4 de fev. de 2009

Dos bancos para as ONGs

22.01.2009
Como uma associação criada por financistas vem mudando a cara do Terceiro Setor na Inglaterra ao avaliar o desempenho de entidades e permitir que os doadores apliquem bem seu dinheiro
Por Ana Luiza Herzog

Foi com desapontamento que alguns jornais da Inglaterra noticiaram, no início de dezembro, o cancelamento do tradicional baile de gala de inverno da Cruz Vermelha. O evento beneficente, que reúne endinheirados e celebridades e arrecada anualmente cerca de 730 000 dólares, foi suspenso porque seus organizadores não encontraram um patrocinador. O cancelamento da festa reflete bem o clima que ronda o Terceiro Setor. Embora em 2008 as ONGs que operam na Inglaterra tenham arrecadado quase 68 bilhões de dólares, uma pesquisa recente da consultoria PricewaterhouseCoopers revelou que elas já começam a sentir os efeitos da crise mundial. O quadro é preocupante. Com mais demanda por seus serviços e previsão de queda no volume de doações, as associações devem terminar 2009 com um déficit de 3,4 bilhões de dólares. É nesse cenário de escassez de recursos que o trabalho da New Philanthropy Capital, também uma entidade civil com sede no país, deve ganhar ainda mais importância. Fundada em 2002, a NPC faz um trabalho inédito no mundo: uma espécie de rating das ONGs inglesas, seguindo critérios como eficiência operacional e resultados obtidos pelas entidades. "Levamos para o Terceiro Setor a lógica que rege o mercado financeiro: a de que os doadores devem direcionar seus recursos, agora ainda mais escassos, para as entidades de melhor desempenho, onde obterão melhores retornos", diz o economista Martin Brookes, presidente da NPC.

A semelhança entre o funcionamento da NPC e o do mercado financeiro se deve, principalmente, ao perfil dos fundadores da entidade, os ingleses Gavyn Davies e Peter Wheeler. No início desta década, quando eram sócios do banco Goldman Sachs, Davies e Wheeler resolveram doar parte da fortuna acumulada ao longo de suas carreiras a alguma associação. Foi quando depararam com um problema: era muito difícil decidir para onde os recursos seriam direcionados, porque simplesmente não havia informação isenta a respeito da qualidade do trabalho desempenhado pelas entidades. Decidiram que, dali para a frente, usariam seu dinheiro e sua influência para suprir essa lacuna. Nascia então a NPC, inicialmente custeada somente pelos dois - hoje há outros nove filantropos, quase todos com alguma passagem pelo mercado financeiro. Desde então, a NPC já produziu 40 relatórios detalhados sobre diversos problemas sociais existentes na Inglaterra - habitação, saúde mental e violência doméstica, por exemplo. Por meio desses estudos, que levam em média seis meses para ser concluídos e demandam entrevistas com mais de 50 especialistas, a equipe da NPC mapeia as ONGs que atuam para solucioná-los e parte para uma segunda etapa do trabalho. Essa fase consiste em escolher algumas entidades e submetê-las a uma rigorosa auditoria, que inclui visitas, entrevistas com executivos e busca por evidências de resultados. A despeito da origem de seus fundadores e de grande parte de seus executivos - Brookes também passou pelo Goldman Sachs e pelo Banco da Inglaterra -, a NPC percebeu que o seu trabalho não deveria se limitar a avaliar as práticas contábeis das ONGs. "É claro que analisamos como elas usam o dinheiro que arrecadam", diz Brookes. "Mas aprendemos que o mais importante no Terceiro Setor é medir o impacto das ações."
As entidades que passam pelo crivo da NPC - foram 140 até hoje - não só recebem um relatório de desempenho, revisado a cada seis meses, como passam a integrar uma lista de ONGs "recomendadas" (a entidade não divulga as ONGs que não passam no teste). Estar na tal lista é como ganhar um selo de qualidade que garante visibilidade e chance de atrair mais recursos. "Ao dar destaque para aquelas que são mais eficientes e incentivar os doadores a priorizá-las, estamos mudando a maneira como esse mercado funciona", diz Brookes. Em abril de 2007, por exemplo, logo depois que passou a ser "recomendada", a Kidscape, que se dedica a combater maus tratos e abuso sexual em crianças, recebeu um cheque de 14 500 dólares. O doador, cujo nome a entidade não revela, se decidiu pela Kidscape depois de ler o relatório da associação disponível no site da NPC. Ter essa chancela pode ajudar também no relacionamento com órgãos públicos. "Sabemos que o aval deles nos favorece na hora de obter recursos com o governo", afirma Benita Refson, presidente da ONG Place2Be, que atua na melhoria do ambiente de cerca de 140 escolas localizadas em bairros pobres do país e também foi recomendada pela NPC.
Analisar o desempenho das entidades do Terceiro Setor e cobrar delas eficiência é uma tendência irreversível no mundo todo. Ela vem sendo impulsionada principalmente pelas empresas que as financiam e pelos filantrocapitalistas - nome dado à geração de empresários bilionários que, como Bill Gates e Warren Buffett, querem usar sua fortuna para resolver as mazelas do planeta. Na maioria dos países, Brasil incluído, ainda não há entidades que fazem um trabalho de monitoramento semelhante. "Aqui, as avaliações são feitas por especialistas quando há demanda das próprias entidades ou dos financiadores", diz Graziella Maria Comini, vice-coordenadora do Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor da Fundação Instituto de Administração (Ceats-FIA). Com tantas oportunidades fora de seu país, a NPC começa agora a exportar seu modelo. A primeira experiência está acontecendo na Índia, onde a NPC firmou recentemente uma parceria com uma empresa de pesquisa local. O Brasil ainda está fora dos planos da entidade.

Fonte: Revista EXAME

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