Por Renato Reis Batiston
Criado em 1995, o mecanismo dos juros sobre o capital próprio é um instrumento de remuneração dos sócios atrelado ao capital investido na sociedade. Em linhas gerais, equipara esse ao financiador externo, permitindo que a sociedade lhe remunere não só com a distribuição de dividendos como também com o pagamento de juros, em contrapartida pelo custo de oportunidade dos recursos nela mantidos. Dado o tratamento tributário que recebe - despesa financeira dedutível na apuração do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) com base no lucro real - as sociedades lucrativas tendem a utilizá-lo em substituição ou complemento aos dividendos (que não são despesas). O mecanismo dos juros sobre o capital próprio é determinado com a aplicação da TJLP sobre o patrimônio líquido (com alguns ajustes) da sociedade pagadora.
E, para poder ser deduzido como despesa na apuração dos tributos sobre o lucro, deve ser inferior, desde a sua deliberação até o encerramento do exercício fiscal, a pelo menos um dos seguintes limites: 1) 50% do lucro líquido do exercício antes de sua própria dedução; ou 2) 50% dos lucros acumulados e reserva de lucros. Apesar de existirem algumas dúvidas e controvérsias sobre determinados critérios para a sua dedução fiscal, o cálculo se mostra relativamente simples e seguro. Todavia, em 2008, o pagamento de juros sobre o capital próprio pode gerar surpresas adversas, dada a migração para os padrões contábeis internacionais, conforme preconizado pela Lei nº 11.638, de 2007, cujos efeitos ainda estão sendo assimilados pela maioria dos interessados - contadores, auditores, advogados, analistas etc. - e poderão afetar significativamente o lucro líquido do período ou o saldo de lucros acumulados (itens 1 e 2 acima).
Ainda que muitas das novas normas possam vir a ser adotadas apenas em 2009, é certo que algumas delas já produzirão efeitos em 2008 - como os testes de recuperabilidade dos ativos, ou "impairment", regulado pelo Pronunciamento nº 1 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, órgão responsável por regulamentar a adoção dos padrões internacionais. Em princípio, os ajustes decorrentes da aplicação de tais normas afetarão o lucro líquido contábil da sociedade e, conseqüentemente, o limite para dedução fiscal de juros sobre o capital próprio baseado nele (item 1 acima). Desse modo, caso o lucro líquido seja ajustado para menos e os juros sobre o capital próprio tenham sido pagos com base no maior valor possível de dedução fiscal, a sociedade poderá vir a ser surpreendida e ter de desconsiderar o excesso na apuração dos tributos sobre o lucro. Por outro lado, conforme as disposições dos padrões internacionais de demonstrações financeiras contidas no International Financial Reporting Standards (IFRS) nº 1, que versa sobre os ajustes a serem observados pelas sociedades ao migrarem para os padrões internacionais, é possível que seja determinada a adoção de balanço de abertura em 1º de janeiro de 2008 e a realização dos ajustes de transição contra a conta de lucros acumulados, ou, se apropriado, em outras contas do patrimônio líquido.
Nessa hipótese, os ajustes poderão reduzir os lucros acumulados e, conseqüentemente, o limite para dedução fiscal baseado nele (item 2 acima), fato que poderá fazer com que as despesas com juros sobre o capital próprio se tornem superiores às que poderiam ser deduzidas, provocando a obrigação de adicionar o excesso ao lucro tributável. Em razão disso, dificilmente algum dos limites para dedução de juros sobre o capital próprio não será modificado, senão ambos, salvo se a Receita Federal do Brasil emitir normas que evitem tais efeitos. Nesse sentido, importa alertar que se tem discutido muito sobre a neutralidade fiscal das mudanças impostas pela Lei nº 11.638. Pautados nos parágrafos 2º e 7º do artigo 177 da Lei nº 6.404, de 1976, modificado pela Lei nº 11.638, há quem defenda a neutralidade total, enquanto outros entendem que, por ora, é possível sustentar apenas uma neutralidade parcial, pois para que seja total, deverão ser emitidas normas complementares de caráter fiscal, aptas a manter os efeitos fiscais decorrentes, exclusivamente, da contabilidade - neste sentido, considerando que a regra contábil foi alterada e não há lei específica determinando que certos eventos tenham tratamento fiscal diverso do contábil, há que ser emitida uma norma prevendo, para fins tributários, a manutenção do antigo critério contábil.
A despeito dessa discussão e, ainda que venham a ser emitidas as normas que garantam tal neutralidade fiscal, cumpre ressaltar que os efeitos indiretos decorrentes das alterações promovidas pela Lei nº 11.638 podem não ser neutralizados. A alteração dos limites de dedução fiscal de juros sobre o capital próprio (itens 1 e 2 acima) é um exemplo desses efeitos. Outro exemplo é o reconhecimento dos efeitos contábeis levados a cabo por investidas avaliadas por equivalência patrimonial, que poderão ter seu custo afetado em razão dos novos critérios contábeis, fato que poderá modificar o eventual ganho de capital sobre sua alienação ou liquidação. Vale dizer que, em ambos os caso, os ajustes de natureza fiscal - adições e exclusões ao lucro líquido para determinação do lucro tributável -, já não eram considerados antes da Lei nº 11.638, sendo razoável considerar que assim continue sendo. Ou seja, não é de se esperar que, para fins fiscais, o lucro líquido e/ou saldo de lucros acumulados e o resultado de equivalência patrimonial sejam, de alguma forma, ajustados para expurgar os efeitos da Lei nº 11638 na determinação dos limites de dedução de juros sobre o capital próprio ou do custo de investimentos. Diante desse cenário de incertezas, um procedimento conservador seria aguardar um posicionamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis e da Receita Federal do Brasil sobre os efeitos contábeis e fiscais de tais ajustes.
Como alternativa, a realização de um pré-estudo dos impactos da adoção dos padrões internacionais ou a deliberação de juros sobre o capital próprio em valor inferior ao limite para sua dedução fiscal podem ajudar a mitigar tal risco. Finalmente, caso tais normas e esclarecimentos não venham até o fim de 2008, pode-se avaliar a deliberação e respectiva dedução fiscal dos juros sobre o capital próprio de 2008 em 2009, prática que, apesar de ser contestada pelo fisco, vem sendo autorizada pelo Conselho de Contribuintes, confirme os acórdãos de número 107-08941 e 101-96751.
Valor Econômico
Revista Contábil & Empresarial Fiscolegis, 21 de Outubro de 2008
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