiro trimestre fazendo lobby em Washington acerca dessa norma e de outras questões, segundo análise feita pelo Wall Street Journal de informes públicos. A coalizão também deu contribuições de campanha, num total de US$ 286.000, para os legisladores de um importante comitê, muitos dos quais pressionaram pela mudança, segundo indicam os informes.
O deputado democrata Paul Kanjorski, chefe do subcomitê de Serviços Financeiros da Câmara, que pressionou pela mudança da regra, recebeu US$ 18.500 de membros da coalizão no primeiro trimestre, o segundo total mais alto entre os membros do comitê, conforme registros da Comissão Eleitoral Federal (FEC). Nos últimos dois anos, Kanjorski recebeu US$ 704.000 em contribuições de bancos e seguradoras, o terceiro total mais alto entre os congressistas, segundo a FEC e o Centro para Política Responsável.
Uma porta-voz diz que Kanjorski acredita que o órgão regulamentador do setor contábil americano, o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb) tomou a decisão certa, uma vez que nem os críticos da regra de marcar a mercado nem seus defensores ficaram "totalmente satisfeitos com o resultado". Ela diz que as contribuições de campanha não influenciaram as posições do parlamentar.
Sob pressão do comitê, a Fasb fez uma rápida revisão de suas regras. O presidente da entidade, Robert Herz, disse ao WSJ que a Fasb apenas acelerou a questão na agenda, procurando dar atenção aos pontos de vista tanto dos investidores como das empresas financeiras.
A mudança ajudou a reverter o sentimento dos investidores em relação aos bancos. As instituições financeiras tiveram a opção de seguir a mudança contábil em seus balanços do primeiro trimestre; elas serão obrigadas a segui-la no segundo trimestre. O Wells Fargo & Co. informou que a mudança aumentou seu patrimônio em US$ 4,4 bilhões no primeiro trimestre.
O Citigroup Inc. divulgou que a mudança acrescentou US$ 413 milhões nos lucros do primeiro trimestre.
Robert Willens, um analista tributário e contábil, estima que as mudanças aumentarão os lucros bancários no segundo trimestre em uma média de 7%. A Associação de Banqueiros Americanos reconhece que exerceu pressão para mudar as regras. A ABA foi a principal doadora para os fundos de campanha dos membros do comitê nas semanas anteriores a uma audiência em que os parlamentares pressionaram a Fasb pela mudança.
A associação doou um total de US$ 74.500 para 33 membros do comitê no primeiro trimestre, segundo a análise dos informes feita pelo WSJ. Um porta-voz da ABA diz que esse nível de contribuição aos legisladores é normal, e que a iniciativa fez parte de um esforço mais amplo para mudar as normas contábeis.
A vitória do setor bancário contrasta com pelo menos uma derrota que enfrentou nas últimas semanas, sobre novas leis para cartões de crédito que restringem algumas fontes de receita.
Marcar a mercado é uma norma contábil que existe há décadas. Muitos bancos estavam satisfeitos com a regra quando os mercados estavam em alta. Mas a regra se tornou um grande problema no fim de 2007. Quando os mercados começaram a declinar, a Fasb clarificou as regras e estabeleceu como certos instrumentos financeiros, entre eles os títulos lastreados por hipotecas, deveriam ser avaliados.
As diretrizes definiam que as avaliações deveriam refletir informação "observável", como valores de mercado, sempre que possível. Elas exigiam que os bancos revelassem ampla informação sobre os ativos que não eram capazes de avaliar com base em cotações de mercado.
As instituições financeiras registraram prejuízos ou baixas contábeis num total de US$ 175 bilhões, segundo Michael Mayo, um analista da divisão CLSA do Crédit Agricole SA.
O plano para o esforço de lobby começou a tomar forma no ano passado. Os mercados acionário e de renda fixa estavam em queda livre. O Lehman Brothers Holdings Inc. quebrou em setembro. Alguns mercados congelaram, entre eles o de títulos hipotecários.
Os investidores temiam que alguns bancos e outras empresas financeiras não sobreviveriam se não começassem a apresentar lucros em 2009.
O lobby ganhou força no começo deste ano, quando encontrou parlamentares mais preocupados com a possibilidade de disseminação dos problemas.

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