17 de jun. de 2014

Contabilidade Pública e Accountability

Ao ler esse texto do Prof. Inaldo da Paixão Santos Araújo e confrontar com algumas das minhas experiências com a coleta de dados para a minha tese nos sites dos municípios e tribunais de contas, me surgem algumas questões:
1) Para que aprovar leis?
2) Para que aprovar leis que não são cumpridas?
3) Para que aprovar leis tão fáceis de serem descumpridas?
4) Para que aprovar leis?

Uma das minhas experiências foi o indeferimento por parte de um tribunal de contas de uma informação que deveria ser tempestiva e pública para auxiliar no processo de accountability.
O motivo do indeferimento? Para que explicar?

A Contabilidade Pública e a accountability

Texto de Inaldo da Paixão Santos Araújo, publicado na Tribuna da Bahia em 14/06/2014

O art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto dos ideais libertários franceses, garante à sociedade “o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração.”
Inspirada nesse princípio, a Carta Magna brasileira de 1988 estabelece que o chefe do Poder Executivo possui a obrigatoriedade de prestar contas, que serão apreciadas pelo Tribunal de Contas e julgadas pelo Congresso Nacional (CF, arts. 49, IX, 71, I, e 84, XXIV).
A Constituição Federal, art. 70, também determina que “prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos [...]”. Na Bahia, a Carta Estadual considera o ato de prestar contas como Princípio Fundamental (art. 2º).
Essa obrigação constitucional de prestar contas representa a essência da accountability. Segundo esse fundamento, todo gestor deve responder por um compromisso assumido e prestar contas dos dinheiros da coletividade.
Simón Bolívar, o Libertador, defendeu a prática da accountability ao afirmar que “A Fazenda Nacional não é de quem vos governa. Todos aqueles a quem haveis tornado depositários de vossos interesses têm a obrigação de demonstrar-vos o uso que deles tenham feito”.
Embora inexista no Brasil um modelo padronizado, a prestação de contas compreende o conjunto de demonstrativos contábeis, de informações financeiras e de desempenho, que devem espelhar, com transparência, em determinado período, o resultado de uma gestão pública.
A Contabilidade Aplicada ao Setor Público contribui diretamente para uma melhor accountability, pois possibilita a elaboração de relatórios financeiros oportunos, comparáveis, verificáveis e transparentes.
Para compor o conjunto dessas demonstrações contábeis, a Lei n.º 4.320/64 determina que os resultados da administração pública sejam demonstrados no Balanço Orçamentário, no Balanço Financeiro, no Balanço Patrimonial e na Demonstração das Variações Patrimoniais. Além desses informes, a Lei n.º 4.320/64 indica outros dez relatórios financeiros como sendo obrigatórios.
Com o advento da LRF, novos demonstrativos passaram a ser exigidos, na tentativa de se buscar uma melhor transparência das contas públicas.
No Brasil, existe a convicção de se achar que tudo é resolvido por meio de leis, como se elas fossem o próprio Direito. Efetivamente não são. Além do mais, como pontuou o juiz americano Billings Learned Hand: “A linguagem da lei não pode ser estrangeira aos ouvidos de quem deve cumpri-la.”
Para ilustrar o que se afirma, registre-se que uma pequena cidade no sertão baiano, nos idos de 1989, já afixava, na sua praça central, um cartaz informando os recursos recebidos, suas origens e as devidas aplicações, classificadas sem os rigores da prática orçamentária. Porém, em linguagem acessível, apresentava os gastos com professores, médicos, vereadores, pessoal da limpeza, recuperação da estrada vicinal, aquisição de ambulância, bem como o saldo em caixa e o montante a pagar.
Percebia-se ali não uma contabilidade “criativa”, mas, sim, informativa, simples, transparente e fiel à prática da accountability.
Também, para fins exemplificativos, é oportuno rememorar que o escritor Graciliano Ramos, no relatório datado de 19/03/1928 e apresentado ao Conselho Municipal de Palmeira dos Índios, cidade da qual foi prefeito entre 1928 e 1932, sem nenhuma lei que impusesse responsabilidade fiscal, mas pautado em diretrizes morais, assim se posicionou:
Acho absurdo despender um município que até agora nada gastou com a instrução, 2:000$000 para manter uma banda de música. Dois contos de réis em letra de fôrma: os dispêndios têm sido maiores. Chamo a atenção do Conselho para o lançamento que existe à folha 179 do livro-caixa, com data de 04 de janeiro: “Importância paga a Manoel Orígenes para fornecimento de 23 fardamentos para a banda de música municipal – 1:152$000.” A despesa não foi autorizada, os fardamentos não foram entregues.
Mais do que imposição legal, a prática da accountability  é, desde sempre, essencial para a administração pública. Todos precisam saber o que é feito com o dinheiro de todos. Entretanto, a accountability somente se materializa com uma Contabilidade Aplicada ao Setor Público que possibilite a emissão de relatórios confiáveis.
E, se assim for, ter-se-á um governo transparente, sob o comando de um povo que seja capaz de compreender e contextualizar a sua realidade. Realidade que precisa também ser expressa em relatórios financeiros adequados e que correspondam aos anseios sociais.

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“... nunca [...] plenamente maduro, nem nas idéias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental.” (Gilberto Freire)