Os avanços e os recuos na regulamentação financeira
Texto publicado no Valor Econômico em 14/01/2011
Quatro anos depois da eclosão da crise internacional, que começou em 2007 nos Estados Unidos com o estouro da bolha imobiliária, ainda não foi possível concluir e pôr em prática a reforma do sistema financeiro global, nascedouro da maior convulsão econômica desde o crash de 1929.
É verdade que o desafio não é simples e que houve alguns avanços. Os Estados Unidos caminharam paralelamente para reformar seu sistema financeiro, que desenvolveu várias aberrações como o "shadow banking", operações financeiras que corriam à margem do sistema fiscalizado; e as securitizações criativas. A nova regulamentação americana pretendeu pôr um fim a essas anomalias.
Em relação ao fortalecimento do capital das instituições financeiras, a discussão ficou no âmbito do Banco para Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, sediado na Basileia, Suíça. O novo acordo sobre o capital mínimo dos bancos, chamado de Basileia 3, foi concluído no fim de 2010, mas será implementado gradualmente de 2013 a 2019.
Os reguladores foram obrigados a optar pelo gradualismo porque exigir mais capital dos bancos significa menor capacidade de dar crédito, o que tem impacto direto na delicada recuperação da economia mundial.
Mas um grande passo foi dado, com o refinamento das definições de capital de mais alta qualidade, excluindo-se reservas voláteis ou temporárias, e a criação das reservas de proteção e do colchão contracíclico, cujas características somente vieram à luz na reunião do BIS do último fim de semana.
Pela regra acordada por 27 países-membros do Comitê da Basileia de Supervisão Bancária, inclusive o Brasil, o país que avaliar que sua economia está superaquecida deve exigir mais capital dos bancos para cobrir perdas potenciais. A determinação deve ser seguida por outros países cujos bancos também operam no mercado em que a bolha está se desenvolvendo.
Os reguladores poderão exigir dos bancos um reforço de capital equivalente a até 2,5% dos ativos ponderados pelo risco para a formação do colchão contracíclico. Essa exigência será adicionada ao capital mínimo de nível 1 de 4,5% e ao colchão de proteção de 2,5% fixados anteriormente. Assim, o capital mínimo dos bancos poderá chegar a 9,5%. Quando a bolha estourar, as reservas contracíclicas serão desfeitas para cobrir as perdas dos bancos. Essa é uma típica medida macroprudencial que tende a desacelerar um ciclo econômico, sem ser instrumento de política monetária.
Ao estender a exigência do capital contracíclico a todos os bancos que operam em determinado mercado, o BIS atacou um problema antigo. Quando a exigência de reforçar as reservas era feita apenas aos bancos de um país, eles alegavam que ficavam em desvantagem perante os de outras partes do mundo, que precisavam de menos capital.
Ainda há algumas dúvidas a respeito da nova regra. A principal delas é o critério para se detectar uma bolha. Em princípio, seria a relação entre o crédito e o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas esse termômetro não é perfeito. No Brasil, por exemplo, a relação crédito-PIB está perto de 50%, bem inferior aos 100% da Tailândia, mas o próprio Banco Central (BC) diz que o crédito para pessoa física está muito aquecido.
Nem tudo são avanços, porém. A recente discussão das autoridades inglesas com seus bancos em torno da distribuição de bônus mostra que velhas práticas ainda subexistem. Tudo começou quando foi divulgado que o presidente do Royal Bank of Scotland (RBS), Stephen Hester, receberia bônus polpudos neste ano. A notícia despertou a ira popular, pois o RBS só não quebrou na crise porque foi salvo com dinheiro público e acabou estatizado em 2008. Pertencem ao governo inglês 70% do seu capital.
Reagindo ao clamor popular e usando seu poder de acionista, o primeiro-ministro, David Cameron, afirmou que o bônus do presidente do RBS deveria ser o menor do mercado. Bob Diamond, presidente do Barclays, que abriu mão de seus bônus nos últimos dois anos, disse que deve ficar para trás o período "de remorsos e desculpas" dos banqueiros. Os bancos americanos já voltaram a distribuir os bônus, apesar de estarem devendo ao governo americano.
Sabe-se que é prática do mercado financeiro distribuir bônus para incentivar os executivos. Mas a memória dos banqueiros também parece curta. Uma das várias lições da crise financeira internacional é que a distribuição de bônus deve seguir regras que não prejudiquem a empresa, tirando do caixa o dinheiro que poderia reduzir seu endividamento, nem estimulem a tomada de risco excessivo.
Texto publicado no Valor Econômico em 14/01/2011
Quatro anos depois da eclosão da crise internacional, que começou em 2007 nos Estados Unidos com o estouro da bolha imobiliária, ainda não foi possível concluir e pôr em prática a reforma do sistema financeiro global, nascedouro da maior convulsão econômica desde o crash de 1929.
É verdade que o desafio não é simples e que houve alguns avanços. Os Estados Unidos caminharam paralelamente para reformar seu sistema financeiro, que desenvolveu várias aberrações como o "shadow banking", operações financeiras que corriam à margem do sistema fiscalizado; e as securitizações criativas. A nova regulamentação americana pretendeu pôr um fim a essas anomalias.
Em relação ao fortalecimento do capital das instituições financeiras, a discussão ficou no âmbito do Banco para Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, sediado na Basileia, Suíça. O novo acordo sobre o capital mínimo dos bancos, chamado de Basileia 3, foi concluído no fim de 2010, mas será implementado gradualmente de 2013 a 2019.
Os reguladores foram obrigados a optar pelo gradualismo porque exigir mais capital dos bancos significa menor capacidade de dar crédito, o que tem impacto direto na delicada recuperação da economia mundial.
Mas um grande passo foi dado, com o refinamento das definições de capital de mais alta qualidade, excluindo-se reservas voláteis ou temporárias, e a criação das reservas de proteção e do colchão contracíclico, cujas características somente vieram à luz na reunião do BIS do último fim de semana.
Pela regra acordada por 27 países-membros do Comitê da Basileia de Supervisão Bancária, inclusive o Brasil, o país que avaliar que sua economia está superaquecida deve exigir mais capital dos bancos para cobrir perdas potenciais. A determinação deve ser seguida por outros países cujos bancos também operam no mercado em que a bolha está se desenvolvendo.
Os reguladores poderão exigir dos bancos um reforço de capital equivalente a até 2,5% dos ativos ponderados pelo risco para a formação do colchão contracíclico. Essa exigência será adicionada ao capital mínimo de nível 1 de 4,5% e ao colchão de proteção de 2,5% fixados anteriormente. Assim, o capital mínimo dos bancos poderá chegar a 9,5%. Quando a bolha estourar, as reservas contracíclicas serão desfeitas para cobrir as perdas dos bancos. Essa é uma típica medida macroprudencial que tende a desacelerar um ciclo econômico, sem ser instrumento de política monetária.
Ao estender a exigência do capital contracíclico a todos os bancos que operam em determinado mercado, o BIS atacou um problema antigo. Quando a exigência de reforçar as reservas era feita apenas aos bancos de um país, eles alegavam que ficavam em desvantagem perante os de outras partes do mundo, que precisavam de menos capital.
Ainda há algumas dúvidas a respeito da nova regra. A principal delas é o critério para se detectar uma bolha. Em princípio, seria a relação entre o crédito e o Produto Interno Bruto (PIB) do país. Mas esse termômetro não é perfeito. No Brasil, por exemplo, a relação crédito-PIB está perto de 50%, bem inferior aos 100% da Tailândia, mas o próprio Banco Central (BC) diz que o crédito para pessoa física está muito aquecido.
Nem tudo são avanços, porém. A recente discussão das autoridades inglesas com seus bancos em torno da distribuição de bônus mostra que velhas práticas ainda subexistem. Tudo começou quando foi divulgado que o presidente do Royal Bank of Scotland (RBS), Stephen Hester, receberia bônus polpudos neste ano. A notícia despertou a ira popular, pois o RBS só não quebrou na crise porque foi salvo com dinheiro público e acabou estatizado em 2008. Pertencem ao governo inglês 70% do seu capital.
Reagindo ao clamor popular e usando seu poder de acionista, o primeiro-ministro, David Cameron, afirmou que o bônus do presidente do RBS deveria ser o menor do mercado. Bob Diamond, presidente do Barclays, que abriu mão de seus bônus nos últimos dois anos, disse que deve ficar para trás o período "de remorsos e desculpas" dos banqueiros. Os bancos americanos já voltaram a distribuir os bônus, apesar de estarem devendo ao governo americano.
Sabe-se que é prática do mercado financeiro distribuir bônus para incentivar os executivos. Mas a memória dos banqueiros também parece curta. Uma das várias lições da crise financeira internacional é que a distribuição de bônus deve seguir regras que não prejudiquem a empresa, tirando do caixa o dinheiro que poderia reduzir seu endividamento, nem estimulem a tomada de risco excessivo.
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