Eliseu Martins: “Regra brasileira facilita manobra”
Matéria publicada no Jornal Valor Econômico em 15 mar. 2010
Texto de Fernando Torres
Manipulações contábeis como as feitas pelo Lehman Brothers poderiam ser identificadas no Brasil, segundo especialistas, mas o modelo contábil atual deixa brechas para que os bancos usem artifícios para melhorar o balanço nas vésperas do fechamento do trimestre.
Isso ocorre por conta da decisão do Banco Central (BC) de adiar para 2011 a vigência da Resolução 3.533, que ele mesmo editou.
Sem essa norma, os bancos podem vender carteiras de crédito para Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) controlados por eles mesmos, registrar lucro com a operação e melhorar seu Índice de Basileia.
Quando a 3.533 estiver em vigor, o banco só poderá registrar esse tipo de operação como venda de ativo se os riscos e benefícios da carteira realmente forem transferidos a um terceiro. Se houver coobrigação do banco vendedor em caso de inadimplência, ou se a instituição ficar com as cotas subordinadas do FIDC, não há essa transferência.
"Com as regras atuais do Banco Central é mais fácil (haver manobras) do que com as regras que ele propõe e com as normas que já estão em vigência para as demais companhias abertas", afirma Eliseu Martins, ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários e especialista em contabilidade.
Para ele, o episódio do Lehman Brothers ilustra bem o problema de haver uma norma contábil baseada em regras, como é o US GAAP, e não em princípios, como o padrão internacional IFRS.
A operação usada pelo Lehman Brothers consistia em fazer uma operação compromissada com vencimento em alguns dias. Ele dava ativos em garantia e tomava dinheiro emprestado por um curto período, com compromisso de recomprar os ativos dali a alguns dias. Todos os bancos do planeta fazem isso diariamente, em operações chamadas de Repo, um nome curto para o termo Repurchase Agreement.
A questão é que normalmente esse compromisso de recomprar os ativos alguns dias depois costuma ser registrado no balanço como uma obrigação. A brecha que o Lehman encontrou na regulamentação é que, se os ativos dados em garantia representassem 105% do valor recebido em contrapartida, ele poderia registrar a operação como venda.
Desta forma, poucos dias antes do fechamento do balanço, o banco fazia um volume enorme de operações apelidadas de Repo 105 para reduzir o total de ativos artificialmente e diminuir os índices de alavancagem. No segundo trimestre de 2008, o volume chegou a somar US$ 50 bilhões.
"As normas baseadas em princípios jamais definem percentuais. É preciso ver a essência da transação", diz Martins.
O professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI) Silvio Paixão reconhece que sempre há maneiras de se tentar melhorar o balanço artificialmente, já que a legislação pode ser usada com propósitos negativos, mas que a chance de isso acontecer no Brasil é "muito baixa".
"O nosso Banco Central tem controle de risco de crédito, de contraparte e de mercado muito maior que as autoridades estrangeiras. De forma absolutamente automatizada", afirma Paixão, acrescentando que o BC sabe como essas coisas funcionam e que faz o acompanhamento.
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