31 de out. de 2010

Manobras, engenharias, ajustes, desvios, criatividade (contábeis ou não)...

Sobre manobras, engenharias, ajustes, desvios, criatividade (contábeis ou não)...

Brasil faz superávit primário recorde com Petrobras

Agência Reuters - Isabel Versiani - 29/10/2010

O setor público consolidado brasileiro registrou superávit primário de 27,8 bilhões de reais em setembro, maior valor da série histórica iniciada em dezembro de 2001. O resultado foi impulsionado por receitas levantadas pelo Tesouro com a operação de capitalização da Petrobras.

"O superávit do governo central foi influenciado pelo recebimento de receitas da cessão onerosa pela exploração de petróleo, pagas pela Petrobras, em montante superior às despesas com a capitalização da empresa", disse o BC em nota.

Com a forte arrecadação atípica, a economia feita pelo governo superou o volume de juros apropriados no mês e o país registrou um superávit nominal de 11,782 bilhões de reais.

A dívida pública líquida recuou a 41 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) no mês passado, frente a 41,4 por cento do PIB em agosto.

O resultado primário veio um pouco abaixo da estimativa de um saldo positivo de 29,75 bilhões de reais levantada por sondagem Reuters junto a 12 analistas.

Sobre a repercussão da divulgação do superávit primário decorrente da capitalização da Petrobras, que foi denominada de "manobra contábil, transcrevo abaixo o texto postado no Blog do Prof. Lino Martins da Silva, abordando a divulgação de informações na imprensa imputando à Contabilidade a operacionalização de manobras, ajustes e outras coisas do tipo.

Caso PETROBRAS: artifício contábil; artifício operacional ou engenharia financeira?

Dizem que certa vez um político importante definiu o que seria a diferença entre “um bom negócio” e “uma negociata”. O bom negócio é aquele que foi idealizado por nós ou por pessoas nossas amigas. Já negociata é o negócio idealizado pelos outros e da qual nós não participamos.

Confesso que fiz uma leitura rápida das noticias sobre a capitalização da Petrobras, mas imediatamente lembrei-me da operação que foi realizada entre a União e o Estado do Rio de Janeiro (acho que em 1999) relativa ao “Contrato de Confissão, Promessa de Assunção, Consolidação e Refinanciamento de Dívidas” em que a União reconheceu o valor total de débitos do Estado. Esse contrato trouxe como grande novidade o adiantamento dos royalties do petróleo.

Minhas anotações aqui do Observatório de Controle indicam que a dívida originalmente refinanciada era formada por cinco débitos. Um era a dívida em títulos emitidos até 31 de março de 1996, de R$ 11,44 bilhões. Outro, de R$ 438,09 milhões, é a soma de empréstimos feitos pelo Estado na Caixa Econômica Federal (CEF). E se não estou enganado havia outro débito com a CEF, específico para saneamento básico, de R$ 466,87 milhões, e uma dívida com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pela Linha Vermelha, de R$ 111,82 milhões. Também havia a dívida assumida pelo Estado para cobrir o passivo do Banerj e viabilizar sua privatização, de R$ 6,07 bilhões.

Como parte desse acordo foi assinado também termo aditivo ao contrato do Rio com a CEF, referente ao empréstimo que permitiu a venda do BANERJ ao Itaú. Pelo contrato, o dinheiro estava em duas contas (A e B), destinadas, respectivamente, a cobrir o passivo do banco com a Previ-Banerj (a caixa de previdência) e a honrar outras dívidas.

Com tal operação ocorreu uma segregação do BANERJ em dois Bancos: o Banco Bom (assumido posteriormente pelo ITAU) e o Banco “Podre” (que ficou com o Estado). Pelo contrato original, porém, o governo do Rio não poderia ter acesso ao dinheiro, cuja destinação era específica.

Com a renegociação, ocorreu uma mudança. Na conta A ficaram R$ 312,98 milhões, a título de reserva monetária. O resto foi para o Estado. O Rio recebeu R$ 320 milhões em dinheiro, R$ 798,28 milhões em títulos que venceriam em 15 de dezembro de 2001 e R$ 2,5 bilhões em títulos que vencerão em 15 de dezembro de 2014. Isso permitiu que o Estado formasse as reservas do Rio-Previdência, fundo criado pelo Estado para, no futuro, assumir sozinho o pagamento dos cerca de 200 mil aposentados e pensionistas do serviço público estadual. Com isso, os gastos de pessoal poderiam ser reduzidos ao limite do ajuste exigido pelo governo federal.

O que achei de interessante nisso tudo é que na época, até onde estou lembrado, ninguém levantou que a operação acima era um artifício contábil. Afinal também representava um saque sobre o futuro e esse futuro acabou promissor para o Estado tendo em vista o grande aumento do preço do barril de petróleo nos anos seguintes.

O caso da Petrobras e a venda dos direitos sobre exploração futura parece ser da mesma natureza. Entretanto, agora se fala em artifício contábil. Aliás, o assunto é tratado como contábil antes mesmo de examinar os registros para verificar se algum lançamento foi surripiado na Contabilidade Patrimonial o que é praticamente impossível em face dos sistemas de controle existentes. Espera-se que ao considerar como contábil antes do registro não tenha o propósito de manipular a opinião pública na tentativa de dar credibilidade ao fato.

Este Blog acha que o que falta é conhecimento de análise das demonstrações contábeis para sobre elas emitirem suas opiniões e fazerem os ajustes que julguem necessários. Ao invés disso preferem pré-julgar como “artifício contábil”. Se artifício for, será operacional ou de engenharia financeira, mas nunca contábil vez que a Contabilidade Patrimonial sempre apresentará tais movimentações.

É incrível como a Contabilidade, nos últimos tempos, passou a ser uma espécie de “Bombril”, vale dizer, tem mil e uma utilidades. Isso nos leva a crer que o sistema contábil é mais importante do que pode pensar qualquer vã filosofia.

Daqui do nosso observatório de controle confesso que nem sei se a operação é licita ou ilícita, pois entendo que de uma forma ou de outra ela estará registrada na Contabilidade Patrimonial das entidades envolvidas.

O que me preocupa é o mau uso que algumas pessoas tem feito da Ciência Contábil transformando-a numa espécie de Geni que, como na velha canção do Chico:

“Joga pedra na Geni!

Joga pedra na Geni!

Ela é feita pra apanhar!

Ela é boa de cuspir!

Ela dá pra qualquer um!

Maldita Geni!”

Parabéns ao Prof. Lino Martins pela genialidade do texto e riqueza das informações apresentadas. É necessário textos como esse que esclareçam que nem toda mudança na configuração de números e saldos é necessariamente prerrogativa ou artifício da Contabilidade.


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