Texto de Edison C. Fernandes publicado no Jornal Valor Econômico em 06/05/2010
Relativamente recente, a evolução do mercado de capitais brasileiro tem levado as sociedades anônimas não só à abertura de capital, por meio dos chamados IPO ("initial public offering", ou "oferta inicial de ações"), mas também à emissão de títulos de dívida, principalmente, as debêntures. Neste último caso, a emissão do valor mobiliário representativo de dívida representa, de um lado, alternativa à tomada de empréstimos bancários e, de outro, à captação pública de recursos ao não implicar a emissão de novas ações da companhia. Como opção muitas vezes vantajosa de financiamento, a emissão pública de debêntures pode vir a beneficiar também às sociedades limitadas na sua necessidade de caixa.
A emissão de debêntures está prevista no artigo 52 da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404, de 1976). Devido à posição geográfica-legislativa em que se encontra a disciplina das debêntures, a doutrina comercialista brasileira, capitaneada pelo respeitado jurista José Edwaldo Tavares Borba, entende que a emissão desse título de dívida está restrita às sociedades anônimas e às sociedades em comandita por ações, posição que veda a utilização das debêntures pelas sociedades limitadas (Das debêntures, Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2005, páginas 27 a 29). Ocorre que a atual regulamentação normativa do mercado de capitais, no Brasil, autoriza expressamente a emissão de debêntures pelas sociedades limitadas, é possível, inclusive, - conquanto de viabilidade financeira duvidosa - pelas pequenas e microempresas.
Em conformidade com o disposto no artigo 8º, I da Lei nº 6.385, de 1976 - Lei do Mercado de Capitais -, compete à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentar as matérias relacionadas ao mercado de valores mobiliários. Considerando que as debêntures enquadram-se no conceito de valores mobiliários - artigo 2º da mesma Lei do Mercado de Capitais -, cabe à CVM disciplinar a emissão pública desse título de dívida. E nas normas atualmente vigentes, por delegação legal, o órgão regulador do mercado de capitais autorizou a emissão de debêntures, não conversíveis em ações, pelas sociedades limitadas na modalidade de oferta pública distribuída com esforço restrito - as sociedades limitadas somente poderão fazer oferta pública irrestrita de notas comerciais (commercial papers).
A oferta pública de esforço restrito deve ser destinada, exclusivamente, a investidores qualificados e ser intermediada por integrantes do sistema de distribuição de valores mobiliários (instituição financeiras e corretoras de títulos e valores mobiliários), sendo vedada a busca de investidores por meio de lojas, escritórios ou estabelecimentos abertos ao público, ou com a utilização de serviços públicos de comunicação, como a imprensa, o rádio, a televisão e páginas abertas ao público na rede mundial de computadores. Nessas ofertas públicas será permitida a procura de, no máximo, 50 investidores qualificados e as debêntures ofertadas deverão ser subscritas por, no máximo, 20 dentre esses investidores. Os fundos de investimento podem ser procurados na oferta pública de esforço restrito, que será considerado como um único investidor se as decisões de investimento forem tomadas pelo mesmo gestor.
Verifica-se, assim, que às sociedades limitadas também é garantida a emissão de debênture como alternativa de captação de recursos públicos, e, ainda, a oferta desse título de dívida pode ser estudada como outra opção na estruturação de parceria entre uma empresa operacional (constituída na forma de sociedade limitada) e um fundo de investimento. Deve-se ter em ciência que, se por um lado existe essa alternativa vantajosa de financiamento, por outro, as sociedades limitadas, ao iniciar sua participação no mercado de capitais, deverão cumprir as regras escritas e não escritas desse mercado, tais como: adoção das normas contábeis de acordo com os IFRS (embora as sociedades limitadas já estejam obrigadas a isso por lei), elaboração e apresentação das informações exigidas pela CVM, revisão da estrutura jurídica (contrato social e acordos de quotistas) com a finalidade de se adaptarem às boas práticas de governança corporativa e indicação de um profissional responsável pela relação com investidores - RI. Em conclusão, o pujante mercado de capitais brasileiros está aberto às sociedades limitadas, desde que elas se comprometam à transparência exigida, até para garantir uma boa avaliação de risco e a consequente redução do custo de capital.
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