24 de mar. de 2010

Taxonomia XBRL

Contador terá programa internacional para envio de relatórios

por FinancialWeb (22/03/2010)

A tecnologia, batizada de taxonomia XBRL, automatiza processo de divulgação de relatórios contábeis

O Instituto Internacional de XBRL aprovou o uso do programa taxonomia XBRL (na sigla em inglês: Extensible Business Reporting Language) no Brasil. A tecnologia, criada por um contador americano em 1998, permite a automação do processo de divulgação de envio e recepção de relatórios contábeis de pequenas, médias ou grandes empresas.

Por meio do programa, as informações contidas nos relatórios são convertidas à tecnologia XBRL, sem que haja alteração no conteúdo enviado aos órgãos reguladores. Além de ser compatível com qualquer sistema. As informações são do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).

O presidente do CFC, Juarez Domingues Carneiro, está otimista quanto a agilidade no processo de implantação, que será coordenado pela Câmara Técnica. Há dois anos, o CFC e o professor Edson Luiz Riccio, coordenador do Laboratório de Tecnologia e Sistemas de Informação da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (TECSI) da USP, já vêm trabalhando na implementação do XBRL. Com a validação, o Brasil já tem autorização para iniciar o seu próprio processo.

De acordo com Carneiro, a linguagem padrão do XBRL é uma tecnologia irreversível para os relatórios contábeis e financeiros no mundo. "A intenção, a partir de agora, é definir, por meio de um grupo de trabalho estratégico, as ações a serem desenvolvidas neste ano e também a participação de novos parceiros no processo", afirmou Carneiro, em comunicado. Neste ano, o CFC pretende apoiar um evento sobre o tema a ser realizado em São Paulo. Além disso, o Conselho participará, em abril, do Congresso Mundial do XBRL em Roma, onde reivindicará que o Brasil seja a próxima sede do evento em 2012.

Mais transparência!

CVM exige mais transparência nas taxas

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 23 mar./2010.

Texto de Silvia Rosa

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) irá colocar em audiência pública até o fim do primeiro semestre deste ano a revisão da Instrução 409, que trata da regulação dos fundos de investimento. A nova norma deve determinar mudanças na divulgação das taxas de administração cobradas pelos gestores, de forma a tornar mais transparente o seu impacto no rendimento das aplicações.

Além do informe anual, com a discriminação das taxas e custos da carteira, a CVM estuda exigir que as gestoras divulguem uma simulação de qual seria o rendimento líquido, descontadas todas as taxas, despesas do fundo e Imposto de Renda, com base na rentabilidade dos últimos 12 meses. "O objetivo é trazer uma referência a mais para que o investidor possa tomar sua decisão, informando qual seria o valor hipotético que ele teria disponível para saque se tivesse aplicado no fundo há um ano", afirma Luciana Dias, superintendente de desenvolvimento de mercados da autarquia. "Contudo, o prospecto dos fundos deve deixar claro que a rentabilidade passada não significa promessa de retorno futuro", acrescenta.

Junto com a simulação, as gestoras devem continuar informando o histórico de rentabilidade das carteiras, que a CVM avalia se deve ou não ser ampliado para os últimos três ou cinco anos. "O objetivo da nova Instrução é facilitar a comparação entre os fundos de investimentos", afirma Luciana.

Outro ponto que a CVM pretende discutir é como ajustar os prazos de resgate à liquidez dos ativos em carteira. Hoje, a maioria dos fundos do mercado brasileiro possui liquidez diária para resgate ou prazos de carência muito curtos, se comparados aos internacionais, onde há produtos com carência de 90 ou até 180 dias. Os parâmetros para avaliar a liquidez de cada ativo ainda estão em discussão pela CVM.

Fundos que investem em ativos de baixa liquidez podem ter um prazo de carência maior. "Estamos analisando o tratamento quanto à liquidez dos ativos adotados nas legislações dos Estados Unidos e Europa, e devemos adaptar as regras às características particulares do mercado brasileiro", explica a superintendente da CVM.

Além das mudanças quanto ao informe das taxas e despesas dos fundos, a nova Instrução deverá incluir a exigência de divulgação de prospectos simplificados para fundos destinados ao segmento de varejo, junto com adequação dos prazos de carência em relação à liquidez dos ativos. A expectativa, segundo Luciana, é de que as novas regras entrem em vigor a partir de 2011.

Segundo a superintendente da CVM, uma das propostas é fazer com que as taxas de administração dos fundos sejam divulgadas não apenas como um percentual relativo ao patrimônio líquido do fundo, mas quanto elas representam da performance da carteira. "Assim os investidores podem ter uma referência melhor sobre se a taxa cobrada pelo produto pode ser considerada alta ou baixa comparada ao retorno do investimento", diz.

Ela destaca que fundos DI, por exemplo, têm uma gestão mais passiva e, por isso, não devem cobrar taxas superiores a produtos que possuem uma gestão mais ativa da carteira e que oferecem expectativa de retorno mais alta. "A CVM não pretende impor limitações às taxas de administração cobradas pelo mercado, que devem ser negociadas entre os investidores e os gestores dos fundos, mas estabelecer regras que permitam aos cotistas acesso completo às informações sobre os custos dos produtos", ressalta Luciana.

Proposta de mais mudanças na Lei das S.A.

Deputado do Maranhão propõe projeto para modificar Lei das S.A.

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 23 mar./2010.

Texto de Graziella Valenti

Nem de São Paulo, nem do Rio de Janeiro, principais centros financeiros do Brasil. Vem do Maranhão um projeto de lei que pretende dar limite às operações entre empresas do mesmo grupo ou com seus administradores e sócios. Conhecidas tecnicamente como contratos em partes relacionadas, essas negociações são um dos temas mais delicados do mercado.

No dia 15 de março, o deputado Cleber Verde (PRB-MA) apresentou à Câmara dos Deputados, em Brasília, um projeto de lei para modificar a Lei das Sociedades por Ações. Embora determine que os negócios entre partes relacionadas não possam gerar prejuízo à empresa aberta, a lei na sua redação atual não garante que tais transações tenham que ser submetidas ao crivo dos acionistas.

A sugestão do deputado, que é do mesmo partido do vice-presidente da República José de Alencar, é que as operações que superem 0,5% do patrimônio ou do capital social da empresa tenham que passar antes por assembleia de acionistas, com quórum superior a 50% das ações ordinárias (com direito a voto).

O texto de Verde sugere alteração no artigo 136 da Lei das S.A., que descreve quais matérias devem ser submetidas a assembleias que exigem tal quórum, chamado de "qualificado". Essas operações seriam o 11º item da lista.

O deputado propõe ainda que se a transação não for submetida ao aval dos acionistas, o negócio poderá ser anulado e os lucros gerados poderão ser transferidos à companhia.

Eleito em 2007, Verde é bacharel em Direito pela faculdade Ceuma (Centro de Ensino Unificado do Maranhão) e diz ter mais de 350 projetos de lei de sua autoria, dos mais variados temas. Suas propostas vão de regras para tarifas de estacionamento nos shopping centers até modificação do índice de correção das aposentadorias. Antes da Câmara, o deputado de 37 anos foi vereador em São Luis, capital do estado maranhense.

"Vi que essas operações não tinham obrigação de passar nem por debate prévio nas companhia. E muitas delas depois acabavam gerando investigação do órgão regulador, a CVM", disse Verde ao Valor.

Apesar da escolha de um dos assuntos mais controversos do mercado brasileiro, essa é a primeira incursão do deputado ao universo do direito societário. A despeito da baixa representatividade do Maranhão para o mercado de capitais, o deputado do PRB diz que pretende "fazer mais coisas nessa área de economia e finanças".

Das cerca de 440 companhias abertas, apenas três possuem sede no Estado do Maranhão: Cia. Maranhense de Refrigerantes, Companhia Energética do Maranhão (Cemar) e Equatorial Energia. Mesmo do público investidor, o estado não está entre os mais relevantes. Das 559 mil pessoas físicas que investem diretamente no mercado de ações, apenas 1,6 mil estão no Maranhão - cerca de 0,13% do total dos aplicadores ativos. "Não importa de onde vem o projeto. O que importa é o interesse para a sociedade", disse Verde.

Instrumentos financeiros e Contabilidade Criativa

Instrumentos financeiros facilitam o uso de soluções criativas nos balanços


Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 23 mar./2010.


Original: Financial Times (Londres)

Quando o Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira (Fasb), dos EUA, esboçou pela primeira vez as regras sob as quais o Lehman Brothers levou adiante seu acordo com o Repo 105, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) informou ao órgão que o padrão precisava ser mais bem trabalhado antes de ser publicado.
Tal intervenção de um órgão regulador é extremamente rara e mostra as dificuldades existentes para desenvolver regras sobre instrumentos financeiros.
"Talvez, olhando em retrospectiva, deveria voltar atrás e dizer não", diz Lynn Turner, então chefe de contabilidade da SEC. "Mas eles atenderam as questões" que havíamos pedido.
A instrução SFAS 140, reescrita, entrou em vigor em 2001, substituindo um conjunto de regras que tinha apenas seis anos. Aperfeiçoou o antigo padrão contábil com novas regras determinando o que exatamente poderia ser qualificado como uma venda - que foi o exatamente ângulo usado posteriormente pelo Lehman Brothers em sua Repo 105.
Enquanto a contabilidade é relativamente objetiva no mundo material, o é muito menos com os instrumentos financeiros, nos quais o "fatiamento" dos últimos dez anos tornou o trabalho ainda mais difícil. À medida que o setor financeiro evolui, a contabilidade precisa acompanhar o ritmo, o que leva a padrões cada vez e mais complexos e amplos.
"Cada vez que lidemos com uma transação complicada, precisaremos de uma contabilidade complicada", diz Kevin Stoklosa, do Fasb. "Se estivermos falando sobre a venda de um par de sapatos, então, provavelmente dez pessoas aparecerão com o mesmo tratamento contábil. Com instrumentos financeiros e toda sua complexidade, teremos dez respostas diferentes."
Os contadores têm consciência de que permitir mais ativos nos livros resultaria em reclamações dos investidores também.
"Isso apenas encheria os balanços com todos os tipos de coisas que não deveriam estar lá - então, as pessoas nos acusariam de inflar os livros", diz um especialista. "É um verdadeiro equilibrismo."
Apesar de todo o estardalhaço quanto às atitudes do Lehman Brothers, especialistas dizem que realizar transações financeiras apenas para ter benefício contábil, como o banco fez, é algo raro.
"O pessoal estrutura as coisas por motivos tributários porque isso traz economia", diz um contador sênior. "Na verdade, é muito raro ver alguém ter o trabalho de sair de suas práticas habituais quando o benefício é apenas contábil, porque isso frequentemente lhes custaria dinheiro - como ocorreu com o Lehman Brothers - e é muito malvisto."

Manobras Contábeis e Investidores

Muito bom o texto e os exemplos de uso de manobras contábeis para maquiar balanços.
Vale a pena a leitura!

Contabilidade volta a pregar peças nos investidores
Matéria publicado no Jornal Valor Econômico em 23 março. 2010

Texto de Jennifer Hughes (Financial Times - Londres)

Em 18 de março de 2008, Erin Callan, diretora financeira do Lehman Brothers, disse em uma teleconferência que o banco estava "tentando dar ao grupo [que a ouvia] uma grande dose de transparência sobre as demonstrações financeiras", fornecendo mais detalhes. Os analistas na linha até a agradeceram por isso.
Mas o que Callan não disse a eles é que o Lehman tinha transferido US$ 49 bilhões de seu balanço do trimestre, usando uma manobra que chamada "Repo 105". Isso foi feito para ajudar a baixar a alavancagem - ou a proporção de ativos sobre patrimônio líquido - informada pelo banco, exatamente a redução que ela estava divulgando aos analistas.
Essa e outras manobras semelhantes vieram à tona no relatório de 2.200 páginas coordenado por Anton Valukas, administrador nomeado pelo juiz do tribunal de falências. Justificadas por escassa ou nenhuma lógica econômica, essas transferências são simplesmente uma variante da antiquíssima manobra contábil de maquiagem dos números para que o balanço pareça temporariamente melhor.
O que chama a atenção, dois anos depois, é a maneira objetiva com que os esquemas foram discutidos no banco por altos executivos e aceitos por suas contrapartes - outros grupos financeiros com os quais o Lehman tinha negócios, antes de seu colapso setembro.
No entanto, mesmo no Lehman, nem todo mundo encarou o mecanismo de maneira tão benigna. Num e-mail, Bart McDade, que se tornou diretor operacional em junho de 2008, qualificou a Repo 105 de "mais uma droga da qual estamos dependentes" e planejava reduzir sua utilização, em meio a uivos de protesto de alguns departamentos. Martin Kelly, diretor de controladoria, alertou seus chefes sobre o "risco de manchete" para a reputação do Lehman, se as operações viessem a público.
O esquema até mesmo custava dinheiro ao banco. Diz um e-mail de outro funcionário: "Todo mundo sabe que a 105 é um mecanismo fora do balanço e as contrapartes estão exigindo níveis absurdos [de preços] para participar".
Mas a pressão para realizar mais operações desse tipo cresceu, em 2008, assim como a obsessão do mundo exterior com a precariedade das finanças do banco, especialmente sua alavancagem. E-mails internos exortavam gestores a se empenhar mais para remover ativos da contabilidade. Embora Dick Fuld, executivo-chefe até o fim do Lehman, tenha dito por meio de um advogado que não conseguia lembrar-se de discussões sobre a Repo 105, McDade disse ao investigador que havia feito a seu chefe uma apresentação sobre o tema.
Entre as questões suscitadas pelo relatório Valukas sobre a inteireza da contabilidade - e da auditoria feita pela Ernst & Young -, há um tema maior: como é que esse tipo de engenharia financeira chegou a ser considerado uma ferramenta legítima de negócios e o que pode ser feito a respeito?
Maquiar as contas não é novidade, e pode assumir muitas formas - de relativamente benignas a fraude pura e simples. Nas indústrias, por exemplo, um gerente pode "entupir os canais" despachando produtos pouco antes do fim do trimestre, mesmo que os itens não tenham sido pedidos para ajudar a cumprir metas e incrementar as receitas que aparecem nos relatórios. Isso não é muito diferente do que faz o gerente de uma loja de varejo que, depois de atingir a meta mensal, retarda a contabilização dessas vendas por alguns dias para facilitar o cumprimento das metas do mês seguinte.
Truques para manipular a receita reportada são mais comuns do que as que, como no caso das Repo 105 usadas pelo Lehman, focam o balanço patrimonial. Mas o banco americano não estava sozinho.
De fato, um lembrete veio à tona na semana passada, com a prisão de Sean Fitzpatrick, que também em 2008 renunciou ao cargo de presidente do Anglo Irish Bank, em Dublin, após a revelação de que havia ocultado, durante anos, empréstimos pessoais no valor de até US$ 119 milhões. Ele o fez transferindo os empréstimos para outro banco pouco antes do fim do ano fiscal de seu banco, e trazendo-os de volta após o encerramento do balanço patrimonial.
Dois anos antes da saída de Fitzpatrick, a Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC) obrigou um grupo de bancos porto-riquenhos a republicar suas contas, corrigidas, após investigação sobre vários delitos, entre eles gestão de lucros mediante uma série de transações de compra e venda simultâneas envolvendo outros bancos.
A prática nada tem de recente; em 1973, a London and County Securities, no Reino Unido, foi ao colapso depois que um aperto de crédito deflagrado pelo governo contribuiu para tornar realidade as suspeitas generalizadas sobre suas abaladas finanças. Ao destrinchar as contas do L&C, os liquidantes encontraram, entre muitas práticas abusivas, uma sistema de "maquiagem" dos números que envolvia uma "quadrilha" de bancos que depositavam fundos uns nos outros pouco antes do fim do ano para aumentar a liquidez nos balanços.
As operações com as Repo 105 usadas pelo Lehman chamaram a atenção porque tentativas de esconder ativos movendo-os para fora do balanço são comumente associadas a práticas contábeis nebulosas, famosas por seu envolvimento no emaranhado interminável de veículos financeiros criados pela companhia de energia americana Enron para esconder suas dívidas.
Mas a razão pela qual esse tópico continua ressurgindo sob tantas formas é que a questão está no cerne da prática contábil, cuja intenção original era dar aos proprietários de uma empresa um retrato legítimo de suas atividades. Por isso, o que é lançado nos livros - e o que fica fora deles -, é uma área de permanente de debate.
Apesar dos repetidos e cada vez mais exaustivos esforços dos reguladores para esclarecer as questões, contadores e gestores de empresas sabem que permanecem muitas zonas cinzentas. Isso cria um terreno intermediário onde os gestores podem contestar seus auditores - com alguma tranquilidade -, afirmando que apesar da "nebulosidade" implícita no termo "fora do balanço" estão debatendo legitimamente uma área sem regras absolutamente definidas para todas as situações.
"É sempre mais fácil quebrar uma regra do que propor uma regra geral, nessa área, que diga qual deveria ser o tratamento", diz Allan Cook, ex-diretor técnico do Conselho de Normas Contábeis, no Reino Unido. Ele recorda ter recebido uma série de cartas de contadores e administradores de empresas sugerindo regras específicas para a contabilização de itens extra-balanço, e fornecendo exemplos aos quais elas se aplicariam. "O problema é que não se pode formular uma norma na forma de uma série de boas soluções para situações individuais, as regras têm de ser formuladas em termos gerais", acrescenta ele.
Antes de a agência britânica ter sido criada em 1990 (17 anos depois de seu equivalente nos EUA, o Fasb, Conselho de Padrões de Contabilidade Financeira), recordam os contadores da época, houve uma série de brigas com clientes e seus advogados em torno do que deveria, e do que não deveria, ser permitido.
Sir David Tweedie, que hoje preside o Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb), descreveu a década de 1980, quando era sócio da KPMG, como uma era em que os clientes testavam os limites. "Banqueiros de investimento 'empurravam' um esquema que, possivelmente, estivesse minimamente dentro da lei, a um cliente, convenciam duas grandes firmas de auditoria a aceitar o esquema - que passava a se tornar uma prática aceita - e [advogados] diziam a um terceiro auditor que ele não poderia apor ressalvas [ao relatório financeiro da companhia]", disse ele em 2008.
Algumas dessas transações usavam o mesmo tipo de veículos financeiros que esteve fortemente ligado à recente crise. Outros esquemas eram aparentemente mais prosaicos, como permitir aos varejistas "vender" as lojas a seu banco, mas com um acordo possibilitando recomprar as propriedades em qualquer momento. Os contadores mostravam-se - e mostram-se - cautelosos em chamar esse tipo de acordo de uma venda genuína, já que, na realidade, o vendedor mantém o controle. "Lembro-me de executivos de banco de investimento nos dizendo que nunca [conseguiríamos] parar isso", diz um contador.
Tudo isso significa que, em muitas situações reais, não fica claro quando exatamente se anda sobre uma linha que configura aproveitamento legítimo das regras contábeis, maquiagem financeira questionável ou práticas artificiosas ou fraudulentas.
"Uma forma de conseguir o menor custo possível de financiamento é conseguir uma apresentação apropriada", diz um contador sênior do Lehman Brothers. "Coloque-se em uma situação em que os analistas constantemente escrevem sobre sua alavancagem e você acredita estar tecnicamente no direito de reduzir o custo do dinheiro apresentando suas contas dessa forma. Não fica, então, tão disparatado dizer, 'bem, eles escreveram as regras e estou dentro delas'."
Lynn Turner, ex-chefe de contabilidade da SEC, é mais cáustico sobre o uso da Repo 105 pelo Lehman Brothers. "Não creio que seja apenas engenharia financeira, creio que seja fraude contábil. É simplesmente surpreendente que tenhamos voltado a isso", afirma.
De forma reservada, auditores nos EUA contam sobre encontros com clientes que lhes perguntam diretamente: "Em que lugar está escrito que não posso fazer isso?".
"Na informação financeira, ninguém quer ficar para trás e ter seus concorrentes antecipando-se a eles. É um pouco como uma corrida armamentista ou uma caçada", diz Jack Ciesielski, editor da Analysts' Accounting Observer, um serviço de análises sobre contabilidade. "A melhor analogia com a vida real poderia ser a restituição do imposto de renda e como algumas pessoas se sentem passadas para trás se não vão até o limite, aproveitando qualquer dedução que consigam."
O relatório de Valukas trouxe a contabilidade e auditoria de volta aos holofotes. A Ernst & Young sustenta ter confiança no trabalho realizado e acrescenta que as últimas contas auditadas do Lehman Brothers, até novembro de 2007, foram "apresentadas de modo correto", em conformidade com os princípios contábeis dos EUA.
Reservadamente, altos executivos de rivais entre as "quatro grandes" firmas mundiais de auditoria se perguntam o que poderia ser revelado se outras instituições problemáticas, como AIG, Bear Stearns e Royal Bank of Scotland, tivessem sido alvos de análises microscópicas similares, que renderam acesso a três petabytes de informações - o equivalente a 350 bilhões de folhas.
A profissão vem discutindo internamente há anos como seguir princípios contábeis em um mundo no qual os auditores, cada vez mais, enfrentam o risco de processos. Nos tribunais, regras mais detalhadas possibilitariam uma proteção melhor para os auditores do que princípios gerais. Agora, o G-20, grupo das 20 principais economias mundiais, pediu às autoridades reguladoras para chegar a um acordo sobre um conjunto único de padrões contábeis mundiais até 2011. Na realidade, isso exigiria que os EUA troquem suas regras pelas do Iasb, que usa um sistema mais baseado em princípios.
Os cínicos, porém, já alertam para o fato de que embora balanços mais gerais podem ajudar a obrigar os gestores a seguir "o espírito", em vez de simplesmente "a letra", da lei, também podem deixar mais espaço para interpretações individuais. Em outras palavras, o tipo de área cinzenta explorada pelo Lehman Brothers nunca desapareceria realmente.

22 de mar. de 2010

Gestão de Pessoas no Setor Público

Sistema de gestão privada destinado ao servidor público

Matéria publicada no Portal Brasil Econômico em 21/03/2010

Texto de Marina Gomara

Método que está sendo adotado em vários estados do país incentiva o funcionalismo a trabalhar melhor em troca de compensação financeira.

Para os que consideravam o funcionalismo público engessado, o consultor Luiz Antônio Melo desenvolveu um método para provar o contrário. Seu trabalho começou há catorze anos na Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, quando a gestão pública ainda trabalhava com metas individuais de resultado para avaliar os funcionários.

Mas Melo, que pertence aos quadros da Fundação Instituto de Administração (FIA) da Universidade de São Paulo (USP), elaborou um sistema de remuneração que vem dando certo em várias repartições públicas.

"É muito difícil, diria até impossível, medir o resultado individual, porque as pessoas têm tempos, ritmos, valores e culturas muito diferentes. Não dá para saber se ela está ou não agregando valor ao resultado final da operação", explica.

Foi assim que implementou o programa de remuneração variável ou participação de resultado no estado. O nome parece complicado, mas o conceito é simples: fazer o funcionário participar do processo decisório com base nos resultados da empresa. Para isso, é preciso estabelecer, primeiro, como os resultados serão medidos.

No caso do Ceará, dois indicadores foram escolhidos: arrecadação e custo da arrecadação. Se os resultados nesses quesitos melhorassem, todos os funcionários receberiam remuneração adicional.

Assim, todos se esforçaram para arrecadar mais dinheiro para o estado, para cortar despesas como uso de energia, manutenção de carro, uso do telefone, por exemplo.

"Esse tipo de postura você não consegue numa conversa para convencer o funcionário, mas só com uma remuneração", diz Luiz Antônio.

Ele conta que soube de servidores, antes desinteressados na receita do estado, com preocupação de descobrir as metas de arrecadação, além de pedir e estimular que outros solicitassem sempre as notas fiscais, já que a verba seria revestida para educação, saúde e outros setores da administração pública.

De norte a sul do Brasil

Do Ceará, Luiz passou por Goiás, Pernambuco, Maranhão, Piauí, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e, agora, está no Acre, onde até o fim do ano que vem o secretário estadual da Fazenda e de Gestão Administrativa, Mâncio Lima Cordeiro, pretende implantar a remuneração variável em 100% da máquina pública.

"Nós estamos mudando a filosofia da gestão estadual, na qual, até então, o tempo era o senhor de tudo", explica o secretário da Fazenda do Acre.

Segundo Mâncio Lima Cordeiro, antigamente, as pessoas entravam no serviço público e cresciam na carreira não pelo mérito ou esforço próprio, mas pelo tempo de serviço.

Para chegar ao topo eram necessários de 12 a 15 anos de carreira (cerca de 3 anos em cada função). "O que acontecia é que as pessoas entravam no serviço público, cruzavam os braços e chegavam ao fim de carreira por inércia", lembra Cordeiro.

A intenção de implantar o programa de participação de resultado é aumentar a produtividade e reduzir a quantidade de pessoas que hoje estão no serviço público. "Tenho certeza de que, da forma como estamos organizando a gestão, teremos um sucesso indubitável", prevê.

No Ceará, o subsecretário João Marcos Maia, que acompanha a evolução do programa de remuneração variável desde 1996, quando foi implementado no estado, diz que, já nos primeiros anos de mudança do sistema, do total gasto para pagamento de salários, 60% correspondiam à remuneração fixa e 40%, à variável.

"O servidor ficou estimulado a cumprir as metas e os resultados estabelecidos na expectativa de receber um adicional. Isso gerou impacto considerável na arrecadação institucional", conta.

No ano passado, por causa da crise financeira, a bonificação foi menor e representou 20% do total da folha de pagamento, mas a tendência é de que aumente neste ano com a retomada econômica.

Em outros estados onde o programa foi adotado, nos melhores anos de arrecadação, o consultor da USP Luiz Antônio Melo diz que foi possível dar aos servidores 14º, 15º e 16º salários - uma bonificação que raramente era concedida no setor público.

Da LRF para LRO

Lei de Responsabilidade Orçamentária

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 19 março. 2010

Texto de Claudia Safatle

O projeto de Lei de Responsabilidade Orçamentária, que se encontra na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), pretende revolucionar o processo de elaboração dos orçamentos públicos - da União, dos Estados e dos municípios -, aproximar os procedimentos contábeis das práticas do setor privado e dar um novo giro nos torniquetes da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Passados dez anos da aprovação da LRF, está claro onde ela funcionou, os flancos abertos e as regulamentações ainda por fazer.

De autoria do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), o projeto de lei complementar passou por uma fusão com as propostas do senador Renato Casagrande (PSB-ES) e o substitutivo foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em dezembro. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) é o relator na CAE. Nos seus 138 artigos, os autores pregam uma mudança radical na forma como se conduz o orçamento no Executivo e no Legislativo: o governo subestima as receitas, o Congresso inventa novas projeções de arrecadação para abrigar as milhares de emendas parlamentares, o governo responde com o contingenciamento do gasto e forma-se um guichê de negócios entre governo e parlamento, onde o primeiro libera as verbas para o segundo cada vez que precisa da aprovação de algum projeto. Um campo propício para a proliferação dos "anões" do Orçamento, do escândalo dos sanguessugas e toda a sorte de corrupção. Para acabar com o esconde-inventa receitas, o projeto sugere a criação de um comitê com metade de seus membros vindos do Executivo e a outra metade de representantes do Legislativo e da sociedade civil. Ao comitê caberia estimar as receitas que vão constar da proposta orçamentária. O Congresso só poderia alterá-las se constatasse erros e o uso de eventuais excessos ficaria bastante restrito. Do lado das despesas, as mudanças também são fundamentais para romper com as práticas que levam o Congresso a aprovar, em média, mais de 10 mil emendas por ano ao Orçamento. Caberia exclusivamente aos deputados apresentar emendas individuais, limitadas a dez por mandato e proibida a indicação de entidade privada como beneficiária. O teto para as emendas individuais seria de 0,3% da receita corrente líquida. As emendas de bancadas seriam assinadas só pelos três representantes da bancada de senadores, restringindo-se a uma por Estado. O conjunto das 27 emendas não poderia superar o teto de 0,2% da receita. O governo seria obrigado a liberar os recursos das emendas parlamentares. A execução mandatória das emendas, segundo o economista José Roberto Afonso, que assessora Dornelles nessa discussão e foi um dos autores da LRF, faria com que a execução do Orçamento fosse menos política e mais técnica. As Comissões Temáticas Permanentes da Câmara seriam responsáveis pela apreciação das emendas. À Comissão Mista de Orçamento caberia a coordenação macroeconômica. O governo teria que montar um banco de projetos com estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental já concluídos. Só os empreendimentos nesse estágio poderiam entrar no Orçamento. A conta de restos a pagar, que hoje representa um verdadeiro orçamento paralelo (de cerca de R$ 90 bilhões) passaria a ter limites e regras de cancelamento de 3 meses para os gastos de custeio e 6 meses para os de investimentos. A Lei de Responsabilidade Fiscal tem uma série de problemas. O governo não regulamentou o limite de endividamento da União, restrição imposta hoje apenas aos Estados e municípios. O projeto sugere que ou o governo federal cria limites ao endividamento do Tesouro Nacional ou acabam os tetos para governadores e prefeitos. Também não instituiu o Conselho de Gestão Fiscal e deixou uma série de brechas para interpretações de ocasião. Tem sido comum, por exemplo, a retirada dos gastos com aposentadorias dos servidores da folha de pagamento, para facilitar o enquadramento da despesa de pessoal nos limites da lei. É corriqueiro, também, fazer vistas grossas a um dos princípios da LRF, de que novas despesas só podem ser criadas com receitas previamente definidas. Não há punição para quem transgride essa regra. Há, portanto, uma lista de correções a fazer. É preciso uniformizar os conceitos de apuração de receitas e despesas e dar maior transparência ao Orçamento, advoga Afonso. A lei 4.320, que rege os orçamentos, foi sancionada em 10 de março de 1964, pouco antes do golpe militar. À época, era ousada por adotar o regime de competência na apuração das despesas, o que os países da OCDE só começaram a fazer nos anos 80 e 90. A Constituição de 1988 criou instrumentos novos, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual (PPA). O Orçamento Anual (LOA) passou a discriminar as contas fiscais, previdência social e os investimento das empresas estatais e tornou-se o principal documento com as prioridades do governo federal (antes disputava com o orçamento monetário). A democratização do país resgatou o papel do Legislativo na discussão e decisão sobre os gastos do governos. A carta remetia a regulação desses novos elementos para uma lei complementar que só agora começa a tramitar. Os secretários de Fazenda das capitais formaram um grupo de trabalho para tratar do tema. Seminários foram feitos e há mais de dez audiências públicas previstas. Os ministros da Fazenda e do Planejamento devem comparecer em abril à CAE para discutir a proposta. Não se espera aprovação para este ano, mas até agora o projeto de lei complementar andou rápido. Em seis meses foi analisado e aprovado pela Comissão de CCJ por unanimidade, indicando que é um assunto suprapartidário.A nova lei, se aprovada, pode influir sobre a forma como os governos, hoje, constroem maioria no Congresso. Seu debate transcende a questão orçamentária e, ao mudar práticas e vícios, a lei pode ser mais salutar para o saneamento da política do que a própria reforma política.

18 de mar. de 2010

Descomplicando a Taxa SELIC

Mas, afinal, por que Selic é o ‘apelido’ de taxa de juros?

Matéria publicada no Portal da Agência Estado em 17 mar. 2010

Texto de Paula Pavon

Você sabe mesmo o que significa Selic? A Selic é a taxa de juros que remunera os títulos públicos federais e afeta o custo do crédito para as empresas e os consumidores. Em outras palavras, é a taxa básica de juros do País. Quem define a Selic é o Comitê de Política Monetária do Banco Central (saiba mais sobre o Copom aqui). Talvez o que você ainda não saiba é que a Selic também é um acrônimo.

A palavra vem de Sistema Especial de Liquidação e de Custódia, que é uma forma de registro de débitos e créditos de operações financeiras em um sistema de computador em tempo real. Esse sistema foi criado há mais de 30 anos pela Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima) e é administrado pelo BC.

Nele é feito o registro, custódia e liquidação financeira das operações realizadas com títulos públicos emitidos pelo Tesouro. São nas operações diárias, de empréstimos entre os bancos ­- e cujo lastro são os títulos -, que a taxa de juros é definida. Neste caso, os títulos são listados e negociados nesse Sistema, o Selic. Essas operações de empréstimos são lastreadas nos títulos públicos e o risco final, portanto, acaba sendo do governo.

E é por isso que essa taxa dos empréstimos negociados no Selic serve de referência para todas as demais taxas de juros da economia. Tanto que o Copom quando define os juros está, de fato, definindo a meta dos juros. Dentro desse Sistema, eles variam diariamente, sempre muito próximos, claro, à taxa decidida pelo Copom.

Com o tempo, portanto, os economistas batizaram ou apelidaram a taxa básica de juros de Selic. Na verdade, o Selic, o Sistema, emprestou o nome para ela. Para facilitar ou complicar, é comum a turma do mercado financeiro criar apelidos ou acrônimos. Quer lembrar de outros?

Muito recentemente, o economista Jim O’Neill criou o termo Bric para designar os países com forte potencial de crescimento: Brasil, Rússia, Índia e China. Depois foi a vez dos Piigs (designação que faz referência à palavra pig, porco em inglês), criado por analistas internacionais para fazer referência aos problemas financeiros e fiscais enfrentados por Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain, em inglês).

Por fim, teve até uma outra versão, Stupid. Palavra, aliás, banida em alguns jornais europeus por se tratar de uma expressão ofensiva. O termo designava o grupo que abrange Espanha (Spain), Turquia, Ucrânia, Portugal, Irlanda e Dubai, países também envolvidos em problemas de empréstimos.

Informação privilegiada

CVM aplica multa de R$ 500 mil a acionista da Sadia

Matéria publicada no Portal da Agência Estado em 17 mar. 2010

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) multou ontem Flávio Fontana Mincaroni em R$ 500 mil por uso de informação privilegiada durante a tentativa de compra da Perdigão pela Sadia, em 2006. Outro acionista da Sadia - atualmente parte da BRF Brasil Foods, depois de se fundir à própria Perdigão - Osório Henrique Furlan Júnior, irmão do ex-ministro Luiz Fernando Furlan, foi absolvido no mesmo julgamento, assim como a então gerente de Relações com Investidores da Sadia, Christiane Assis.

O processo administrativo da CVM, autarquia federal que fiscaliza as operações do mercado acionário brasileiro, corria desde 2007. No ano passado, Mincaroni, que já admitira, em depoimento, ter tomado conhecimento da oferta de compra da Perdigão "em torno de uma semana a dez dias antes de a oferta tornar-se pública", fez uma proposta de acordo. Alegando ter lucrado R$ 42.773 com as operações que fizera às vésperas do anúncio ao mercado, ele propôs pagar à CVM exatamente o mesmo valor, como ressarcimento dos prejuízos causados. Essa proposta, porém, não foi aceita.

Durante o processo, o colegiado da CVM cogitou cobrar o dobro. Mas, na decisão final, a diretoria do órgão optou pela cobrança do valor máximo fixado para pessoas físicas nesse tipo de infração. Mincaroni ainda pode recorrer da decisão no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Uma nova era na contabilidade

Matéria publicada no Portal DCI em 18 mar. 2010

Uma nova era se anuncia para a contabilidade brasileira.

Em dezembro de 2009, o Conselho Federal de Contabilidade emitiu uma resolução estabelecendo um novo padrão contábil para as empresas que não estavam enquadradas na Nova Lei das S.A. (11.638/07).

Com este novo pronunciamento, chega a vez das pequenas e médias empresas harmonizarem seus balanços com as normas internacionais (IFRS).

Se a implantação do IFRS nas grandes companhias não causou os transtornos previstos há dois anos, o mesmo não deve ocorrer com as pequenas e médias.

O primeiro ponto a ser ressaltado é que 90% das empresas brasileiras se encaixam neste perfil.

Também não é demais lembrar que elas são responsáveis por 60% do total de pessoas empregadas no País e por 20% do PIB. Ou seja, a abrangência e impacto são imensuráveis.

O IFRS para Pequenas e Médias Empresas conta com 230 páginas, apenas 10% do destinado às grandes companhias. A adoção não é obrigatória, mas pode trazer inúmeros benefícios às empresas.

A conversão proporcionará a oportunidade de remodelar os negócios com mais transparência para o mercado e até instituindo índices de desempenho.

Os níveis de transparência serão substancialmente maiores, pois os balanços tornarão pública a real saúde financeira e patrimonial das empresas.

Na realidade atual eles são apenas fiscais, portanto não mostram as finanças da empresa para o mercado. Com a elaboração de um balanço societário e passando por uma auditoria, os empresários já vão criando uma cultura de transparência e de governança, o primeiro passo para um crescimento sustentável.

Um balanço dentro dessas regras valida a transparência da companhia, o que hoje é instrumento importantíssimo na busca de parceiros e de crédito.

Temos no Brasil um universo de 400 mil contadores que terão que se adaptar aos novos tempos. É, sem dúvida nenhuma, um desafio de tirar o fôlego e certamente o maior do mundo empresarial em 2010.

A adoção das Normas Internacionais de Relatórios Financeiros não é meramente um exercício técnico envolvendo o reordenamento de informações e reclassificações nas demonstrações contábeis. A conversão irá desafiar os fundamentos de um modelo de negócios até então existente nas pequenas e médias empresas. Será uma oportunidade ímpar para reexaminar a sua administração através da maneira de reportar os seus gerenciamentos internos.

Isso afetará a maneira como as empresas se apresentam ao mercado. Quem não o fizer, ficará preso em um mundo antigo. Claro que isso aumentará as despesas, mas por outro lado reduzirá a já conhecida fragilidade das pequenas e médias companhias. Gasta-se mais, mas também se ganha em credibilidade. Isso facilitará e diminuirá custos de um financiamento, por exemplo.

Os investidores estrangeiros prezam muito a contabilidade. Estar adaptado a estes padrões ajudará a atrair parcerias, joint ventures e fundos de private equity, por exemplo. Demonstrações contábeis bem elaboradas e que trazem informações importantes, servem como base para a tomada de decisões por bancos, futuros sócios, governo etc.

É um desafio e tanto. Diferente do IFRS para as grandes companhias, ninguém está obrigado a embarcar nessa. Mas quem insistir em ficar estagnado no tempo poderá perder o bonde da história. O mesmo serve para os contadores e auditores. Neste caso, a atualização é mais do que obrigatória. É uma questão de sobrevivência.

Passada esta transição, o Brasil estará em outro patamar. Nossas tão valentes pequenas e médias empresas estarão com os alicerces prontos para sustentar um avanço da economia e grandes taxas de crescimento.

A adaptação pode ser uma fase difícil, mas é necessário atravessá-la, pois o pote de ouro está do outro lado dessa ponte.

Manobra contábil na China!

Já que lá muito se falsica, se copia, se dá uma jeito... Se bem que não é só por aquelas terras.

Entre os tupiniquins isso não é grande novidade, infelizmente!


Manobra contábil reduz o déficit chinês de 2010

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 16 mar. 2010

Texto de Andrew Batson (The Wall Street Journal – Pequim)

O Ministério da Fazenda da China mudou a contabilidade de alguns gastos governamentais de um jeito que permitiu a Pequim anunciar um déficit abaixo do nível simbólico de 3% do PIB para 2010, revela um exame da documentação orçamentária.

A mudança nas práticas contábeis, revelada brevemente num relatório do ministério, ressalta a vontade do governo chinês de exibir finanças públicas saudáveis num momento em que os mercados mundiais estão cada vez mais desconfiados de déficits e endividamentos, em meio a uma crise na Europa precipitada pela incapacidade da Grécia de cumprir o limite de 3% para déficit na zona do euro.

A manobra contábil suscita questões sobre transparência num momento em que o governo chinês, fortalecido pelo bom desempenho econômico do país no auge da recessão mundial, tem se mostrado mais crítico sobre como outros países administram suas economias.

Numa entrevista coletiva anteontem, o premiê Wen Jiabao disse que queria garantias dos EUA de que iriam honrar suas obrigações para com compradores de títulos de dívida americanos. Wen também acusou os EUA de depreciar sua moeda para pressionar a China a permitir que a moeda chinesa se aprecie, isso tudo para melhorar as exportações americanas.

Ontem, um grupo suprapartidário de 130 membros da Câmara dos Deputados dos EUA, numa carta ao presidente Barack Obama, reivindicou um amplo esforço para levar Pequim a mudar sua política cambial, incluindo tarifas sobre importações chinesas em caso de resistência.

As finanças da China, segundo as medidas oficiais, continuam mais saudáveis do que as dos EUA e de vários países europeus, embora autoridades chinesas estejam cada vez mais preocupadas com as dívidas ainda não descobertas de governos locais.

A mudança contábil simplesmente transfere os gastos de um ano para o outro e não indica que a situação geral das finanças governamentais chinesas esteja pior do que divulgado. O Ministério da Fazenda chinês prometeu manter o déficit fiscal abaixo de 3%, mesmo limite da zona do euro.

Num relatório ao Legislativo chinês, o ministério calculou que o déficit total de 2010 será de 2,8% do PIB, "basicamente o mesmo do ano passado". Mas uma contabilidade de caixa rígida dos gastos governamentais aumentaria o déficit de 2010 para 3,5% do PIB previsto e encolheria o déficit de 2009 para 2,2% do PIB, segundo cálculos do Wall Street Journal checados por três economistas.

A Grécia e outros países europeus usaram no decorrer dos anos manobras contábeis para poder atingir suas próprias metas de 3%.

Não está claro por que o governo chinês é tão apegado à meta de 3%. A China não é obrigada a manter o déficit abaixo desse patamar e vários economistas estrangeiros dizem que o governo pode operar mais no vermelho. O país não enfrenta pressão de mercados financeiros mundiais para enxugar as finanças públicas, já que seu enorme montante de poupança faz com que tenha pouca necessidade de tomar emprestado no exterior.

Mas o governo é questionado frequentemente por investidores e pelos próprios chineses sobre se os dados oficiais realmente representam o estado real da economia importante de mais rápido crescimento no mundo.

Num relatório de 2008 sobre transparência das finanças governamentais preparado pela ONG International Budget Partnership, a China recebeu nota 14 de um total de 100, a Índia recebeu 60 e os EUA, 82.

A diferença na contabilidade do déficit de 2010 tem a ver com o tratamento de 260,82 bilhões de iuans (US$ 38,16 bilhões) em gastos dos governos locais, que foram "transferidos" de 2009. Segundo o relatório do ministério, o dinheiro foi alocado para projetos em 2009 mas não foi gasto. Embora o dinheiro vá ser gasto em 2010, ainda é contabilizado como parte do orçamento de 2009.

Em respostas por escrito a perguntas do WSJ, o ministério confirmou que o dinheiro "transferido" não está incluído no orçamento de gastos para 2010.

Não é raro contabilizar as despesas no período em que o compromisso de pagá-las é feito e essa prática, o regime de competência, é empregada na contabilidade usada por várias empresas.

Mas a maioria dos governos, como a China, historicamente tem preferido o regime de caixa, que conta a receita e os gastos só quando o dinheiro é pago ou recebido.

De acordo com esses princípios, a contabilização de todo o dinheiro que o governo realmente vai gastar em 2010 necessita que os fundos sejam "carregados" para os 8,453 trilhões de iuans de despesas orçadas. Isso aumentaria em 260,82 bilhões de iuans o total de 1,05 trilhão orçado para 2010, aumentando o déficit previsto para 3,5% do PIB, em vez de 2,8%.

O verdadeiro déficit orçamentário da China em 2010 pode terminar menor que previsto, já que se baseia numa previsão da fazenda de crescimento de 8% na receita, considerada conservadora demais. O ministério também orçou para um crescimento de 8% na receita do ano passado, quando a expansão na verdade foi de 11,7%.

O trabalho e a imagem dos Auditores

Relatório faz estrago na imagem dos auditores

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 16 mar. 2010

Texto de Rachel Sanderson (Financial Times - Londres)

Tudo indica que as acusações de participação da Ernst & Young (E&Y) no colapso do Lehman Brothers deverão abrir um debate mais amplo sobre o que até agora tem sido um dos aspectos menos dissecados da crise financeira - o papel desempenhado pelos auditores. O relatório de Anton Valukas sobre a maior falência na história americana propagou ondas de choque através da fraternidade dos contadores devido a sua pesada crítica dirigida à E&Y, uma das "Quatro Grandes" do setor.

Em especial, a conclusão de que há evidências persuasivas de que a E&Y não cumpriu as normas profissionais abalou a confiança.

As alegações do relatório estão centradas em afirmações de que a E&Y não tomou medidas para questionar ou contestar a não divulgação, por executivos do Lehman, de que recorreram a operações temporárias da ordem de US$ 50 bilhões - não registradas em balanço - conhecidas como Repo 105, que "embelezavam" a situação financeira do banco.

As reclamações contra a E&Y, embora excepcionais, dão munição a um lobby crescente que questiona a intenção dos auditores ao proporcionar aos investidores um retrato verdadeiro sobre a saúde financeira de uma empresa.

Alguns especialistas em contabilidade acreditam que o relatório sobre o Lehman mostra a necessidade de refinar a ideologia por trás das demonstrações financeiras, para que manobras como operações extra-balanço fiquem claras para os investidores. Eles argumentam que o debate precisa ser travado no mais alto nível internacional, inclusive no âmbito da entidade mundial definidora de regras contábeis, o Iasb.

Stephen Haddrill, diretor do Conselho de Informações Financeiras, agência regulamentadora contábil britânica, está entre os que acreditam que "os contadores têm feito fielmente o que lhes é pedido". "Mas temos de nos perguntar se precisamos que, no futuro, contadores e firmas de auditoria façam mais."

Como notaram políticos e agências competentes, as quatro grandes - PwC, KPMG, Deloitte e E&Y -, deram sua chancela positiva a balanços de outros bancos no centro da crise. Ao produzir seus relatórios, elas também faturaram enormes comissões.

A E&Y recebeu US$ 27,8 milhões para auditar o Lehman; a Deloitte ganhou 17 milhões de libras para auditar a RBS e a KPMG faturou US$ 9 milhões para auditar o HBOS, segundo uma investigação parlamentar no Reino Unido.

A PwC recebeu 1,8 milhão de libras referente ao último ano de sua auditoria do Northern Rock. Não há nenhuma sugestão, porém, de que essas firmas não cumpriram os padrões profissionais exigidos nesses casos.

Críticos dizem que a cultura de "ticar no quadradinho" incentivada pela profissão contábil ao longo dos últimos anos - uma técnica que ajuda as empresas a se defender contra ações judiciais -, tem diminuído a sua autoridade. Eles dizem que as acusações contra a E&Y são um caso em questão. A resposta da empresa ao relatório de Valukas é que a falência do Lehman foi resultado de eventos sem precedentes nos mercados.

A firma também continua sustentando estar correta a última auditoria no banco para o ano fiscal findo em 30 de novembro de 2007, afirmando que as demonstrações financeiras foram apresentadas de acordo com princípios contábeis amplamente aceitos (Gaap, em inglês) nos Estados Unidos.

PwC, Deloitte e KPMG recusaram-se a comentar o relatório sobre o Lehman, assim a como agência americana que define as regras contábeis nos EUA. Contabilistas seniores em empresas rivais dizem, reservadamente, que a E&Y provavelmente não respeitou as regras contábeis americanas.

Mas dizem que o cumprimento das regras nem sempre significa apresentar o quadro mais nítido sobre a saúde financeira de uma empresa. A Repo 105 não é "feitiçaria financeira" nova, mas sim a nova versão de um velho truque contábil: "carregamento de canais."

Gestores tradicionalmente tentam "embelezar" a contabilidade em fins de trimestres enchendo canais de distribuição com produtos - registrando uma venda e contabilizando um lucro mesmo que os produtos ainda não tenham sido pedidos. A Repo 105 também é um tipo de operação de fachada. No entanto, diz Partha Mohanram, professor da Columbia Business School, "nesse caso, a intenção é, aparentemente, livrar-se simultaneamente tanto de ativos de má qualidade como de passivos".

Experts em contabilidade não acreditam que as consequências do relatório sobre o Lehman prejudicará a reputação da E&Y a ponto de que corra risco de extinção, embora perdas decorrentes dos custos de ações judiciais possam ser substanciais, assim como os impactos de longo prazo na credibilidade da profissão, particularmente entre as quatro grandes.

Steven Thomas, da Thomas Alexander & Forrester, um advogado com experiência em litígios, acredita que as contínuas revelações estão minando a confiança na profissão "e nos fazem questionar por que temos auditores". "Minha preocupação é que eles estejam se tornando irrelevantes", diz ele.

Primazia da forma sobre a essência!

A forma ainda prevalece sobre a essência nos EUA

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 16 mar. 2010

Fonte: Financial Times (Londres)

Quase uma década após a Enron ter acabado com a Arthur Andersen, a profissão de contador se encontra novamente sob os holofotes pelos motivos errados. O relatório de Anton Valukas sobre a quebra do Lehman Brothers criticou a Ernst & Young por ela não ter questionado ou contestado transações realizadas fora do balanço que reforçaram a posição financeira do banco. Os investidores estão mais uma vez questionando o valor das demonstrações financeiras em razão das quais eles gastam grandes somas de dinheiro.

O problema é sério nos Estados Unidos, onde o temor de litígio levou a uma cultura de "ticar no quadrado". A E&Y deu seu aval a transações de recompras que tiraram do balanço ativos do Lehman avaliados em bilhões de dólares, não porque acreditava que elas atendiam a um propósito verdadeiramente comercial, e sim porque as regras contábeis permitiam isso. Ela se concentrou na forma dos negócios, e não na substância.

É fácil ver como isso evoluiu. É muito mais fácil para uma firma de contabilidade manter uma relação lucrativa com seus clientes se ela não as atividades destes, aderindo simplesmente a um conjunto de regras cegas. Os auditores podem se defender mais facilmente em processos quando as coisas dão errado, se é possível apelar para um livro de regras. Mas é exatamente por isso que todo o sistema é tão frustrante do ponto de vista dos investidores. Quando mais voltados para as regras os auditores são, menor é o valor de seu trabalho como medida de devida diligência.

É insustentável o fato dos auditores cobrarem somas enormes para produzirem relatórios que não apresentam fatos importantes para os investidores. Mas para fazer isso, os auditores precisam exercer seu julgamento. É trabalho deles serem desmancha-prazeres - aqueles que vão adotar uma visão conservadora. Além disso, eles deveriam ter uma vigorosa relação antagônica com a administração. Eles servem os investidores, e não os presidentes das empresas.

Só que é mais fácil analisar o problema do que resolvê-lo. É difícil mudar a cultura existente nos EUA. Uma mudança dos princípios contábeis amplamente aceitos, os Gaap, para os IFRS, baseados mais nos princípios, poderá ajudar, mas não seria uma panaceia. As normas contábeis dos EUA refletem a cultura comercial americana, que é mais legalista.

Uma mudança mais administrável poderia ser uma mudança da convenção binária de que os balanços ou são limpos ou têm ressalvas. Uma maneira de reforçar o valor da auditoria seria os auditores julgarem a qualidade das informações fornecidas - talvez em alguma escala com as razões fornecidas. Isso daria ao investidor uma apreciação mais clara do valor da informação financeira. Também forçaria o auditor a se lembrar quem é na verdade o cliente.

Monobras contábeis por instituições bancárias no Mundo

Lehman Brothers manipulou balanço e iludiu acionistas

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 15 mar. 2010

Texto de David Scheer e Josué Gallu (Bloomberg)

O Lehman Brothers Holdings utilizou transações não registradas em seu balanço patrimonial para subestimar sua alavancagem no fim de 2007 e em 2008, iludindo acionistas sobre sua capacidade de suportar prejuízos, diz o relatório de um analista de falências.

O então diretor executivo, Richard Fuld, foi "no mínimo, extremamente negligente" por permitir que o Lehman apresentasse a autoridades fiscalizadoras relatórios financeiros em que um crucial critério de saúde financeira foi "cozinhado" mediante engenharia reversa por meio de operações conhecidas como "Repo 105", disse ontem em relatório o analista de falências Anton Valukas. A Ernst & Young LLP, auditora do Lehman, poderia ser acusada de "negligência profissional", disse ele.

"A manipulação do balanço foi intencional, buscando criar uma aparência enganadora, e produziu um impacto substancial na razão de alavancagem líquida do Lehman", fazendo com que relatórios financeiros resultassem enganosos, escreveu Valukas sobre a firma nova-iorquina. Maior alavancagem compromete a capacidade de uma empresa de absorver choques financeiros.

O Lehman deu entrada com o maior pedido de falência na história dos EUA em setembro de 2008, depois que crescentes prejuízos com títulos garantidos por hipotecas assustaram os investidores e credores. O colapso do banco de investimentos de Wall Street ajudou a desencadear um congelamento dos mercados de crédito em todo o mundo, forçando o governo americano a prover US$ 700 bilhões em socorro financeiro.

Fuld não sabia o que eram as transações de Repo 105, disse sua advogada, Patricia Hynes, da Allen & Overy LP, em Nova York, em comunicado após a divulgação do relatório de Valukas. O CEO "não os estruturou nem negociou", disse Hynes. "Nem estava ciente do tratamento contábil."

As transações cresciam pouco antes do fim dos períodos de balanço financeiro, transferindo temporariamente entre US$ 49 bilhões e US$ 50 bilhões de ativos para fora do balanço patrimonial no primeiro e segundo trimestres de 2008, segundo o relatório. Os executivos do Lehman expressaram preocupação com o fato de que a firma fosse a única a utilizar tais métodos, Valukas disse.

Martin Kelly, controller financeiro mundial à época, disse aos ex-diretores financeiros Erin Callan e Ian Lowitt que o Lehman enfrentaria um "risco para sua reputação" se os investidores soubessem que a firma estava usando o Repo 105 apenas para enxugar seu balanço patrimonial, segundo o relatório. Lowitt disse a Valukas que nunca se preocupou com o uso dessas transações porque acreditava que a Ernst & Young as aprovariam, diz o relatório.

A Ernst & Young pode ter sido negligente ou ter se engajado em práticas irregulares, disse Valukas no relatório. A empresa investigou inadequadamente as afirmações do então vice-presidente sênior Matthew Lee, de que a contabilidade do Lehman poderia estar descumprindo seu próprio código de ética, diz o relatório. Lee escreveu uma carta aos diretores sênior do Lehman em maio 2008, e semanas mais tarde discutiu os negócios envolvendo a Repo 105 com um funcionário da Ernst & Young encarregado de analisar as preocupações. Esse funcionário reuniu-se com a comissão de auditoria do Lehman um dia mais tarde, e não repassou as informações sobre as Repo 105, disse Valukas.

A última vez em que a Ernst & Young auditou o Lehman foi no ano fiscal findo em 30 de novembro de 2007, disse sexta-feira a empresa de contabilidade. "Os demonstrativos financeiros do Lehman nesse ano foram apresentados de forma imparcial, em conformidade com os princípios contábeis geralmente aceitos", disse a Ernst & Young em um comunicado. As razões de alavancagem reportadas na discussão e análise pelos gestores do Lehman "eram de responsabilidade dos gestores, não da auditora", disse a empresa.

Valukas, nomeado por um tribunal federal em Manhattan no ano passado para investigar o colapso do Lehman, não tem autoridade de promotor. Seu relatório descreve quais indenizações os credores podem pleitear. Robert Cleary, um advogado de Callan, disse que não tinha visto o relatório e não quis comentar. Lewis Liman, um advogado de Lowitt, disse em e-mail que seu cliente nada fez de errado.

Em seu último ano, o Lehman sobrevalorizou seus ativos imobiliários, entre eles uma participação na construtora de edifícios residenciais Archstone-Smith Trust, disse Valukas. O Lehman e a Tishman Speyer Properties LP concluíram uma aquisição conjunta da Archstone por US$ 22 bilhões, incluindo dívidas, em outubro de 2007. O Lehman apresentou avaliações "irrazoáveis" de sua participação na Archstone nos três primeiros trimestres de 2008, supervalorizando a participação em até US$ 450 milhões no segundo trimestre, escreveu o analista.

Monobras contábeis por instituições bancárias no Brasil

Eliseu Martins: “Regra brasileira facilita manobra”

Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 15 mar. 2010

Texto de Fernando Torres

Manipulações contábeis como as feitas pelo Lehman Brothers poderiam ser identificadas no Brasil, segundo especialistas, mas o modelo contábil atual deixa brechas para que os bancos usem artifícios para melhorar o balanço nas vésperas do fechamento do trimestre.

Isso ocorre por conta da decisão do Banco Central (BC) de adiar para 2011 a vigência da Resolução 3.533, que ele mesmo editou.

Sem essa norma, os bancos podem vender carteiras de crédito para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) controlados por eles mesmos, registrar lucro com a operação e melhorar seu Índice de Basileia.

Quando a 3.533 estiver em vigor, o banco só poderá registrar esse tipo de operação como venda de ativo se os riscos e benefícios da carteira realmente forem transferidos a um terceiro. Se houver coobrigação do banco vendedor em caso de inadimplência, ou se a instituição ficar com as cotas subordinadas do FIDC, não há essa transferência.

"Com as regras atuais do Banco Central é mais fácil (haver manobras) do que com as regras que ele propõe e com as normas que já estão em vigência para as demais companhias abertas", afirma Eliseu Martins, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários e especialista em contabilidade.

Para ele, o episódio do Lehman Brothers ilustra bem o problema de haver uma norma contábil baseada em regras, como é o US GAAP, e não em princípios, como o padrão internacional IFRS.

A operação usada pelo Lehman Brothers consistia em fazer uma operação compromissada com vencimento em alguns dias. Ele dava ativos em garantia e tomava dinheiro emprestado por um curto período, com compromisso de recomprar os ativos dali a alguns dias. Todos os bancos do planeta fazem isso diariamente, em operações chamadas de Repo, um nome curto para o termo Repurchase Agreement.

A questão é que normalmente esse compromisso de recomprar os ativos alguns dias depois costuma ser registrado no balanço como uma obrigação. A brecha que o Lehman encontrou na regulamentação é que, se os ativos dados em garantia representassem 105% do valor recebido em contrapartida, ele poderia registrar a operação como venda.

Desta forma, poucos dias antes do fechamento do balanço, o banco fazia um volume enorme de operações apelidadas de Repo 105 para reduzir o total de ativos artificialmente e diminuir os índices de alavancagem. No segundo trimestre de 2008, o volume chegou a somar US$ 50 bilhões.

"As normas baseadas em princípios jamais definem percentuais. É preciso ver a essência da transação", diz Martins.

O professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI) Silvio Paixão reconhece que sempre há maneiras de se tentar melhorar o balanço artificialmente, já que a legislação pode ser usada com propósitos negativos, mas que a chance de isso acontecer no Brasil é "muito baixa".

"O nosso Banco Central tem controle de risco de crédito, de contraparte e de mercado muito maior que as autoridades estrangeiras. De forma absolutamente automatizada", afirma Paixão, acrescentando que o BC sabe como essas coisas funcionam e que faz o acompanhamento.

“... nunca [...] plenamente maduro, nem nas idéias nem no estilo, mas sempre verde, incompleto, experimental.” (Gilberto Freire)