Por Henrique Vargas Beloch e Rafael de C. Ramos Alves
Valor Online (29/06/2009)
A recente temporada de balanços, marcada pelas relevantes alterações contábeis promovidas pela Lei nº 11.638, de 2007, e pela Medida Provisória nº 449, visando à convergência das demonstrações financeiras brasileiras aos padrões internacionais (IFRS), também trouxe outra importante novidade. Além das alterações contábeis, a nova lei impôs à sociedade de grande porte, assim considerada "a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões", a obrigação de ter suas demonstrações financeiras auditadas.
Dessa forma, a auditoria obrigatória, antes restrita a companhias abertas, instituições financeiras e outras entidades reguladas, passa a ser exigível também para sociedades anônimas fechadas e sociedades limitadas, entre outros tipos societários, se e enquanto forem de grande porte. Curiosamente, se alguma grande empresa de auditoria estiver enquadrada no novo conceito legal, passará a ter que ser, ela própria, auditada. Algumas das chamadas "big four" já tornaram público que contrataram firmas menores de auditoria, evitando assim abrir suas contas a uma concorrente direta.
Para a determinação do controle comum a que se refere a nova lei, deve se verificar, de acordo com os conceitos do direito societário, o controle final, isto é, remontando às pessoas naturais. No entanto, por uma questão de territorialidade e jurisdição, devem ser consideradas, na soma, apenas as sociedades brasileiras do grupo, ainda que sujeitas a controle estrangeiro. Se um grupo multinacional tiver subsidiárias no Brasil que não atinjam os parâmetros da lei, será irrelevante, para esses fins, o que ele faturar ou possuir de ativos em sociedades no exterior.
Outro ponto importante é que, de acordo com o texto da nova lei, a obrigatoriedade de auditoria se aplicaria a toda e qualquer sociedade cujo ativo total ou receita bruta anual, no ano anterior, isoladamente ou somado ao das demais sociedades sob controle comum, alcance os respectivos valores ali estabelecidos. Se a auditoria de uma holding já exigia, em alguma medida, o exame de suas controladas, refletidas por equivalência patrimonial, agora a auditoria terá que se estender, formalmente, a todas as sociedades, inclusive aquelas sujeitas a controle comum - controladas ou não - integrantes do grupo de grande porte.
Por uma interpretação literal da nova lei, poderia se concluir que mesmo uma sociedade que, em uma hipótese extrema, tenha zero de ativo e zero de receita, deverá, ainda assim, ter seu balanço auditado caso outra sociedade ou conjunto de sociedades brasileiras sob o mesmo controle que o dela atinja qualquer daqueles valores.
A nosso ver, todavia, é necessário adotar uma interpretação mais racional e teleológica da Lei nº 11.638, a começar por perquirir os propósitos da norma quando, para fins de elaboração e auditoria de demonstrações financeiras, aplicou os atributos da sociedade de grande porte à entidade considerada isoladamente ou ao conjunto de sociedades sob o mesmo controle. Quer nos parecer que a razão fundamental foi apreender a relevância do grupo econômico de um modo geral, evitando inclusive que, justamente por ser um grupo sob um comando único, pudesse partilhar seus ativos ou receitas para fugir à norma. Não é razoável supor que a lei tenha pretendido que toda e qualquer sociedade de um grupo que se qualifique como de grande porte seja compulsoriamente auditada, ainda que irrelevante para tal caracterização, como, por exemplo, uma sociedade de patrimônio diminuto, em descontinuidade de operações ou meramente uma holding de sociedades já auditadas.
Se uma ou mais sociedades, conjuntamente, já se enquadram nos parâmetros da lei, não haveria razão para estender o mesmo tratamento, a reboque, às demais sociedades do grupo que sejam insignificantes frente ao todo. Senão em atenção aos princípios da personalidade jurídica e da entidade contábil, ao menos para evitar mais custos para a atividade empresarial. Observa-se cada vez mais na elaboração e aplicação das leis, para além da desconsideração da personalidade jurídica, louvável como medida excepcional, uma certa tendência - cuja banalização deve ser evitada - de a norma ou provimento judicial, mesmo na ausência de abusos ou desvios, dirigir-se indistintamente aos grupos econômicos, com pouca atenção à existência das diferentes sociedades que o compõem como sujeitos autônomos de direitos e obrigações, cada uma com suas particularidades.
Em recente legislação, a Suíça também estendeu a obrigatoriedade de auditoria às empresas em geral, mas excepcionou aquelas com menos de dez empregados, se a dispensa for aprovada pela unanimidade dos acionistas, e admitiu, em função da magnitude do patrimônio, níveis diferenciados de auditoria quanto à sua abrangência. No Brasil, poderia se pensar em algo parecido, estabelecendo-se um critério para dispensar ou atenuar a auditoria de entidades de menor porte integrantes de um grupo já enquadrado nas hipóteses legais. A própria Lei das S.A., modificada pela Lei nº 11.638, já dispensa as companhias fechadas com patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão e menos de 20 acionistas de publicarem suas demonstrações financeiras. Traçando um outro paralelo, já que a questão, conceitualmente, é a mesma, a Instrução nº 247, de 1996, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) expressamente previa que controladas que não representassem alteração relevante na unidade econômica do grupo poderiam, mediante autorização da CVM, não ser refletidas nas demonstrações consolidadas da companhia aberta e, por conseguinte, não ser examinadas pelos auditores independentes - essa possibilidade persiste, tendo sido apenas conferida uma maior discricionariedade à CVM para as exclusões.
Não vai aqui, de forma alguma, uma crítica ou pregação contra a auditoria, que é salutar e necessária em diversas situações, sobretudo quando se está lidando com patrimônios vultosos e interesses de terceiros idem. Porém, não se deve manter a imposição legal ou interpretá-la de modo insensato, desconsiderando situações em que ela não se justifica e acarreta gastos desproporcionais, especialmente quando ausentes elementos mínimos de relevância e interesse para a realização da auditoria.
A recente temporada de balanços, marcada pelas relevantes alterações contábeis promovidas pela Lei nº 11.638, de 2007, e pela Medida Provisória nº 449, visando à convergência das demonstrações financeiras brasileiras aos padrões internacionais (IFRS), também trouxe outra importante novidade. Além das alterações contábeis, a nova lei impôs à sociedade de grande porte, assim considerada "a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum que tiver, no exercício social anterior, ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões", a obrigação de ter suas demonstrações financeiras auditadas.
Dessa forma, a auditoria obrigatória, antes restrita a companhias abertas, instituições financeiras e outras entidades reguladas, passa a ser exigível também para sociedades anônimas fechadas e sociedades limitadas, entre outros tipos societários, se e enquanto forem de grande porte. Curiosamente, se alguma grande empresa de auditoria estiver enquadrada no novo conceito legal, passará a ter que ser, ela própria, auditada. Algumas das chamadas "big four" já tornaram público que contrataram firmas menores de auditoria, evitando assim abrir suas contas a uma concorrente direta.
Para a determinação do controle comum a que se refere a nova lei, deve se verificar, de acordo com os conceitos do direito societário, o controle final, isto é, remontando às pessoas naturais. No entanto, por uma questão de territorialidade e jurisdição, devem ser consideradas, na soma, apenas as sociedades brasileiras do grupo, ainda que sujeitas a controle estrangeiro. Se um grupo multinacional tiver subsidiárias no Brasil que não atinjam os parâmetros da lei, será irrelevante, para esses fins, o que ele faturar ou possuir de ativos em sociedades no exterior.
Outro ponto importante é que, de acordo com o texto da nova lei, a obrigatoriedade de auditoria se aplicaria a toda e qualquer sociedade cujo ativo total ou receita bruta anual, no ano anterior, isoladamente ou somado ao das demais sociedades sob controle comum, alcance os respectivos valores ali estabelecidos. Se a auditoria de uma holding já exigia, em alguma medida, o exame de suas controladas, refletidas por equivalência patrimonial, agora a auditoria terá que se estender, formalmente, a todas as sociedades, inclusive aquelas sujeitas a controle comum - controladas ou não - integrantes do grupo de grande porte.
Por uma interpretação literal da nova lei, poderia se concluir que mesmo uma sociedade que, em uma hipótese extrema, tenha zero de ativo e zero de receita, deverá, ainda assim, ter seu balanço auditado caso outra sociedade ou conjunto de sociedades brasileiras sob o mesmo controle que o dela atinja qualquer daqueles valores.
A nosso ver, todavia, é necessário adotar uma interpretação mais racional e teleológica da Lei nº 11.638, a começar por perquirir os propósitos da norma quando, para fins de elaboração e auditoria de demonstrações financeiras, aplicou os atributos da sociedade de grande porte à entidade considerada isoladamente ou ao conjunto de sociedades sob o mesmo controle. Quer nos parecer que a razão fundamental foi apreender a relevância do grupo econômico de um modo geral, evitando inclusive que, justamente por ser um grupo sob um comando único, pudesse partilhar seus ativos ou receitas para fugir à norma. Não é razoável supor que a lei tenha pretendido que toda e qualquer sociedade de um grupo que se qualifique como de grande porte seja compulsoriamente auditada, ainda que irrelevante para tal caracterização, como, por exemplo, uma sociedade de patrimônio diminuto, em descontinuidade de operações ou meramente uma holding de sociedades já auditadas.
Se uma ou mais sociedades, conjuntamente, já se enquadram nos parâmetros da lei, não haveria razão para estender o mesmo tratamento, a reboque, às demais sociedades do grupo que sejam insignificantes frente ao todo. Senão em atenção aos princípios da personalidade jurídica e da entidade contábil, ao menos para evitar mais custos para a atividade empresarial. Observa-se cada vez mais na elaboração e aplicação das leis, para além da desconsideração da personalidade jurídica, louvável como medida excepcional, uma certa tendência - cuja banalização deve ser evitada - de a norma ou provimento judicial, mesmo na ausência de abusos ou desvios, dirigir-se indistintamente aos grupos econômicos, com pouca atenção à existência das diferentes sociedades que o compõem como sujeitos autônomos de direitos e obrigações, cada uma com suas particularidades.
Em recente legislação, a Suíça também estendeu a obrigatoriedade de auditoria às empresas em geral, mas excepcionou aquelas com menos de dez empregados, se a dispensa for aprovada pela unanimidade dos acionistas, e admitiu, em função da magnitude do patrimônio, níveis diferenciados de auditoria quanto à sua abrangência. No Brasil, poderia se pensar em algo parecido, estabelecendo-se um critério para dispensar ou atenuar a auditoria de entidades de menor porte integrantes de um grupo já enquadrado nas hipóteses legais. A própria Lei das S.A., modificada pela Lei nº 11.638, já dispensa as companhias fechadas com patrimônio líquido inferior a R$ 1 milhão e menos de 20 acionistas de publicarem suas demonstrações financeiras. Traçando um outro paralelo, já que a questão, conceitualmente, é a mesma, a Instrução nº 247, de 1996, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) expressamente previa que controladas que não representassem alteração relevante na unidade econômica do grupo poderiam, mediante autorização da CVM, não ser refletidas nas demonstrações consolidadas da companhia aberta e, por conseguinte, não ser examinadas pelos auditores independentes - essa possibilidade persiste, tendo sido apenas conferida uma maior discricionariedade à CVM para as exclusões.
Não vai aqui, de forma alguma, uma crítica ou pregação contra a auditoria, que é salutar e necessária em diversas situações, sobretudo quando se está lidando com patrimônios vultosos e interesses de terceiros idem. Porém, não se deve manter a imposição legal ou interpretá-la de modo insensato, desconsiderando situações em que ela não se justifica e acarreta gastos desproporcionais, especialmente quando ausentes elementos mínimos de relevância e interesse para a realização da auditoria.
Fonte: CFC Notícias
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