Especial Governança: abrindo mão do controle
Texto de Adriele Marchesini Financial Report em 10/05/2010
É preciso que a empresa consiga continuar sozinha, sem as influências que conflitos familiares podem ter sobre os negócios, diz especialista
A jornada de profissionalização é tensa, não somente para o departamento financeiro como um todo, mas também para os próprios familiares. É preciso abrir mão do controle irrestrito e ter a noção de que uma diretoria especializada tocará os negócios de forma independente. "É preciso que a empresa consiga continuar sozinha, sem as influências negativas que conflitos familiares podem ter sobre os negócios", argumentou Eduardo Chehab, da área de Score de Governança Corporativa da agência classificadora de risco Standard & Poor`s. De acordo com o especialista, a convergência dura entre quatro e cinco anos, mais por questões de ajustes entre os acionistas do que pela dificuldade da adequação em si. Neste ponto, é preciso que os herdeiros entendam sua posição neste novo cenário, aceitando o fato de que sua participação na companhia, muitas vezes, será indireta. Claro que talentos devem ser preservados no trâmite, mas a abertura a novos profissionais é essencial para o desenvolvimento. "Os filhos normalmente são mantidos no conselho de administração para terem ciência dos acontecimentos. E passam a viver de dividendos dos negócios", comentou Chehab.
O especialista citou como exemplo o caso de um investidor russo, que abriu mão completamente da gestão da empresa para viver de dividendos. O executivo tem 90% do controle da empresa – cujo nome não foi revelado – e seu sócio institucional fica com os 10% restantes. A governança corporativa da companhia foi completamente terceirizada e passada para as mãos da agência classificadora de risco. Sem ter contato com o dia a dia da companhia, o investidor vive de dividendos a alguns milhares de quilômetros de seu negócio, mais especificamente na capital inglesa. "Aqui no Brasil não temos exemplos como este, que surge com o desenvolvimento do próprio País", finalizou.
A Algar foi pioneira ao criar o conselho de família. Criado com o intuito de atender os cerca de 30 acionistas, o grupo tem restrições, não podendo influenciar nos negócios. O modelo deu certo: de mais de 17 mil colaboradores, apenas dois deles – além de Eliane Garcia (uma das herdeiras de Alexandrino e vice-presidente de Corporativa de Marketing e Sustentabilidade), o CEO da empresa, Luís Alexandre Garcia – são da família.
A admissão de herdeiros não é fácil: é preciso ter experiência em outras companhias, vivência externa e passar pelo processo de seleção. Sem favorecimentos, garante Eliane. É essencial deixar de lado o ego e apostar na gestão de profissionais competentes. Coragem e audácia para isso vêm com o tempo e, também, com uma boa dose de desprendimento.
A adesão a boas práticas de comunicação com o mercado ainda é voluntária no caso de companhias sem capital de investidores de fora. A decisão vem em um momento no qual a companhia pensa em agregar valor aos seus negócios, priorizando os benefícios trazidos pela boa imagem que o mercado fará dela. E para o tiro não sair pela culatra é importante saber como conduzir a transformação.
De acordo com a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Heloisa Bredicks, o processo de adoção ocorre aos poucos. O início costumeiro é um conselho consultivo, formado por conhecidos da diretoria com o único intuito de trocar experiências sobre negócios. Isso ocorre, normalmente, quando há uma preocupação com o plano de sucessão do fundador.
O tamanho do grupo é relativo, variando conforme o porte da companhia. "Para uma empresa ainda na primeira geração, com faturamento relativo a pequenas e médias companhias, três pessoas já representam um excelente número. Até sete pessoas é o ideal, no caso de companhias maiores e com história mais avançada. É importante o total de participantes ser ímpar para não haver empate em votações", aconselha.
O segundo passo é a formatação do próprio conselho de administração – aquele mais especializado, com regras definidas, com dois terços dos representantes sendo independentes a empresa. A estrutura é de cinco a 11 pessoas, variando de acordo com o faturamento. O time deve passar por uma troca a cada dois anos.
A evolução do conselho consultivo para o de administração mostra claramente a transformação da visão de negócio, do familiar para o profissional.
A instituição de um family office para gerir os recursos da família e levar conhecimento financeiro às gerações futuras também costuma ser um fator usual no momento da descentralização da gestão. "O próprio family office está preocupado em gerar recursos para os acionistas e gerir os riscos. Este é um caminho bem comum quando a empresa começa a percorrer a jornada de adoção das boas práticas", continua.
De fato, não é preciso ter um nível de disclousure nos moldes dos verificados no âmbito dos segmentos mais desenvolvidos de governança corporativa. O mínimo, por outro lado, são os seguintes pontos:
• Prestação de contas
• Auditoria independente
• Acordo de acionistas
• Preocupação com gerenciamento e monitoramento de riscos
• Maioria de independentes no conselho de administração
• Processo de sucessão
Na avaliação da especialista, uma boa receita a se seguir no processo de elaboração das normas é a verificada no Nível 1 da BM&F Bovespa. O segmento de listagem compreende as normas mínimas de transparência para companhias de capital aberto e exige comprometimento, principalmente, com melhorias na prestação de informações ao mercado e com a dispersão acionária. "Cada vez mais percebemos o mercado sedento por novas informações. A Usiminas, no ano passado, resolveu divulgar a remuneração de todos os seus executivos. Criou-se uma grande polêmica e discussão sobre o assunto, principalmente por conta da questão da segurança. E o que aconteceu? Absolutamente nada", conclui Heloísa. Muito mais do que quebrar uma barreira social, é preciso ultrapassar uma cultura pessoal quando o assunto é transparência.
Texto de Adriele Marchesini Financial Report em 10/05/2010
É preciso que a empresa consiga continuar sozinha, sem as influências que conflitos familiares podem ter sobre os negócios, diz especialista
A jornada de profissionalização é tensa, não somente para o departamento financeiro como um todo, mas também para os próprios familiares. É preciso abrir mão do controle irrestrito e ter a noção de que uma diretoria especializada tocará os negócios de forma independente. "É preciso que a empresa consiga continuar sozinha, sem as influências negativas que conflitos familiares podem ter sobre os negócios", argumentou Eduardo Chehab, da área de Score de Governança Corporativa da agência classificadora de risco Standard & Poor`s. De acordo com o especialista, a convergência dura entre quatro e cinco anos, mais por questões de ajustes entre os acionistas do que pela dificuldade da adequação em si. Neste ponto, é preciso que os herdeiros entendam sua posição neste novo cenário, aceitando o fato de que sua participação na companhia, muitas vezes, será indireta. Claro que talentos devem ser preservados no trâmite, mas a abertura a novos profissionais é essencial para o desenvolvimento. "Os filhos normalmente são mantidos no conselho de administração para terem ciência dos acontecimentos. E passam a viver de dividendos dos negócios", comentou Chehab.
O especialista citou como exemplo o caso de um investidor russo, que abriu mão completamente da gestão da empresa para viver de dividendos. O executivo tem 90% do controle da empresa – cujo nome não foi revelado – e seu sócio institucional fica com os 10% restantes. A governança corporativa da companhia foi completamente terceirizada e passada para as mãos da agência classificadora de risco. Sem ter contato com o dia a dia da companhia, o investidor vive de dividendos a alguns milhares de quilômetros de seu negócio, mais especificamente na capital inglesa. "Aqui no Brasil não temos exemplos como este, que surge com o desenvolvimento do próprio País", finalizou.
A Algar foi pioneira ao criar o conselho de família. Criado com o intuito de atender os cerca de 30 acionistas, o grupo tem restrições, não podendo influenciar nos negócios. O modelo deu certo: de mais de 17 mil colaboradores, apenas dois deles – além de Eliane Garcia (uma das herdeiras de Alexandrino e vice-presidente de Corporativa de Marketing e Sustentabilidade), o CEO da empresa, Luís Alexandre Garcia – são da família.
A admissão de herdeiros não é fácil: é preciso ter experiência em outras companhias, vivência externa e passar pelo processo de seleção. Sem favorecimentos, garante Eliane. É essencial deixar de lado o ego e apostar na gestão de profissionais competentes. Coragem e audácia para isso vêm com o tempo e, também, com uma boa dose de desprendimento.
A adesão a boas práticas de comunicação com o mercado ainda é voluntária no caso de companhias sem capital de investidores de fora. A decisão vem em um momento no qual a companhia pensa em agregar valor aos seus negócios, priorizando os benefícios trazidos pela boa imagem que o mercado fará dela. E para o tiro não sair pela culatra é importante saber como conduzir a transformação.
De acordo com a diretora executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Heloisa Bredicks, o processo de adoção ocorre aos poucos. O início costumeiro é um conselho consultivo, formado por conhecidos da diretoria com o único intuito de trocar experiências sobre negócios. Isso ocorre, normalmente, quando há uma preocupação com o plano de sucessão do fundador.
O tamanho do grupo é relativo, variando conforme o porte da companhia. "Para uma empresa ainda na primeira geração, com faturamento relativo a pequenas e médias companhias, três pessoas já representam um excelente número. Até sete pessoas é o ideal, no caso de companhias maiores e com história mais avançada. É importante o total de participantes ser ímpar para não haver empate em votações", aconselha.
O segundo passo é a formatação do próprio conselho de administração – aquele mais especializado, com regras definidas, com dois terços dos representantes sendo independentes a empresa. A estrutura é de cinco a 11 pessoas, variando de acordo com o faturamento. O time deve passar por uma troca a cada dois anos.
A evolução do conselho consultivo para o de administração mostra claramente a transformação da visão de negócio, do familiar para o profissional.
A instituição de um family office para gerir os recursos da família e levar conhecimento financeiro às gerações futuras também costuma ser um fator usual no momento da descentralização da gestão. "O próprio family office está preocupado em gerar recursos para os acionistas e gerir os riscos. Este é um caminho bem comum quando a empresa começa a percorrer a jornada de adoção das boas práticas", continua.
De fato, não é preciso ter um nível de disclousure nos moldes dos verificados no âmbito dos segmentos mais desenvolvidos de governança corporativa. O mínimo, por outro lado, são os seguintes pontos:
• Prestação de contas
• Auditoria independente
• Acordo de acionistas
• Preocupação com gerenciamento e monitoramento de riscos
• Maioria de independentes no conselho de administração
• Processo de sucessão
Na avaliação da especialista, uma boa receita a se seguir no processo de elaboração das normas é a verificada no Nível 1 da BM&F Bovespa. O segmento de listagem compreende as normas mínimas de transparência para companhias de capital aberto e exige comprometimento, principalmente, com melhorias na prestação de informações ao mercado e com a dispersão acionária. "Cada vez mais percebemos o mercado sedento por novas informações. A Usiminas, no ano passado, resolveu divulgar a remuneração de todos os seus executivos. Criou-se uma grande polêmica e discussão sobre o assunto, principalmente por conta da questão da segurança. E o que aconteceu? Absolutamente nada", conclui Heloísa. Muito mais do que quebrar uma barreira social, é preciso ultrapassar uma cultura pessoal quando o assunto é transparência.
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