Partilhando um texto muito legal!
Na minha opinião de autora de uma tese em curso, nem tudo é exatamente assim. Mas talvez minha opinião não seja livre de viés! Fiz alguns destaques no textos e algumas inserções em vermelho. Quem tem experiência de acompanhar algum louco fazendo uma tese, partilha aqui ;)
UMA
TESE É UMA TESE
Autoria:
Mario Prata (O Estado de S. Paulo, 7 de outubro de 1998 - Caderno 2)
Sabe tese, de
faculdade? Aquela que defendem? Com unhas e dentes? É dessa tese que eu estou
falando. Você deve conhecer pelo menos uma pessoa que já defendeu uma tese. Ou
esteja defendendo. Sim, uma tese é defendida. Ela é feita para ser atacada
pela banca, que são aquelas pessoas que gostam de botar banca.
As teses são
todas maravilhosas. Em tese. Você acompanha uma pessoa meses, anos, séculos,
defendendo uma tese. Palpitantes assuntos. Tem tese que não acaba nunca, que
acompanha o elemento para a velhice. Tem até teses pós-morte.
O mais
interessante na tese é que, quando nos contam, são maravilhosas, intrigantes. A
gente fica curiosa, acompanha o sofrimento do autor, anos a fio. Aí ele
publica, te dá uma cópia e é sempre - sempre - uma decepção. Em tese.
Impossível ler uma tese de cabo a rabo. [Exceto
para o autor, que a considera uma obra prima]
São chatíssimas.
É uma pena que as teses sejam escritas apenas para o julgamento da banca
circunspecta, sisuda e compenetrada em si mesma. E nós?
Sim, porque os
assuntos, já disse, são maravilhosos, cativantes, as pessoas são
inteligentíssimas. Temas do arco-da-velha. Mas toda tese fica no rodapé da
história. Pra que tanto sic e tanto apud? Sic me lembra o Pasquim e apud
não parece candidato do PFL para vereador? Apud Neto.
Escrever uma
tese é quase um voto de pobreza que a pessoa se autodecreta. [Com isso eu concordo. Pura verdade!] O mundo pára, o dinheiro entra apertado, os
filhos são abandonados, o marido que se vire. Estou acabando a tese. Essa frase significa que a pessoa vai sair do
mundo. Não por alguns dias, mas anos. Tem gente que nunca mais volta.[É verdade, também, infelizmente!!]
E, depois de
terminada a tese, tem a revisão da tese, depois tem a defesa da tese. E, depois
da defesa, tem a publicação. E, é claro, intelectual que se preze, logo em
seguida embarca noutra tese. São os profissionais, em tese. O pior é quando
convidam a gente para assistir à defesa. Meu Deus, que sono. Não em tese, na
prática mesmo.
Orientados e
orientandos (que nomes atuais!) são unânimes em afirmar que toda tese tem de
ser - tem de ser! - daquele jeito. É pra não entender, mesmo. [Eu vou
me esforçar para ser exceção, eu juro! Alguém, além de mim e da banca, vai
entender a tese, eu espero!] Tem de ser formatada
assim. Que na Sorbonne é assim, que em Coimbra também. Na Sorbonne, desde 1257.
Em Coimbra, mais moderna, desde 1290. Em tese (e na prática) são 700 anos de
muita tese e pouca prática.
Acho que, nas
teses, tinha de ter uma norma em que, além da tese, o elemento teria de fazer
também uma tesão (tese grande). Ou seja, uma versão para nós, pobres teóricos
ignorantes que não votamos no Apud Neto.
Ou seja, o
elemento (ou a elementa) passa a vida a estudar um assunto que nos interessa e
nada. Pra quê? Pra virar mestre, doutor? E daí? Se ele estudou tanto aquilo,
acho impossível que ele não queira que a gente saiba a que conclusões chegou.
Mas jamais saberemos onde fica o bicho da goiaba quando não é tempo de goiaba.
No bolso do Apud Neto?
Tem gente que vai
para os Estados Unidos, para a Europa, para terminar a tese. Vão lá nas fontes.
Descobrem maravilhas. E a gente não fica sabendo de nada. Só aqueles sisudos da
banca. E o cara dá logo um dez com louvor. Louvor para quem? Que exaltação, que
encômio é isso?
E tem mais: as
bolsas para os que defendem as teses são uma pobreza. Tem viagens, compra de
livros caros, horas na Internet da vida, separações, pensão para os filhos que
a mulher levou embora. É, defender uma tese é mesmo um voto de pobreza, já
diria São Francisco de Assis. Em tese.
Tenho um casal
de amigos que há uns dez anos prepara suas teses. Cada um, uma. Dia desses a
filha, de 10 anos, no café da manhã, ameaçou:
- Não vou mais
estudar! Não vou mais na escola.
Os dois pararam
- momentaneamente - de pensar nas teses.
- O quê? Pirou?
- Quero estudar
mais, não. Olha vocês dois. Não fazem mais nada na vida. É só a tese, a tese, a
tese. Não pode comprar bicicleta por causa da tese. A gente não pode ir para a
praia por causa da tese. Tudo é pra quando acabar a tese. Até trocar o pano do
sofá. Se eu estudar vou acabar numa tese. Quero estudar mais, não. Não me
deixam nem mexer mais no computador. Vocês acham mesmo que eu vou deletar a
tese de vocês?
Pensando bem,
até que não é uma má ideia!
Quando é que
alguém vai ter a prática ideia de escrever uma tese sobre a tese? Ou uma outra
sobre a vida nos rodapés da história?
Acho que seria
uma tesão.
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