12 de mar. de 2009

Importação de pneus e questões ambientais

A reportagem a seguir da Gazeta Mercantil apresenta os embates jurídicos relativos à importação de pneus usados por empresas brasileiras. O ponto interessante é que os juristas argumentam acerca dos impactos ambientais que podem ser acarretados com a continuação dessa prática. Os pneus usados são considerados "passivos ambientais".

Brasília, 12 de Março de 2009

Pedido de vista do ministro Eros Grau suspendeu ontem o julgamento, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, da ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) proposta pelo presidente da República, com o objetivo de proibir a importação de pneus usados para recauchutagem ou qualquer outro fim, além de anular as decisões já proferidas e medidas liminares concedidas por todos os cinco tribunais regionais federais e mais de 20 juízes de primeira instância a favor das empresas que reciclam ou empregam esses produtos como matéria-prima.
O voto da ministra-relatora, Cármen Lúcia - que durou quase duas horas, depois das sustentações orais dos representantes da União, do chefe do Ministério Público e dos advogados das partes interessadas - foi favorável à ação do Executivo, excluindo apenas as decisões judiciais já transitadas em julgado. Ou seja, a ministra acolheu os argumentos da União e do MPF de que tais importações são incompatíveis com os preceitos
fundamentais constantes dos artigos 196, 170 e 225 da Constituição, que exigem a intervenção do Estado - inclusive no domínio econômico
- quando estão em causa a saúde da população e a preservação do meio ambiente. A ADPF 101 foi ajuizada pelo advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, em nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em setembro de 2006.
Na conclusão de seu voto, Cármen Lúcia foi irônica: "É extremamente curioso o argumento das empresas em prol da importação (de pneus). E eu fico sempre achando que a cada dia aprendo mais, porque me impressiona a generosidade de países que, tendo problemas ambientais, com um passivo de 3 bilhões de pneus, resolvem vender a preço de miséria, para nossos tristes trópicos, exatamente algo que é tão bom tanto para gerar empregos quanto para melhorar as condições ambientais. É curioso que isso aconteça".
O advogado-geral da União, em sua sustentação, afirmou que o Brasil "está virando depósito mundial de pneus velhos". E apresentou números impactantes. Segundo ele, no período 2005-2007, o País passou a representar 30% do comércio internacional de pneus usados (cerca de 10 milhões em 2005, número que caiu para 7 milhões em 2007).
Passivo
Ainda segundo Toffoli, sem contar os importados, o País gera um passivo anual de 40 milhões de unidades de pneus usados. Atualmente, conforme dados do Ministério do Meio Ambiente, ressaltou, "existem mais de 100 milhões de pneus abandonados, à espera de uma destinação ambientalmente e economicamente sustentável e recomendável, com grave perigo para a saúde, inclusive com relação à proliferação da dengue".
O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, reafirmou seu parecer já enviado anteriormente à ministra-relatora, afirmando que o governo brasileiro tem de defender o equilíbrio do meio ambiente, "direito fundamental de uma existência digna, somente possível quando o Estado esteja comprometido com prestações e ação positivas, além das de regulação". E destacou que o Brasil aderiu, em 1989, à Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos, que lhe assegura "o direito soberano de proibir a entrada ou depósito de resíduos perigosos em seu território".
Diferenças
Os advogados dos
empresários
e de associações interessadas na manutenção das importações fizeram também sustentações orais. Mestre em gestão ambiental, Ricardo Alípio da Costa afirmou que a União "omitiu" o Decreto 4.581/03 na petição inicial e no pedido final, e explicou que essa norma estabelece distinção entre pneus usados, reformados e inservíveis, além de listar os resíduos perigosos, bem como os resíduos não perigosos, entre eles os pneus usados. Segundo ele, a Convenção de Basiléia trata apenas de pneus inservíveis ou "resíduos de pneus". O advogado Carlos Agustinho Tagliari, da Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus (ABR), sustentou que, ao contrário do que afirmou o advogado-geral da União, a indústria de reforma de pneus contribui para melhorar o meio ambiente, já que para cada quatro pneus que importa, tem que remover ecologicamente cinco.
O plenário do STF já havia, em dezembro de 2007, por 7 votos a 3, ratificado duas decisões liminares da ministra Ellen Gracie, então presidente da Corte, que proibiam a importação de pneus usados por duas empresas paranaenses especializadas em recauchutagem. Naquela ocasião, a maioria entendeu que importação desse tipo de pneu aumenta as possibilidades de dano ao meio ambiente e à saúde pública. Ellen Gracie - que ontem não participou da sessão interrompida - foi acompanhada, então, pelos ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Carlos Ayres Britto e Celso de Mello. Os ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Marco Aurélio foram votos vencidos.

Fonte: Gazeta Mercantil (Luiz Orlando Carneiro)

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